“Há quem diga que todas as noites são de sonhos. Mas há também quem garanta que nem todas, só as de verão. No fundo, isto não tem muita importância. O que interessa mesmo não é a noite em si, são os sonhos. Sonhos que o homem sonha sempre, em todos os lugares, em todas as épocas do ano, dormindo ou acordado.” (William Shakespeare)
Num mundo de contrariedades, o meu mundo é que estava
ao contrário. Embora que, na noite fria, fosse fácil sonhar.
***
(Ruben)
- Mano. – Chamava, na forma abreviada para palavra
portuguesa “irmão”, com a sua pronúncia espanhola, o que me deu uma certa piada
ao ouvir. Não conseguia compreender o que me acabara de dizer, aliás, era algo
sem sentido algum. Claro, ele tinha de estar a brincar comigo, era algum tipo
de partida, certo? Por que é que ele não se estava a rir? Não, nem sequer se
estava a esforçar para o esconder. Não havia vontade de soltar a gargalhada que
eu queria ouvir. Ele estava a falar a sério! – Ella no puede hablar contigo.
- Não quer? – Tentei mudar o sentido da sua
afirmação.
- No puede. – Corrigiu. Como se houvesse alguma
diferença… - Madalena no puede estar contigo, Ruben. Vosotros no podéis estar
juntos, no más.
- Claro que não. Ela está em casa dos pais, é óbvio
que não podemos estar juntos até que ela volte. Mas, afinal, por que é que não
quis falar comigo? Não entendo porque é que não atendeu as minhas chamadas… Já
estava a dormir?
- No creo que sea posible. – Cada palavra que
pronunciava perdia-se no espaço existente entre nós. Não devido ao barulho que estava
estabelecido na grande sala, era uma consequência do tom de voz utilizado. -
Ruben, ella estaba llorando.
- Estava llo quê? Llorando? Chorar? O quê? A Madalena
estava a chorar? Por quê? – Um enorme rasgo de preocupação invadiu-me o coração
e a mente. Não me parecia que se estivesse a referir ao chorar de tanto rir,
portanto, alguma coisa se tinha passado. E eu, tinha de saber o que se passava.
Retirei o telemóvel de um dos bolsos das calças e comecei a digitar o seu número.
Num forte puxão, Javi arrancou-me o da mão.
- Então? Eu preciso de falar com ela! – Ripostei
sentindo o coração cada vez mais apertado.
- No puedes.
- Não posso, não posso. Ela estava a chorar e eu
preciso de saber o que se passa!
-
Ruben, ¡eso es lo que estoy diciendo a
diez minutos! Por favor, ¡escúchame! Madalena estaba llorando porque no puede estar contigo. Su
padre no permite que vuestra relación continúe. – Gritava-me num tom de
desespero.
- O quê? O pai dela…? – Era uma brincadeira, tinha de
ser! – Ah Javi, pensas que me enganas? Eu sei que estás a brincar! Bolas, quase
que acreditei. – Dei meia volta, em direção à multidão, mas Javi agarrou-me o
braço para que eu não pudesse dar nem mais um passo. Soltou um suspiro audível,
percebi que não estava a brincar. Voltei à posição inicial e encarei-o. – Estás
a falar a sério? – Confirmou com um aceno de cabeça. – Mas… mas ele nem me
conhece!
-
Conoce y tu lo sabéis. Tu eres conocido en Portugal.
- Sou conhecido pelo trabalho que tenho! – Ripostei.
- ¡Esa
es la razón! – Tive a sensação que o mundo me tica caído aos pés. Deveria ser
algo semelhante ao que estava a sentir. Nada conseguia pensar até ao momento em
que o meu coração acelerou mais um pouco, o interior da minha cabeça foi
invadido por uma espécie de formigueiro e os meus membros, inferiores e
superiores, tremiam que nem varas verdes. «Por
quê, Madalena? Por quê? Por que me estás a fazer isto?» Eram perguntas para
as quais não teria respostas, nem sabia se as queria. Assim que acordasse do
transe em que tinha ficado, na frente de Javi, estaria tudo acabado! Tudo? Como
tudo? E o que nós sentíamos, não importava? Ou melhor, o que eu sentia, pois da
parte de Madalena já nada sabia. «Fraca!»,
gritava, em silêncio, repetidamente, gritava tão alto que era impossível os
ouvidos não me doerem. Sentia o rosto molhado, os olhos estavam a ficar
inchados e ardiam-me, os soluços cresciam dentro de um peito que não era o meu.
Tudo isto se dava num corpo que não era o meu.
Não precisava de ouvir mais nada. Precisava apenas de
ouvir a mulher que amava a dizer que era tudo um pesadelo. Queria acordar e
tê-la ao meu lado. Poder envolve-la nos meus braços enquanto dormia para
depois, perante o início de um novo dia, ter, no caminho do meu olhar, o
sorriso mais lindo que alguma vez vira em toda a vida. Queria poder ouvir, uma
vez mais, e outra, e outra, todos os seus pedidos para o pequeno-almoço, que eu
preparava sempre com a máxima atenção e dedicação, e poder disfrutar do
beicinho de criança que ela fazia sempre que me tentava persuadir a levar-lhe o
pequeno-almoço à cama. Para depois, quando ela completasse a sua higiene
matinal, pudesse disfrutar do primeiro beijo do dia que se iniciara, pois de
outra forma não o teria.
Queira correr, queria sair dali, daquele ambiente de
festa. Queira e consegui, pois sabia que Javi inventaria uma desculpa qualquer
para quem procurasse por mim, mas isso não era importante para mim, não agora.
Felizmente, não teria de me preocupar com isso neste momento, hoje o dia não
tinha sido dedicado às habituais piadas e provocações nas quais entrava sempre,
ou quase sempre, assim, era mais fácil passar despercebido. Entrei no interior
do automóvel que me pertencia, limpei desajeitadamente as gordas lágrimas que
teimavam em formar-se e, embora não me fosse permitido ir ao encontro da pessoa
que guardava o meu coração, coloquei o pé no acelerador e fui contra o destino
que nos unia.
Afinal, há um tempo para acreditar, um tempo para
viver e um tempo para desistir.
***
(Madalena)
Ali estava ele, sentado de frente para o rio Tejo,
sobre a relva macia, apreciando a paisagem que se estendia à sua frente. Entre
os dedos, pequenos pedaços de relva dançavam, ora para a frente, ora para trás.
O pouco ruido que fazia ao pisar a relva, na sua direção, não me denunciara. Segui
em frente. Ao seu lado, sem nada dizer, sentei-me ao seu lado, facto que Ruben
decidira mudar. Deslocou-me, fiquei sentada entre as suas pernas. As minhas
costas em contacto com o seu peito, os seus lábios soltavam pequenos beijos
entre o pescoço e os ombros, que me faziam arrepios. O vibrar do meu corpo
denunciava-me perante Ruben que, certamente, colocaria o seu sorriso rasgado
que lhe iluminava o rosto, de forma desumana, que tantas vezes ficava a
admirar, o rosto de alguém que era dono do meu coração, ator principal dos meus
sonhos, pensamento quase constante. Os seus braços uniam-se em redor do meu
corpo. Nestes momentos sentia-me uma menina, sentia-me novamente uma criança
que encontrara o seu porto seguro nos braços fortes de alguém que tanto admirava.
As calmas águas do rio eram como um espelho para o futuro.
Ficámos assim por alguns momentos, até que… «Oh não! O que é que está a acontecer?», pensei.
Dessa mesma água calma, grandes e densas nuvens brancas se formavam e obstruíam
a nossa visão, expandiam-se cada vez com mais força, retirando-me os sentidos.
Não conseguia sentir o bater do coração de Ruben, nem sequer a sua presença, apenas
ficara o lugar onde a relva amachucada denunciava a presença de alguém, o sol
deixava de brilhar com tanta intensidade, o céu rendera o seu azul para ser
tomado por um cinzento-escuro, muito escuro. Os pássaros já não cantavam à
beira do rio. «Uma tempestade»,
pensei novamente. Fora essa tempestade que mudara o rumo do mais certo. Uma
tentativa desesperada de me conseguir levantar, uma mão pesada pousou nos meus
ombros, o vento soprou furiosamente, vi-lhe o rosto. Os seus olhos furiosos, o
seu rosto com uma tonalidade muito vermelha impediam-me com autoridade, de
seguir o caminho que escolhera, de ir à luta. Um rosto familiar, alguém que eu
guardava no meu coração como um herói, que me encorajava a seguir em frente e
que agora impedia de avançar: o rosto do meu pai.
Lisboa desaparecia debaixo dos meus pés, as extensas
nuvens consumiam-me. Algo ali me parecia deslocado, parecia não, estava
deslocado. Uma melodia fazia-se ouvir, longe, «Mas… Como poderá existir vida enquanto o mundo de transforma em escombros?»
O som aproximava-se de mim, tentava focar-me mas a minha audição estava
afetada pela tempestade. «A drop in the ocean/ A change in the weather/ I was praying/ That you
and me/ Might end up together/ It’s like wishing for rain/ As I stand in the
desert…» Conhecia a melodia de algum lado, mas de onde? A luminosidade descia
significativamente embora aumentasse em outro plano, como se fosse possível existirem
dois mundos paralelos. Voltei a sentir. O meu corpo encolhido abrigava a
almofada, perto de mim uma luz piscava, a mesma melodia fazia-se ouvir com mais
intensidade. Tudo o que sentia era confusão. Olhei em redor e tudo o que vi
foram as formas do quarto que fora meu por 18 anos, formas apenas iluminadas pela
luz do luar.
Um sonho, tudo não passara de um sonho. Ruben nunca estivera
comigo, continuávamos separados pelos mais de 100 km. Enquanto isso, percebi
que a música que ouvia provinha do meu telemóvel, era deste que a luz piscava.
Uma chamada. Atendi automaticamente, sem qualquer entusiasmo.
- Sim? (Silêncio) Estou? - Do outro lado nada mais se
ouvia para além do som da respiração humana. Sabia que alguém estava do outro
lado, a ouvir minha voz, mas não permitia que ouvisse a sua. O desejo de que
fosse Ruben, embora o único nome que aparecia no ecrã do telemóvel fosse
‘Desconhecido’, aumentava, queria escutar a sua voz, desejava ouvir um ‘Vai
ficar tudo bem’, ou provavelmente não iria. Porém, poderia ser alguma chamada
falsa ou um erro técnico. E se não fosse? Poderão chamar-lhe sexto sentido, o
que quiserem, mas sentia que deveria continuar a falar para aquela voz muda. –
Sim? – Insisti e o meu coração acelerou ao som da respiração. – Ruben? Ruben,
és tu? – Esperei por uma resposta que não chegaria. – Ruben, se fores tu… Eu
amo-te. Nunca te esqueças disso. – Por caminhos trilhados, lágrimas escorriam,
novamente, pelo meu rosto, inundando-o e arrastando consigo a tristeza e o
desespero que selavam o meu coração. Um pequeno soluço foi tudo o que ouvi
antes de o som de chamada desligada ecoar no meu ouvido.
Não sei quanto tempo permaneci a olhar para o ecrã do
aparelho, tudo o que queria era ter a certeza de que era Ruben, queria ter a
certeza de que ele não desistiria de mim. Estaria a ser egoísta? Provavelmente,
afinal queria manter-me presa a Ruben. Pousei o telemóvel na cama, abracei a
almofada e, embora tivesse a certeza de que não voltaria a adormecer tão cedo,
esperei que o coração e a alma pesassem menos. Também sabia que não
aconteceria. O amor pesa, pesa muito, por vezes até mais do que o nosso próprio
mundo.
Desculpem por ficar tanto tempo sem postar, os exames estão à porta e preciso de me aplicar.
Espero que não tenham desistido da minha Fic.
Beijinhos,
Jéssica