quinta-feira, 9 de agosto de 2012

45º Capítulo: O Reencontro



“Não chores nas despedidas, pois elas constituem formalidades obrigatórias para que se possa viver uma das mais singulares emoções da vida: O Reencontro.” (Richard Bach)


Nada que umas boas horas de sono não resolvessem. Bem, não resolveram nada, quando acordei ainda não tinha Ruben ao meu lado, nem um bilhete em cima da almofada, escrito à pressa, a informar-me que tinha ido à padaria buscar pão quente para o nosso pequeno-almoço, tudo naquele quarto comprovava a sua ausência, mas pelo menos, essas horas ausente do mundo serviram para arranjar força para voltar às aulas.

 Com o corpo dorido, devido às demasiadas horas que tinha passado deitada, acordei antes que o despertador tocasse, num outro dia isto ter-me-ia irritado profundamente, mas desta vez tinha acordado completamente desperta. Tinha muito tempo até que fossem horas de sair de casa. Tomei um duche algo demorado, penteei demasiado os meus largos caracóis, apliquei uma maquilhagem que me desse um aspeto natural, vesti mais de três conjuntos de roupa diferentes, acabando por escolher o primeiro que tinha vestido. Ainda tive tempo para preparar o meu pequeno-almoço com calma, o qual ficou quase intacto em cima da bancada da cozinha. Reuni os meus pertences na mala e olhei para o relógio, ainda continuava a faltar muito tempo. É incompreensível o facto de o tempo passar a voar quando queremos que ele abrande um pouco e, quando queremos que ele avance mais rápido, cada segundo parece uma hora.

 Suspirei. Com sorte já apanhava algum trânsito nas ruas de Lisboa, o que me fazia desperdiçar uns minutos do demasiado tempo de que ainda dispunha. Não, para minha desilusão, afinal não estava assim tanta gente a ocupar as estradas. Dei por mim a pensar que estava maluca, eu não gostava de trânsito, agora dava por mim a desejá-lo, odiava acordar cedo, nesta manhã nem me tinha importado. A casa de Maria ficava quase de caminho para a faculdade, iria esperar por ela, e nem era habitual ir buscar as minhas amigas a casa quando elas tinham carro próprio.

 Por vezes, as nossas intenções não mostram as consequências. A casa de Maria ficava de caminho para a faculdade, mas também ficava relativamente próxima da zona onde Ruben residia. Não me apercebera disso, até que um carro cinzento escuro, que era capaz de conhecer em qualquer lado, com a ajuda da matricula que rapidamente memorizara, prendeu o meu olhar. Tive medo de levantar um pouco o olhar, apenas o suficiente para conseguir ver o seu interior. Tal como conhecia o carro, também conhecia o condutor. Qual era a probabilidade de o encontrar? Quase nula, certo? Era demasiado cedo para ir para o centro de treinos. E eu que não acreditava em coincidências.

 Talvez, travar de repente não tenha sido a ideia mais inteligente que já tive, o som dos travões chamaram demasiado à atenção. Talvez até possa dizer que foi uma ação involuntária. Mas não importa, pelo menos, no momento não me importei com isso, há muito tempo que não via Ruben cara-a-cara, também há muito tempo que os nossos olhares não se cruzavam. Tempo que começou novamente a contar do zero. A minha atitude tinha chamado à atenção de Ruben, os nossos olhares cruzaram-se por segundos, tempo suficiente para recordar o seu olhar de menino, o brilho dos seus olhos que pensava que tinha esquecido e, quando ele já se encontrava atrás de mim, percebi que, de cabeça baixa, eu estava a sorrir. Tinha saudades dele. Sabia que o amava, não só sabia como o sentia, e também sentia e sabia que era correspondida. Como poderia dizer que era o destino que nos tinha afastado se, o nosso próprio destino, somos nós que o construímos?

 O som de algo a bater no vidro da porta do passageiro chamou-me a atenção e fez-me despertar do transe em que me encontrava. Vi Maria, dobrada, a espreitar para o interior, um pouco atrapalhada em segurar a mala e o seu dossier, e ainda em continuar a bater no vidro com o dedo indicador para a deixasse entrar, devido à posição em que se encontrava.

 - Vais-me deixar entrar? – Perguntou, ainda do lado de fora. Destranquei automaticamente as portas e Maria entrou. Depois de se sentar e se acomodar, olhou-me com uma expressão desconfiada. – Passa-se alguma coisa?

 - Hum? Não. – Sorri-lhe.

 - Então o que estás aqui a fazer? Tu ainda eras para estar em casa. – Olhou para o relógio para confirmar as horas, pois estranhou a minha presença. Tinha saído da cama mais cedo que o habitual.

 - Acordei cedo e decidi vir-te buscar. Fica de caminho.

 - Hum, hum. Madalena, eu tenho carro, sabias? O que é que se passou? – Voltou a perguntar, desta vez a olhar-me nos olhos, para que não lhe pudesse mentir.

 - Acordei cedo. Sem sono… Odeio quando o despertador não toca antes de eu acordar.

 - Madalena, eu não estava a falar disso. – Interrompeu-me. O seu dedo indicador, que há segundos batera no vidro, agora estava apontado em direção a mim, desenhando pequenos círculos. – A tua cara… O que se passa?

 - Vi o Ruben. – Disse prendendo o olhar no volante, depois encarei-a. Os seus lábios afastaram-me, os seus olhos ficaram um pouco maiores. Maria estava surpreendida, mas depressa se recompôs.

 - Viste? Quando? Ontem? Ele foi à tua casa? Falaste com ele? Como é que estás?

 - Não Maria, eu… Eu vi-o há minutos. – Uniu as sobrancelhas tentando pensar onde poderia eu ter visto Ruben. – Ele passou por aqui. – Esclareci-a.

 - Passou por aqui? Mas que raio estava ele aqui a fazer? A mãe dele vive aqui, ou algum amigo dele?

 - Não, ele mora aqui perto.

 - Mora aqui perto? O David Luiz já esteve perto da minha casa e eu não o vi? E tu não me dizias nada? Madalena… Bem, não interessa. – Disse movendo a cabeça de um lado para o outro, repetidamente, como se afastasse um pensamento. – Ele viu-te?

 - Viu. Quer dizer, acho que viu. Pode não me ter reconhecido, mas… - Disse ainda a sorrir. Para mim, o famoso David Luiz, já era uma pessoa “normal”, um amigo do Ruben, e não o ídolo das minhas melhores amigas. Tinha-me esquecido de todas as conspirações e suposições que fizemos sobre ele, do quanto me ria enquanto elas o idolatravam.

 - E não te disse nada? – Respondi-lhe apenas com um aceno de cabeça. Ajeitou a viseira de modo a conseguir ver-se no espelho interior que esta continha, verificou a sua aparência e lançou um rápido olhar para a retaguarda do carro. – Está na hora de ir.



***



 Para mim, os melhores professores eram aqueles que nos sabiam cativar, que nos mostravam que estar ali, horas e horas, não era uma completa perda de tempo. O tempo, ao contrário do que tinha acontecido horas antes, passara a correr. O professor deu a aula por terminada disponibilizando-se, como sempre, a esclarecer duvidas. Coloquei-me na fila, afinal tinha faltado uma semana inteira às aulas.

 - Professor, preciso que me explique a velocidade de hemossedimentação. – Anunciei-lhe assim que chegou a minha vez.

 - Muito bem. Desde já, bons olhos a vejam, já não aparecia há algum tempo. – Desculpei-me com um sorriso. – Por favor, diga-me que sabe o que são eritrócitos.

 - Sei, professor. – Assegurei.

 - Muito bem. Já vi de tudo. Então, resumidamente, a velocidade de hemossedimentação não é nada mais, nada menos, do que um teste que determina a taxa na qual os eritrócitos se precipitam num período de uma hora. Tem também como objetivo monitorar doenças inflamatórias, ou malignas, e também auxilia na determinação e no diagnóstico de doenças ocultas. Talvez um dos seus colegas a consiga ajudar, e caso nasça alguma dúvida, pode sempre esclarecê-la comigo.

 - Obrigada, professor.

 Virei costas ao meu dever. Uma manhã inteira enfiada dentro de um auditório era algo que provocava algumas dores musculares, e também alguma fome. Maria, junto de Joana e Sofia, esperava por mim. Já há algum tempo que não falava com Joana e Sofia, o que me fazia sentir um pouco culpada.

 - O que me dizem em irmos almoçar? Já estou com fome. – Disse Maria, passando a mão pelo estômago.

 - Sim, não é má ideia. Acho que o Tomás já está a ficar com fome. – Argumentou Sofia, com o olhar preso na sua barriga que crescia de dia para dia.

 - Tomás? É um rapaz? – Perguntei, e iniciámos a caminhada até ao parque de estacionamento, onde deixávamos os nossos veículos.

 - Ainda não sei. Mas tenho a sensação de que é um rapaz, não sei, é algo que eu sinto. É claro, se for uma rapariga será bem-vinda.

 - E o pai?

 - O pai é um babado. – Todas sorrimos. Invejava Sofia, não por estar grávida, nem por estar feliz, mas por poder ter o seu amor ao seu lado. E isso, deixava-me feliz.

 Todo o percurso foi feito coberto de novidades, entre nós não havia remorsos por ter estado afastada. Tudo continuava igual. Era a este mundo que eu pertencia, sabia disso, mesmo que não tenha sido educada para viver nele.

 - E onde vamos almoçar? – Perguntou Maria já algo impaciente.

 - Podíamos ir àquele café ali. – Joana apontou para o café onde tantas vezes almoçávamos juntas. – Já não vamos lá há tanto tempo…

 - Ah. Madalena. Nós vamos andando, acho que tu tens um assunto por resolver. – Maria indicou-me o local onde se encontrava o meu ‘assunto por resolver’ com o olhar.

 Um carro cinzento escuro estava estacionada não muito longe do sitio onde nos encontrávamos. E o condutor? Esse, tentava passar despercebido, aos olhos dos outros, mas aos meus… era impossível. Caminhei em direção ao carro sem saber ao certo o que ia fazer ou dizer. Encontrava-me a poucos metros de distância quando a porta do condutor de abriu lentamente. Do interior saiu o meu mundo, saiu o dono do meu coração. Saiu do dono de uma cara de menino e de um olhar ternurento. Saiu a razão pela qual acelerei o passo e só parar quando a sua respiração se fazia sentir na minha pele. Abracei-o com todas as forças que tinha. Sabia que, passassem horas, dias, semanas, meses ou anos, o seu perfume, as suas formas, a sua pele, nunca seriam esquecidas. E então, olhámo-nos.

“Os olhos dizem o que o coração sente.”