Numa correria infantil, Ruben e Mauro foram os
primeiros a chegar à mesa, sob as ordens de Anabela para que fossem com calma.
Enquanto a mãe de ambos servia os pratos vazios, e os irmãos previam que seriam
os últimos, Anabela soltava pequenas gargalhadas. Imaginava que, por vezes, a
senhora não sentisse a nostalgia da infância dos filhos, porque vinte e muitos
anos depois, as brincadeiras e discussões entre ambos certamente seriam
semelhantes.
- Meninos, vamos lá ver a brincadeira… -
Avisava a progenitora.
- A culpa é dele. – Reclamava Ruben colocando
o seu dedo indicador num frente-a-frente com a cara de Mauro.
- Cala-te pá! – E caía um açoite na nuca de
Ruben.
- Então? Queres apanhar? – Ameaçava o Amorim
mais novo.
- Parem já imediatamente! – Ordenava,
finalmente, Anabela.
E era assim que se acabavam as brincadeiras
entre eles. Por pouco tempo… Quando estas cessavam, a mãe de Ruben estabelecia
uma nova conversa entre todos, mas especialmente para me tentar conhecer
melhor, e eu àquela família, claro. Falávamos desde o meu percurso escolar, os
meus sonhos, gostos, a minha família, e eu respondera a tudo com a máxima
sinceridade possível, na verdade, não me importava minimamente que os presentes
me perguntassem seja o que for. Preferia assim em vez de procurarem saber
coisas a meu respeito nas minhas costas. Até mesmo a própria família me contara
as histórias da mesma, desde a infância dos irmãos, dando mais relevo à
infância de Ruben, aos seus sonhos, a luta constante para ser melhor… Ruben
exibia um ar majestoso e Mauro contra argumentava sempre com a intenção de se
equivaler ao irmão.
Depois do delicioso almoço, seguiram-se as
sobremesas que todos fizemos questão de repetir. Acho que nunca tive a noção do
quanto Ruben comia… e quando se falava da comida da mãe… Enquanto Ruben e Mauro
seguiam para a sala de estar, novamente, eu e Raquel insistimos em ajudar a
Dona Bela a arrumar a sala de jantar e também a cozinha. Embora recusasse
várias vezes a nossa ajuda, acabou por ceder.
Entregues ao trabalho doméstico, a progenitora
aproveitava para estabelecer conversas sobre como eu e Ruben nos tínhamos conhecido,
o que me levou a desejá-lo… Na verdade, Anabela sentia um pouco de receio da hipótese
de eu estar com Ruben apenas por tudo o que a sua condição social e
profissional lhe oferecia. Tentei ser o mais simples, tentei ser eu, pois se
ela viesse a gostar de mim que fosse pelo que eu era. Por fim, o aviso e
conselho para não magoar o seu filho.
De bandeja nas mãos voltei para junto de
Ruben, com as bonitas chávenas de café, a namorada de Mauro seguia, à minha
frente, com o recipiente do café e do açúcar, já Anabela, sentou-se no meio dos
dois filhos. Raquel serviu as várias chávenas enquanto a mãe de Ruben, como mãe
galinha que era, embora a desculpa de Mauro fosse a velha desculpa do filho
preferido que achava ele ser Ruben, nos mostrava as fotos dos irmãos em tenra
idade, ou melhor, mostrava-me pois Raquel parecia já as ter visto várias vezes.
É sempre constrangedor quando nos começam a
apontar os nossos defeitos, foi assim mesmo que Ruben ficou quando a sua mãe
descreveu ligeiramente Ruben na infância, e claro, Mauro exagerara um pouco e a
discussão de crianças retomara. Nada que a Dona Bela não conseguisse resolver
com umas palavras de ordem.
Ruben teria sido uma criança com os horários
trocados, pois de dia era um calmo e simpático rapazito, mas há noite sabia
mostrar que tinha bons pulmões. As fotos desapareciam com o virar da página,
várias na praia ao lado do seu irmão, com o pai, com a mãe, curiosamente, a maioria
delas sempre separados, mas não insisti nesse pormenor, com mais outros
familiares e junto da enorme colecção de carros. Comodista, Anabela assim o
descrevera, mas neste momento não o conseguia ver assim, possivelmente teria
mudado, o egoísmo não encaixava na pessoa que eu sabia que adorava ajudar
crianças, que tinha amigos maravilhosos, na pessoa que eu estava a adorar
conhecer.
Durante algum tempo deixámos de ter direito à
televisão, pois o vício da PlayStation falara mais alto, mas não nos
importámos, a conversa, à volta da lareira, permanecia. Estava há poucas horas
na casa da família, no entanto, o meu à vontade era visível e, Ruben
mostrava-se contente por isso, nas alturas em que o jogo o permitia desviar o
olhar da televisão e fixá-lo, por segundos, em mim.
Quando tomou a noção das horas, Ruben largou o
comando veio juntar-se a nós, seguido por Mauro. A tarde ia a meio e o sol de
Fevereiro começava a navegar para ocidente. Os presentes acompanharam-nos até à
porta de entrada principal, despedimo-nos de todos e eu agradeci a Anabela que,
por sua vez, deixou um convite em aberto para regressar mais vezes àquela casa.
Certamente que iria, pelo menos, assim esperava eu, porque se voltasse isso significava
que continuava com Ruben e, neste momento, era algo que eu desejava.
- Madalena. – Chamou-me, parando um passo
atrás de mim, enquanto caminhávamos para o seu carro, até então estacionado ao
lado do carro de Mauro, na garagem. Olhei-o, os seus olhos estavam brilhantes,
mas a sua expressão facial nada mostrava. Talvez este fosse um dos casos onde
se pode dizer que um olhar fala mais do que mil palavras. Acabei por virar-me
para ele, na totalidade. As suas mãos seguravam a minha desocupada, pois a
outra segurava a mala, numa concha imperfeita envolveu-a, sempre com o olhar
posto nestes movimentos. Finalmente, voltou a olhar-me, olhos nos olhos e
sorriu, um sorriso nervoso é certo. É certo, também, que eu não precisava de
ter presenciado aquele magnifico sorriso para saber que um nervoso miudinho
tomava conta de si, a pressão que exercia na minha mão denunciava-o.
- Sim? – Encorajei-o. Permiti-me prender o seu
olhar no meu, os seus cantos da boca elevavam-se tal como os meus.
- Eu… Uh… - Gaguejou.
- Ruben, fala.
- Calma. – Pediu-me, em seguida, encheu os
pulmões de ar e libertou-o fortemente. – Isto vai parecer… uh, estranho, mas… -
Desta vez nada disse, dei todos os segundos necessários para que Ruben ganhasse
coragem para finalmente dizer o que queria e não tinha coragem. O seu olhar
baixou novamente para as mãos, desta vez entrelaçou os dedos e voltou a
olhar-me nos olhos. – Isto quando era puto era bem mais fácil… Madalena, não
quero que penses que estou a brincar contigo ou que estou a ir depressa demais,
mas a verdade é que… - Voltou a inspirar e a expirar uma enorme quantidade de
ar. – Madalena, eu amo-te.
«Eu amo-te», duas simples palavras que tanto
significavam. Naquele momento, nada fui capaz de dizer, o nosso olhar, preso um
no outro, podia transmitir sentimentos que as palavras não conseguiam descrever
nem os gestos expressar. Hoje em dia, estas palavras estavam demasiado
verbalizadas, a maioria das vezes são ditas quando não deveriam ser, pois, por
vezes, os sentimentos que existem em nós são menos intensos que a própria
palavra que, por sua vez, é menos intensa que o verdadeiro sentimento que
representa. Apesar disso, Ruben não falava aquilo da boca para fora, o seu
olhar não o deixava mentir e cada brilho que passava naqueles olhos castanhos,
confirmavam cada palavra saída da sua boca.
Queria poder admitir que o que sentia por ele
era mais do que um simples ‘adoro-te’, mas não tinha a certeza se o sentimento
era grande o suficiente para preencher toda a grandeza da palavra. Poderia ter
respondido “Eu também”, como tantas pessoas o fazem, mas esse “Eu também” não
significa “Eu também te amo”, embora a maioria o tome como tal, talvez pela
ânsia de se sentirem amadas de verdade, e não adoradas como provavelmente o são.
Ruben ansiava para que as minhas palavras
também se fizessem ouvir, mas tudo o que saiu dos meus lábios foi um enorme
sorriso. As nossas mãos desenlaçaram-se, os seus braços fortes rodearam a minha
cintura e, os meus, pousados nos seus ombros, permitiam-me puxar-lhe os
pequenos cabelos da nuca. O meu corpo, devido à força dos seus braços, bateu no
seu, sentia o seu tronco perfeitamente delineado por debaixo da fina camisola
de inverno, pois hoje o sol brilhava, quente e acolhedor. Os nossos lábios,
entreabertos, colaram-se lentamente um ao outro e, numa sintonia perfeita, explorámos
a boca um do outro com desejo contido, suavidade exagerada, mas sobretudo, com
sentimento. Rapidamente as fracas barreiras foram quebradas, o ambiente entre
nós começava a aquecer demasiado, além disso estávamos no jardim frontal da
casa. Fui eu a quebrar todo aquele momento e arrastei-o para o interior do
carro. Sentados nos respetivos lugares, prontos para rumar consoante as ideias
não definidas de Ruben, pois para programar algo para nós era sempre no
momento. Iriamos ter a lago algum.
- Achas que algum dia vais sentir por mim o
que sinto por ti? – Perguntou, provavelmente inseguro e com medo de nunca ser
amado por mim.
- Sim, eu sei que sim. – Pousei a minha mão na
sua perna, Ruben mostrou o maravilhoso sorriso que, embora os dias passassem,
nunca me chegara a habituar, nem sabia se algum dia chegaria. Ligou o carro e a
estrada acabara de se estender à nossa frente.