quarta-feira, 21 de novembro de 2012

47º Capítulo: O início do fim




“Amo como ama o amor. Não conheço nenhuma outra razão para amar senão amar. Que queres que te diga, além de que te amo, se o que quero dizer-te é que te amo?” (Fernando Pessoa)


O mar, quer em maré alta ou baixa, quer no seu estado mais calmo ou mais revoltado, é algo mais do que um meio onde habitam várias espécies, é mais do que um enorme conjunto de moléculas que mais tarde nos matarão a cede. Para mim, o mar é vida, é a oportunidade de ter o abraço de uma mãe nos momentos mais difíceis sem ela estar presente, de sentir o toque de umas mãos pequeninas com a pele muito macia e o delicioso cheiro a bebé. É o detentor das respostas às perguntas que não formulava.

A relva estava fria, húmida até, o rio, prestes a unir as suas águas às do grande oceano, estava calmo, ao contrário de na ponte, ao longe, onde a vida corria com alguma pressa. O sol, até então tímido, começava a aparecer por detrás das grandes nuvens brancas. Era quente. Eu gostava do sol, trazia calor, brilho, luz, cor e, acima de tudo, fazia as pessoas sorrir.

Acabei por me deitar sobre a verde relva como já não fazia há muito tempo. Momentos como este faziam-me recordar o Alentejo, com os seus campos, uns dourados outros verdes. Conseguia pensar em tudo e em nada, conseguia esquecer todos os problemas e preocupações, nem que fosse apenas por momentos. Mas claro, voltavam sempre para me preencherem o pensamento, um deles até tinha um rosto, um cheiro, um nome: Ruben.

Suspirei.

Tinha de fazer alguma coisa. Mas o quê?

Sentia a falta dele, as coisas mais simples, da sua essência, da sua presença, do seu sorriso de criança traquina.

Podia ligar-lhe, assim ouvia a sua voz, sem discussões, podia voltar a casa e agarrar-me à sua camisola que permanecia juntos às minhas, do tempo em que dormia em minha casa uma ou outra noite, e que ainda tinha o seu cheiro. Podia, também, reunir todas as fotografias que tínhamos tirado durante a nossa curta relação, mas que já eram as suficientes para não poderem ser contadas pelos dedos. Podia… mas o que queria mesmo era estar com ele.

Mas com que cara lhe iria pedir para jantar comigo, ou lanchar, ou ir ao cinema, ou qualquer que fosse o programa, se passava a vida a fugir dele? Quando estava sozinha e pensava nos meus atos, sentia-me uma autêntica adolescente, onde se foge para não levar com as consequências. Eu não era assim. Mas, por agora, seria melhor ficar quieta? Não, definitivamente não!

Primi o botão que me permitiu voltar à realidade. Já tinha passado algum tempo desde que ali chegara, tinha as costas molhadas e estava a ficar com frio. O sol ainda não aquecia tanto assim.

Já em casa, enchi a banheira com água bem quente, tal como fazia nos dias mais frios de inverno. Como sempre, liguei o Ipod às suas colunas e, enquanto olhava para o nada, ouvia aquelas músicas que ocupavam espaço na memória e que só serviam para estes momentos.

- “A gente não precisa tá colado pra tá junto, os nossos corpos se conversam por horas e horas, sem palavras tão dizendo a todo instante um pro outro, o quanto se adoram, eu não preciso te olhar pra te ter em meu mundo…” – Cantava quando o telemóvel, que permanecia perto de mim, começou a emitir luz e o som que assinalava a receção de uma nova mensagem de texto:


De: Maria
O Ruben está no Colombo com o Javi e o Rodrigo. Estão no Bowling. Talvez queiras vir até cá.


Olhei para o relógio. Na verdade, era possível que lá estivessem, se não tivessem nada melhor para fazer, o treino já tinha terminado. Tinha de ir e, desta vez, nem pensei duas vezes. A água, ainda quente, ficou para trás, sequei o cabelo na tentativa de domar os largos caracóis e apliquei um pouco de maquilhagem. Quanto à roupa, bem, foi um pouco mais complicado, queria estar “apresentável” para Ruben, mas não demasiado. Com tanta asneira que tinha feito era melhor acumular alguns pontos onde podia, optei então por levar algo simples.




Cheguei ao Colombo cerca de uma hora depois do alerta de Maria, ao qual não lhe tinha dado resposta. Assim que estacionei o carro liguei-lhe:

- Sim? – Atendeu Maria com um tom muito divertido. Se havia alguém que se conseguia rir desta história toda era ela.

- Diz-me que ele ainda está no salão de Bowling! – Ouvi a gargalhada de Maria do outro lado, mas ignorei.

- Ah, não sei não. Demoraste muito tempo, talvez já se tenha ido embora…

- Maria, vá lá, se ele fosse embora tu avisavas-me. Ele ainda lá está, não está?

- Sim, há dois minutos ainda lá estava. Mas caso fujas novamente, nós estamos numa das lojas de criança. Viemos com a Sofia.

- Isso não vai acontecer.

- Não vai? Não vens ter connosco? Mas que…

- Não é nada disso. Eu não vou fugir.

- Ahn, ahn. Vai lá antes que ele vá embora. Mas se quiseres ganhar um jogo é hoje o dia, ele está a jogar mal pra caramba.

Lancei um olhar de soslaio para o telemóvel e voltei a guardá-lo na mala.

«Eu não vou fugir!»

Acelerei o passo, o máximo que consegui. Entrei de repente no salão, e com rapidez semelhante os meus olhos varreram o espaço à procura de Ruben. E lá estava ele, na pista do costume, acompanhado pelos seus colegas. Ruben estava um pouco mais à frente, com a bola na mão e em posição de lançamento. A bola rolou pela pista, mas apenas conseguiu derrubar dois pinos antes de entrar na zona escura. Cedeu o lugar a Rodrigo, não reclamou pela sua má prestação e limitou-se a ver o jogo dos seus companheiros. Este não era, definitivamente, o “meu” Ruben. Tenho a certeza de que se a mãe dele o visse assim iria dizer que a culpa era minha, que não era boa companhia para o filho, tal como todas as mães diriam.

Pedi os sapatos adequados para andar pela zona dos jogadores e caminhei até Ruben, colocando-me atrás de si.

- Podemos falar? – Sussurrei-lhe ao ouvido. Rapidamente Ruben deu meia volta de modo a ficar voltado para mim, e na cara mostrava-se surpreendido. Ato este que surpreendeu Javi e Rodrigo, embora mais Javi, embora ambos acabassem por olhar para nós.

- Madalena, ¡hola! ¿Qué haces aquí? – Perguntou Javi cumprimentando-me com dois beijos na face. Antes que eu ou Ruben pudéssemos responder, Rodrigo interferiu.

- ¡Dios! ¿Quien es esta chica?

- No es nadie. – Respondeu Javi.

- Bien, no me parece que no sea nadie… - Disse apreciando-me.

- Es… una prima de Ruben. – Mentiu Javi.

- ¿Prima? Ruben, ¡tienes una prima muy guapa! Pero… ella no es tu prima, ¿verdad?

- Rodrigo, ¡cállate! – Ordenou Javi com um tom de voz autoritário.

- O que fazes aqui, Madalena? – Perguntou Ruben finalmente.

- Precisamos de falar. Aliás, eu preciso de falar contigo.

- Não falámos já? Não disseste tudo o que tinhas a dizer?

- Não, Ruben. Só disse o que devia dizer. O que não é bem o que te quero realmente dizer.

- Então o que me queres realmente dizer? – Javi e Rodrigo entretanto já tinham regressado ao jogo, mas estavam demasiado perto, certamente conseguiriam ouvir tudo o que dizíamos. E, nesse aspeto, gostava muito da minha privacidade.

- Vem comigo, por favor.

Ruben assentiu. Informou os colegas que regressaria em breve e iniciámos uma caminhada, lado a lado, por entre a multidão. Caminhámos até à zona da restauração onde Ruben, subitamente, parou.

- Talvez devêssemos ir para outro sítio… - Sugeri.

- Não, aqui está bom. É o suficiente para dizeres de uma vez por todas o que tens a dizer.

- Então, vai ser assim?

- Assim como?

- Assim. Não vais voltar a ser o mesmo Ruben comigo?

- Esperas que sejas o mesmo contigo quando tu me rejeitas, depois foges, depois regressas, e voltas a rejeitar-me?

- Pronto, tudo bem. Eu não vim aqui para ouvir acusações. – Respirei fundo e prossegui. – É verdade que tenho sido… difícil, mas vim aqui para te dizer que preciso de estar contigo, que quero estar contigo. Ruben, eu amo-te!