sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

19º Capítulo: Adeus

 Percebi que Maria tinha toda a razão quando me permiti olhar nos olhos de Ruben por escassos segundos. Desde que a nossa amizade passou a ser algo mais do que isso mesmo, uma amizade normal, que eu nem dera oportunidade a Ruben de se exprimir, impus regras que agora me pareciam ridículas, embora soubesse que mais tarde voltariam a fazer sentido.

 A conversa fluía normal e agradavelmente, embora na maioria das vezes ficasse ausente do conteúdo da conversa, por vezes os meus pensamentos dominavam-me e transportavam-me para longe, para o futuro, para uma conversa que teria de ser realizada quanto antes, embora a minha vontade fosse retardar o momento mais um pouco.

 O futebol foi o grande tema, ia contra os instintos daquelas minhas amigas ter um jogador do clube de eleição e não falar sobre ele, sobre ele e sobre o David Luíz, visto que era o melhor amigo de Ruben e o ídolo de Maria, Joana e de Sofia, que não estava presente. Uma das coisas que tinha aprendido desde que conhecera Ruben era que as nossas conversas não podiam incluir o tema futebol, clubes diferentes, aliás, rivais, amores diferentes, nunca iriam acabar da melhor maneira, pois tal como ele, eu também defendia o meu clube com toda a garra.

 Agora que este pequeno encontro, para lanchar, tinha terminado, o medo invadiu-me, em breves instantes estaria sozinha com Ruben, dentro do seu carro. Maria e Joana despediam-se de nós, com Maria era mais do que uma despedida, o seu olhar fixou o meu e, fruto de uma enorme cumplicidade, transmitiu-me um aviso. Sem que os restantes se apercebessem, o olhar de Maria implorava-me para que tivesse cuidado com as palavras que iria utilizar, alertava-me para que não fizesse nenhuma asneira que mais tarde me iria arrepender e, acima de tudo, transmitia-me força.

 Ainda de pé, vimos o carro de Joana contornar a rotunda e, em seguida, desapareceu. Sem que nenhum pronunciasse qualquer palavra, ocupámos os respetivos lugares no carro de Ruben e saímos dali. Ruben conduzia na direção oposta à sua casa e, também, à minha, o silêncio dominava-nos. Provavelmente teria magoado Ruben ao agir daquela maneira quando tocou no assunto e também por não ter estado muito interessada na conversa, o que fez com que eu ficasse um pouco ausente. Estava na altura.

 Preparava, mentalmente, discursos para poder ter aquela conversa com Ruben, quando senti que o carro parara. Olhei em redor, não fazia a mínima ideia onde me encontrava, mas aquele de certeza que não era o destino que Ruben escolhera quando envergou por este caminho. Tudo o que via eram prédios altos e nós, dentro do carro estacionado ao pé de muitos outros.

 - Madalena. – Chamou-me. – Eu não devia…

 - Na verdade, devias. – Interrompi. – Devias tê-lo feito, pelo menos, há horas atrás. Eu nunca te ouvi, peço desculpa por isso e por só ter percebido agora.

 - Mas eu entendo o teu lado.

 - E eu não sei qual é o teu.

 - Nada depende de mim. Madalena, já te tinha dito e volto a dizer, eu sinto qualquer coisa por ti e não é uma paixoneta de miúdo, acredita. Quero ficar ao teu lado, só não sei é até quando posso ficar… - Pegou-me na mão que até agora estava pousada na minha perna.

 - Era tudo tão mais fácil se…

 - Se?

 - Se… Nunca te tivesse conhecido.

 - É isso que queres? Que me afaste de ti? – Ruben estava triste, e isso notou-se na sua voz, ao pensar que era isto que eu poderia querer.

 - Não, não quero. – Tremi só de pensar na ideia de nunca mais voltar a ver aquela pessoa que se encontrava ao meu lado, aquela pessoa que já me era tanto.

 - Eu sempre arrisquei tudo e, no geral, as coisas até me saíram bem. Tu pediste para esperar e é mesmo isso que eu vou fazer. – Ruben estava decidido, mas como é que lhe podia pedir para ir contra os seus princípios, até porque era isso mesmo que eu tinha feito até agora.

 - Não. Eu não te posso pedir isso.

 - Já pediste e eu já aceitei. É a melhor das hipóteses.

 - Hipóteses lançadas por mim…

 - Tu escolheste o que era melhor para ti. – Ruben estava a ser extremamente compreensível, eu não queria isto. Todas as minhas atitudes, pedidos, tinham a intenção de atenuar a dor que ambos viríamos a sentir quando nos separássemos.

 - Para nós, Ruben, eu escolhi porque me pareceu o melhor para ti e para mim.

 - Então fizeste uma escolha que me envolve sem saberes o que eu quero para o meu futuro?

 - É isso que te ando a tentar dizer.

 Ruben permaneceu calado por alguns instantes, de alguma forma ponderava sobre o meu erro que, na minha cabeça, ainda continuava a fazer sentido. Mas ele tinha razão, eu não podia tomar uma decisão sem o consultar. Agora estava nas suas mãos.

 - Eu continuo a fazer a mesma escolha.

 - Mas eu não quero que faças essa escolha. Se arriscas sempre tudo porquê parar agora?

 - Mas que raio queres tu? Queres que te diga que não quero esperar por ti? Queres que me afaste já que não te posso obrigar a ficar comigo?

 - Estou à espera que faças isso desde o início… Quero que penses e escolhas só a pensar em ti.

 - Então eu espero, mas não irei fazê-lo para sempre. Espero porque sei que mais uns dias e irei ter-te, na minha vida, como eu quero.

 - Mas tu podes ir embora…

 - Madalena, porque é que tu fazes as conversas chegarem sempre ao mesmo ponto? – Ia responder, não sei bem o quê, quando Ruben retirou do banco de trás um jornal com alguns dias. – Toma, lê.

 Li o pequeno título que Ruben me indicara e a esperança voltou a nascer em mim.



Vieira segura Ruben Amorim
Luís Felipe Vieira e Ruben Amorim reuniram antes do Natal e o presidente do Benfica não está recetivo a deixar sair o internacional português para o Génova de Itália, apurou o CM.

Fonte revelou ao CM que o líder dos encarnados ouviu os argumentos do médio, que gostaria de ser mais utilizado em ano de Campeonato da Europa (2012), mas também fez ver ao atleta que ele faz parte do projeto e é um jogador à Benfica, pelo carisma, sentido de responsabilidade e pela forma como é bem encarado pelos companheiros. Ruben Amorim é um dos capitães do clube.
O Génova pretende comprar a totalidade do passe de Ruben Amorim, mas a presença do jogador na Luz é tida como essencial por Luíz Filipe Vieira e também pelo treinador Jorge Jesus para atacar o título de campeão nacional.
Fonte contactada disse ao CM que o presidente do Benfica sente grande carinho por Amorim, um jogador que se sacrifica pelo clube e que já passou por momentos difíceis – na época passada esteve largo tempo lesionado e não pôde dar o contributo à equipa, um dos fatores apontados internamente como causa para a época menos conseguida das águias.
A relação de Amorim com Jesus e Vieira é muito boa e só os poucos minutos de jogo estão abaixo das expetativas do futebolista, que deixou perceber a insatisfação num estágio da seleção nacional a 3 de Outubro, antes dos jogos frente à Islândia e Dinamarca, de apuramento para o Campeonato da Europa de 2012. “É uma opção do míster Jorge Jesus achar que não devo jogar no Benfica. Fico feliz por Paulo Bento pensar de outra forma”, disse o jogador, de 26 anos, que tem contrato até Junho de 2013 e uma cláusula de rescisão de 20 milhões de euros.


 Sabia o que aquilo significava, mas mesmo assim, só quando tivesse a certeza que Ruben ficaria em Portugal me sentiria segura, feliz. Estava a ser egoísta, supostamente deveria querer o melhor para ele, mas não conseguia deixar de pensar em mim também. Mas a notícia que acabara de ler não significava só meio caminho para Ruben ficar, senti-me também orgulhosa dele.

 Li e reli a notícia à procura de alguma palavra que mudasse todo o sentido que esta parecia tomar. Nada, tudo estava bem explícito. Por fim, fechei o jornal e voltei a dobrá-lo ao meio, devolvi-o a Ruben, que esperava que eu dissesse alguma coisa.

 - Não vais mesmo?

 - Madalena, não sei… - Olhou-me como se se preparasse para me dar uma má notícia. – Aconteceu uma coisa durante o primeiro treino e estou suspenso, com um processo disciplinar…

 Eu leio jornais, por isso sabia exatamente o que tinha acontecido. Também sabia as consequências que, a sua atitude errada, traria: o aceleramento do processo de saída do clube encarnado.

 - Eu tenho uma pequena ideia do que aconteceu. – Sentia-me um pouco enganada. Era óbvio que Ruben sabia as consequências que viriam, no entanto, não me tinha dito nada.

 - Tu já sabias?

 - Já. E também sei que te queres ir embora, mais do que tudo.

 - Isso não é verdade.

 - Não? Esperei, muito sinceramente, que fosse uma verdade torcida, que não tivesse sido tão grave como agora sei que foi… - Poder-me-ia arrepender do que ia fazer para o resto da minha vida, tudo o que Ruben me dissera até hoje me parecia um eufemismo. – Leva-me a casa, por favor.

 - Madalena…

 - Ruben, por favor.

 O carro voltou a funcionar, abandonámos o estacionamento que tinha sido palco de meias verdades, meias mentiras, meias decisões. O percurso até minha casa foi feito mais uma vez em silêncio, embora que, desta vez, estivesse grata. Por vezes, sentia os olhos de Ruben postos em mim, mas eu não me permiti olhar para ele uma única vez e, teatralmente, apreciava a paisagem que se desdobrava à minha frente. Finalmente senti este aperto um pouco mais aliviado quando avistei aquela que tinha sido a minha casa por dois anos e, seria por mais qu0anto tempo eu permanecesse em Lisboa. Este aperto diminuía, mas outro depressa crescia, a decisão em função das ações de Ruben estava tomada. Parou, finalmente, o carro em frente da porta do prédio.

 - Queres que suba contigo? – Ruben quebrou o silêncio quanto eu me preparava para sair.

 - Não. – Respondi bruscamente.

 - Já percebi. Então, é isto que tu queres?

 «Meu Deus, eu vou-me arrepender tanto disto!», pensei, com toda a certeza.

 - Não, foi isto que tu provocaste. – Sentia-me magoada, e queria magoá-lo também. Queria poder dizer-lhe que a culpa era toda sua, das suas mentiras, ou omissões da verdade, de ter aparecido na minha vida no momento em que não precisava de ninguém. Ao contrário da minha vontade, fiquei calada. – Adeus, Ruben.

 Entrei rapidamente, sem olhar para trás. Num instante, as palavras que Joana me dissera um dia começaram a fazer sentido, por essas palavras nós tínhamos discutido, ela tinha-me magoado. Mas e se ela tivesse parte da razão?

 Subi, a correr, as escadas até chegar ao meu andar, o elevador era demasiado lento, desejava chegar a casa o mais rápido possível. As mãos tremiam, a chave não queria entrar na fechadura para abrir a porta. Respirei fundo, repetidamente, com calma abri a porta, calma essa que se evaporou quando atrás de mim deixava a mala caída no chão e fechava a porta com demasiada força. Em largas passadas, cheguei à sala de estar, esta ainda apresentava vestígios da passagem de Ruben, levei o cobertor para a arrecadação e arrumei as almofadas, alcancei o telefone e marquei um número bem conhecido.


quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

18º Capítulo: 'Nós': 'tu' e 'eu'

 Um pequeno impulso, senti rodopiar, e no instante seguinte a minha cabeça batera contra a almofada. Ruben caiu sobre mim, os seus braços apoiavam-no para que eu não suportasse todo o seu peso.

 - Se vais continuar assim passas a dormir cá mais vezes. – Brinquei.

 - É só pedires.

 - Nem penses. Está na hora do meu banho. – Afastei-me de Ruben, que caiu sobre a cama, ao meu lado.

 - Excelente ideia.

 - Do meu banho. – Reforcei a palavra ‘meu’.

 - Eu ia dizer que ia depois de ti. – Desculpou-se.

 - Claro que sim.

 Não prolonguei demasiado o banho como sempre fazia, um monte de novas sensações apoderara-se de mim. Queria sentir tudo aquilo, mas só seria possível perto de Ruben. Enrolei-me numa toalha e voltei a entrar no quarto.

 - Foste rápida. – Ruben estava sentado na cama ainda a comer.

 - Queria certificar-me que não tinhas fugido.

 - Só depois de comer, estou com uma fome… E tu vais comigo.

 - Ir onde?

 - À minha casa, tenho de tomar um bom banho e mudar de roupa, a não ser que tenhas ai qualquer coisa que se vista… De homem. – Levantou-se da cama e saiu do quarto, levando o tabuleiro, para que me pudesse vestir.

 Só depois de ver Ruben sair e fechar, atrás de si, a porta do quarto sorri. Aquele sorriso que tantos nomes eu lhe tinha atribuído quando se formava na cara de outras pessoas, o conhecido sorriso estupido.

 Demorei um pouco mais a vestir, estava num daqueles estados que não apetece tirar a toalha com medo do frio que se fazia sentir. Deixei o cabelo secar ao natural para que largos caracóis se formassem, apliquei um pouco da já habitual maquilhagem, perfume, e estava pronta. Depois tudo arrumado, fui ao encontro de Ruben, que por incrível que pareça já tinha devorado toda a comida que o tabuleiro continha. Como era possível acordar com tanta fome?



***



 Ruben subiu as escadas até ao primeiro andar de sua casa, eu fiquei na sala de estar à espera, para me entregar às suas ideias de modo a preencher o dia, ou melhor, a tarde que ainda agora começara.

 Liguei a televisão e esperei sentada no sofá, o pacote de canais de desporto estava completo, os outros faltavam apenas alguns canais, era o suficiente.

 Ouvia o bater das portas no corredor e alguns passos rápidos, minutos mais tarde, Ruben começou a descer as escadas. Envergava uns jeans escuros, uma camisola branca com decote em V, e um casaco vermelho escuro.

 Senti o telemóvel vibrar dentro da mala, afastei-me um pouco da sala de estar e atendia a chamada.

 - Joana.

 - Vamos lanchar as três?

 - As três?

 - Sim, eu, tu e a Maria.

 - Então e a Sofia?

 - Duvido que ela hoje vá a algum lado, a noite foi dura.

 - Então vão ser só duas, eu estou com o Ruben.

 - Ótimo, venham os dois.

 - Não sei…

 - Madalena, nós vamo-nos comportar. Trás o rapaz, como amigo.

 - Está bem. – Suspirei. – Meia hora?

 - É por isto que eu te adoro. – Desligou.

 Ruben já se encontrava atrás de mim.

 - Planos para esta tarde?

 - Alguns.

 - Com quem?

 - A Maria, a Joana e nós. – A expressão de Ruben alterou-se. ‘Nós’. Eu podia perfeitamente ter dito ‘eu’ e ‘tu’, algo que o Ruben tentou disfarçar, mas eu, em certos casos, era bastante observadora.

 - Não sei quem são…

 - Eu sei que não sabes. Já estás pronto? – Perguntei dirigindo-me novamente à sala de estar para guardar o telemóvel novamente na mala.

 - Finalmente a entrar na tua vida.

 «Só espero não me arrepender», desejei.



***



 Embora desnecessariamente disfarçado, mantivemos uma certa distância quando entrámos no café. Tinha a noção que as minhas atitudes estavam a ser infantis, desnecessárias, egoístas, tudo o que lhe quiserem chamar, e a toda a hora esperava que Ruben dissesse “Basta” para depois me deixar sozinha, como tinha ficado muito tempo. Tudo o que lhe pedira, embora em poucas palavras, sabia que era muito.

 - Estás atrasada. – Joana estava sentada de costas para a entrada, mas o barulho que os meus saltos faziam ao bater no chão de madeira denunciaram a minha aproximação. No entanto não se virou para confirmar.

 - Bom ano também para ti e, a Maria ainda nem chegou.

 - Está na casa de banho, sabes o quanto ela gosta da ‘entrada triunfal’. – Revirei os olhos. – Então não trouxeste o borracho do teu amigo?

 - Aqui. – Ruben falou pela primeira vez, denunciando a sua presença.

 - Oh… - Joana olhou para trás, pela primeira vez, e viu-nos, no entanto Maria ‘salvou-a’ da vergonha que sentia.

 - Aqui estou eu. – Maria seguia mesmo atrás de nós.

 - Já que estamos todas, Maria, Joana, este é o Ruben.

 - Acho que já sabíamos isso. – Brincou Maria. Ambas o cumprimentaram com um beijo na cara.

 Sentámo-nos na mesa já guardada por Joana e, para meu grande divertimento, esta tinha ficado constrangida. Por um lado, sentia-me estranhamente forte pelo facto de o ter levado, por outro sentia-me uma estranha espécie de traidora por ser tão forte perante outras pessoas, mas tão fraca com Ruben. Fraca, uma pessoa que não sabe o que quer.

 - Eu lembro-me de vocês, as fãs do David. – Ruben reconhecera as duas das meninas que eu acompanhava na primeira vez que os vimos no salão de Bowling do Colombo.

 - É, bem que o podias convidar e…

 - Poder podia, mas não garanto que viesse sozinho…

 - Mas será que não há homens disponíveis? – Uma pergunta retorica à qual Ruben respondeu.

 - Eu estou. – Ruben tocara no assunto que eu tanto queria reprimir. Olhava-me com um pedido de desculpas superficial, no fundo, não pedia desculpas, Ruben não estava arrependido.

 - Ruben…

 - Não, Madalena, desculpa.

 - Eu acho que precisam de falar… - Joana agarrou Maria pela mão e levantaram-se.

 - Não, fiquem. Eu e o Ruben já falámos tudo o que tínhamos para falar.

 - Então posso eu falar contigo? – Maria pedira-me muito seriamente.

 Levantei-me, sentia-me como uma criança quando é chamada à parte por um dos pais a fim de levar um sermão. Seguimos para a casa de banho, ali não havia risco de Ruben ouvir.

 - Ponto da situação. – Pediu-me cruzando os braços.

 - Maria, eu não tenho paciência para estas conversas, tu sabes.

 - Sei? Não sei, eu nunca te vi com ninguém desde que cá estás. Queres que entenda o que andas a fazer? Não, não entendo!

 - O que ando a fazer? E o que é que eu ando a fazer?

 - Diz-me tu.

 - Maria chega. Não te metas na minha vida, isso, eu não admito!

 - Quero lá saber o que tu admites! Vais ouvir e é até ao fim! Eu não vou ficar a ver tua felicidade a fugir.

 - Eu sou feliz, e também o era antes do Ruben aparecer na minha vida.

 - Eras? Provavelmente sim, mas eras mais do que és agora, quando estás com ele?

 - Maria…

 - Vês? Tu não tens resposta!

 No fundo, eu sabia o que a Maria estava a fazer comigo, fazia-o sempre que queria que eu mudasse de ideias. Sabia que eu iria defender as minhas ideias até ao fim, até não ter mais argumentos e ai encostava-me à parede até que eu cedesse.

 - Tudo o que esta conversa envolve já foi falado com o Ruben, o próprio concordou.

 - E se não concordasse? Eu sei o que pediste, e acredita que já me meti no teu lugar. Se ele não concordasse tu acabavas com esta recente amizade em três tempos. Eu conheço-te.

 - Se me conheces devias saber que se lhe pedi para esperar foi para ter a certeza que eu não iria sofrer quando ele se fosse embora. Tu por acaso tens noção do que se sente quando alguém próximo de ti, ainda mais um namorado, se despede de ti com um adeus e sem esperança de se voltarem a encontrar? – Maria olhava para mim, sabia que ela compreendia onde eu queria chegar. – Não tens pois não? Pois, eu também não.

 - Espera… Eu sabia que havia aí coisa, mas não sabia que ele te tinha pedido em namoro. Tu disseste para ele esperar? – Apanhada pelo truque mais velho de sempre. Maria usara meias palavras para que eu contasse tudo o que se havia passado. Era tarde demais para negar o que quer que fosse.

 - Tu não sabias…

 - Madalena, tu acabas sempre por me contar tudo. – Os seus braços desenlaçaram-se, um meio sorriso formou-se e a sua mão acariciou uma das minhas faces. – Não tenhas medo. Ele não é um rapaz, é um homem, não vai esperar por ti para sempre.

 - Eu nunca lhe pedi isso, só lhe pedi uns dias, só até ter a certeza que ele não se vai embora.

 - Um mês, Madalena, tu pediste precisamente um mês.

 - Mas…

 - Não há mas. Manter a distância que tu exigiste não adianta, os teus olhos denunciam-te quando as palavras que saem da tua boca dizem precisamente o contrário. Eu não sei o que já se poderá ter passado entre vocês, mas de uma coisa eu tenho a certeza, se ele se for embora não é por não teres aceitado que a dor passa, provavelmente será igual. E afastares-te dele agora não é solução.

 - Eu não sou assim tão forte.

 - Então vamos sair desta casa de banho enfadonha antes que o Ruben se vá embora. Quando tiverem sozinhos falem, pois até agora só tu é que o fizeste, mas por favor mantém-te racional e lembra-te de tudo o que te disse, ele não te conhece tão bem quanto eu.

 - Obrigada.

 - Por favor, Madalena, não faças nenhuma asneira, eu ainda quero conhecer o David Luíz.

 A sua careta de menina fez-me sorrir. Abriu a porta e voltámos a entrar no café propriamente dito. Joana e Ruben, ambos ainda sentados na mesa interromperam a conversa enquanto, com o olhar, seguiam as nossas passadas.

segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

17º Capítulo: A tua sorte é que és...

 A maré tinha subido significativamente e o sol em breve iria nascer. Desta vez não podia insistir contra a ideia de Ruben me querer levar a casa, os táxis estavam parados.

 - Tu vais fazer um percurso enorme para me deixares em casa.

 - Não custa nada.

 - Claro, e tu não estás cansado nem nada.



***



 A noite realmente já ia muito longa quando chegámos a minha casa, a aurora cobria-se de variados tons de amarelo e azul.

 - Chegámos. – Bocejou, em seguida.

 «Tão teimoso.»

 - Ruben, a tua casa ainda fica longe e tu estás cansado. – Iria ficar preocupada até que uma mensagem de Ruben chegasse ao meu telemóvel com a informação de que estaria bem. – Podes ficar aqui em casa esta noite. – Ofereci, sem saber se me arrependeria logo em seguida.

 - Eu vou chegar rápido a casa.

 - É isso mesmo que me preocupa. – Condutores bêbedos, velocidade a mais, má ideia, definitivamente. - Fica.

 - Queres mesmo que passe a noite, ou o dia, em tua casa?

 - É, parece que sim, mas com uma condição.

 - Qual?

 - Tens de me preparar o melhor pequeno-almoço de sempre.

 Não aceitei um não como resposta. Mostrou-me um lindo sorriso de agradecimento e conduzi-o até minha casa.

 - Espero que não te importes de dormir no sofá, acho que é grande o suficiente para ti.

 - Arranja-me só um cobertor e não te preocupes.

 Sai da sala e, da pequena arrecadação retirei um cobertor que estava entre outros, arrumados na prateleira mais alta.

 - Aqui tens. Podes usar a cozinha, a cada de banho, tudo, como se tivesses em casa. Só não tenho é nada para vestires, pelo menos não de homem, mas se quiseres uma camisola minha ou algo assim, é só pedir. – Brinquei.

 - Hum… Deixa estar. Eu cá me arranjo.

 - Então, boa noite.

 - Dorme bem. – Despediu-se de mim com um beijo na face e deixei-o instalar-se.

 Entrei na casa de banho, onde repeti o processo que já era habitual antes de me deitar. O momento seguinte poderia ter sido tirado de um filme, abri a porta da casa de banho rumo ao quarto, ao mesmo tempo em que Ruben iria abri-la também. Apenas vestia os bóxeres, fiquei sem saber como agir, da minha boca nada saía. Os meus olhos fixaram a tatuagem que lhe preenchia o ombro esquerdo, o seu tronco era mais tonificado do que imaginara.

 - Pensei que estava livre. A casa de banho. – Esclareceu apontando para o seu interior.

 - Não. Quer dizer, sim. Podes ir. Boa noite. – Estava visivelmente atrapalhada, aposto que nas minhas costas, Ruben exibira aquele sorriso lindo por eu não ter dito coisa com coisa.

 «A sério, Madalena? Parece que nunca viste um homem seminu na praia», pensei. «E que homem! Para! Para de pensar naquele… Oh meu Deus! Ruben, vais acabar por… por… Oh esquece lá isso.»

 Caí na cama, cansada, esperando que o sono se apoderasse de mim, rapidamente. Tentei contar carneirinhos, tentei cantar, mentalmente, uma música qualquer, mas os meus pensamentos destinavam-se a atravessar o pequeno corredor e ir ao encontro da pessoa que repousava no sofá branco, em L, no centro da sala de estar.

 - Importas-te de dormir? – Perguntei-me, em voz alta, dando mais uma volta na cama.

 - Não consegues?

 Sobressaltada, os meus olhos viajaram até à entrada do quarto. Ruben encontrava-se de pé, encostado à parede, os seus braços cruzados na frente do peito. Olhava para mim.

 - Desculpa, assustei-te?

 - Pensava que estavas a dormir.

 - Não tenho sono. E não sou o único…

 - Parece que não.

 Sentei-me num lado da cama, o outro foi, logo de seguida, ocupado por Ruben. Conversámos durante algum tempo, até que o sono se apoderou de nós, e adormecemos, juntos.



***



 - Bom dia. – Dissera uma voz, longe.

 Senti uma leve brisa quente junto ao meu ouvido, em seguida pequenos toques, ligeiramente mais húmidos, na minha cabeça e, em sintonia, algo me acariciava os cabelos. Aquilo sabia bem. Escondi a cara debaixo da almofada, sabia do quanto desajeitada acordava.

 - Oh então, olha para mim. – Pedia-me com a voz a soar numa gargalhada.

 - Não.

 - Anda lá. Tenho uma coisa para ti. – Sentia as suas mãos acariciarem-me os braços, as costas.

 - É o quê? – Afastei a almofada e levantei ligeiramente a cabeça, desviando os cabelos que me impediam de ter uma visão total. – Hum… Pequeno-almoço. – Sorri-lhe.

 - Ei, ei. Não tocas em nada sem antes… - Ruben aproximava-se devagar, coloquei-lhe um dedo nos lábios, impedindo-o.

 - Primeiro o pequeno-almoço, depois lavar os dentes, e só esta comida toda estiver deliciosa é que ganhas um beijinho pequenino.

 - Estás a brincar, certo? – Disse com um perfeito beicinho de menino pequenino a formar-se.

 - Não.

 Puxei o tabuleiro para mim, certamente aquela comida toda era para os dois. Torradas, croissants, sumo, leite, fruta, Ruben tinha pensado em tudo, e a minha mãe que me desculpe, mas este foi o melhor pequeno-almoço de sempre.

 - Então o meu esforço merece ser recompensado?

 - Ruben, tu não tiveste trabalho nenhum.

 - A sério? Nem um beijinho?

 - Andas mal habituado.

 - Talvez porque nunca tive uma ‘amiga’ assim como tu.

 - Assim como eu?

 - Madalena, o que é que nós temos de amigos normais? Beijamo-nos quando queremos, já dormimos juntos,… Para ser como uma namorada pouco falta.

 - Ruben, nós já falámos sobre isto… Eu não quero oficializar nada sem ter a certeza do futuro.

 - Mas não é assim que deveria ser? Tu achas que o David não percebeu já? E o Javi? Eles que já te viram. E todas as pessoas que me conhecem?

 - Ruben, por favor, respeita a minha decisão, esta discussão não nos leva a lado nenhum.

 - Eu não estou a discutir contigo. E respeito a tua decisão. Só queria um beijo, e o pequeno-almoço até estava bom. – Tornou a fazer aquele beicinho adorável.

 - Sim, as torradas nem estavam queimadas, estou surpreendida! – Olhei para Ruben seriamente. – Eu só não gosto de me enganar.

 - Eu espero, mas até lá dá-me um beijo.

 - A tua sorte é que és… - Aproximei-me lentamente, e foi Ruben a unir as nossas bocas calmamente. A sua língua acabou por invadir a minha boca e, rapidamente o beijo calmo adquiriu um pouco de urgência. Foi Ruben a cessar, demasiado cedo.

 - Eu sou o quê?

 - Ahn? – Sentia a sua respiração, quente, demasiado perto dos meus lábios. Olhei os seus, um sorriso rasgado estava esculpido.

 - A minha sorte é que sou o quê?

 - Desumano. Irresistível. – Arrependi-me, logo de seguida, de ter dito estas palavras, e da forma como as disse. A curta distância de Ruben era uma espécie de hipnose para mim. Que nome poderia dar a isto?

 A um novo beijo eu dei início. Uma certa fúria invadiu-me, fiz com que ele se deitasse e eu sobre ele. As suas mãos voltaram a viajar no meu corpo, as minhas no seu peito. Embora o ambiente entre nós estivesse a aquecer eu sabia que Ruben me respeitaria e não tentaria nada comigo, pelo menos por agora. Ou estaria a pedir demasiado?


domingo, 25 de dezembro de 2011


  Agradeço a todos os que me apoiaram para a realização desta história, provavelmente sem este apoio não teria continuado a escrever quando achei que a minha imaginação tinha entrado numas prolongadas férias e, assim, teria de parar de escrever.

 Aproveito para vos desejar um Feliz Natal. Em época natalícia espera-se paz, plenitude, até porque Natal é sinónimo de família, de união, de aproximação das pessoas.


Feliz Natal,
Jéssica

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

16º Capítulo: Tarde demais

 Voltei a olhá-lo nos olhos, conhecia vagamente a expressão, expressão que me tinha feito correr atrás de Ruben e pedir-lhe para ficar quando pensei que tinha saído da minha vida para sempre. Os seus olhos imploravam por uma resposta. Uma resposta rápida. Eu não queria dizer não, aliás não queria nem podia, mas também não queria sofrer mais do que me estava destinado, ao entregar-me ao homem que mais queria neste momento. Provavelmente Ruben não aceitaria esperar, o pouco que conhecia da sua personalidade dizia-me que corria atrás dos seus sonhos, por isso chegou onde chegou. Uma pessoa assim luta pelos sonhos, sobe cada degrau merecido com um sorriso no rosto, e acima de tudo, deixa para trás aquilo que não importa. Será que eu não importava minimamente? Teria de arriscar, teria de pedir-lhe para esperar, a decisão estava nas suas mãos.

 - Ruben, posso-te dar a resposta quando tiver a certeza que não vais embora? – Senti os seus braços afastarem-se da minha cintura, onde tinham permanecido até então. Um estranho desespero possuiu-me, coloquei as minhas mãos no seu rosto e obriguei-o a olhar para mim. – Por favor, entende. Eu tenho medo, eu não quero criar, acreditar e fazer crescer algo que depois terá de acabar com um simples adeus. Não quero. Eu tenho um pavor enorme ao sofrimento. Por favor, entende Ruben. – As palavras haviam-me saído demasiado depressa, a pressão que as minhas mãos exerciam na sua cara tinha aumentado significativamente.

 - Madalena, eu entendo, nem ia deixar isso acontecer. Quando pediste para ficar as minhas prioridades mudaram, uma delas é fazer-te feliz, eu não te ia magoar assim, não a ti! – Rodou-o meu corpo sobre si, fiquei cara a cara com Ruben. Abraçou-me. Senti-me pequenina, protegida.

 - Mas os teus sonhos, as tuas ambições…

 - Os sonhos mudam. Eu sou o que sempre quis, jogo no Benfica, já fui chamado para jogar na seleção, tenho a minha família por perto… Os meus sonhos estão aqui.

 - O que não exclui a hipótese de…

 - Madalena, olha para mim. A última palavra será sempre a minha. É óbvio que penso no futuro, o futebol são 10 ou 12 anos, também é verdade que se fosse jogar para o estrageiro ganharia, certamente, mais do que ganho no Benfica. Mas achas que era capaz de deixar a minha família, os meus amigos, a minha vida, tu, tudo isso cá? – Um sorriso cresceu-lhe e numa gargalhada disse: - Eu sou um menino.

 - Eu acredito em ti, mas…

 - Mas preferes esperar, certo?

 - Eu entendo se não o quiseres fazer, tens esse direito. – Disse tristemente.

 - Acho que agora é um pouco tarde para mudar o que quer que seja…

 - Isso quer dizer que…

 - Espero por ti até ter certezas de que não vou a lado nenhum. Vou continuar aqui até tu me mandares embora.

 Felicidade. Este sentimento era como a lua que nos iluminava naquela noite, tinha várias faces. Conhecia algumas da sua totalidade, mas neste momento a felicidade que sentia era diferente. Uma felicidade pequena, não que fosse pequena por não estar totalmente feliz, mas uma felicidade que sentia que iria crescer mais e mais, que me iria mostrar o verdadeiro significado das coisas mais simples.

 Suspirei.

 - Tu vais continuar aqui até que queiras, eu não te posso mandar embora.

 - Não podes?

 - É tarde demais.

 Tarde demais, essa era a verdade. Como era possível? Conhecia pessoalmente o Ruben há cerca de um mês e meio. Era possível a química, a compatibilidade, o que lhe quiserem chamar, crescer tanto em tão pouco tempo? Possivelmente esse crescimento ia contra todas as leis possíveis e imaginárias da física, mas nada me garantia que era impossível.

 Continuávamos sentados no chão, de frente um para o outro, as nossas pernas entrelaçavam-se para que a distância diminuísse. A, até agora, deserta doca começava a encher, principalmente de casais. Aquela sensação de inveja já não se fazia sentir, pelo menos não na sua totalidade. Tinha quase tudo o que eles tinham, e para alguns até tinha mais. Tudo o que sentia baseava-se em sentimentos verdadeiros, puros, não tinham segundas intenções, não estava com Ruben pela fama, pelo dinheiro, aliás isso assustava-me. Podia dizer que estava com Ruben, não oficialmente, mas os amigos normais não se beijam como nós, não nutrem sentimentos tão fortes como nós.

 - Madalena, de uma coisa eu tenho a certeza. – Não fiz qualquer pergunta, sabia que Ruben iria continuar o seu discurso, embora tivesse incluído esta longa pausa para unir as nossas mãos e prender fortemente o meu olhar no seu. – Adoro-te.

 Senti-me corar. Não ouvia esta expressão de grande significado há demasiado tempo, soube demasiado bem. O meu coração acelerou exponencialmente, tudo o que definira como certo e errado deixara de fazer sentido, esta era a mais fraca força, embora devastadora em mim, dos mais simples sentimentos.

 - Eu também te adoro. – Disse no sussurro envergonhado, entregando-me aos seus braços que me esperavam.



***



 Esta não era a noite que tinha planeado, de todo, mas não me podia queixar. Avistei, ao longe, Sofia. Fazia-se acompanhar por um homem que julgo ter visto no grupo que se juntou a elas na discoteca, era alto, loiro, musculado, embora me parecesse que cérebro e sentido de responsabilidade não existissem. Um rasto de preocupação percorreu-me, elas sabiam o que estavam a fazer, mas será que eles também sabiam?

 - Vem comigo. – Pediu Ruben. A doca estava com demasiadas pessoas, estava na altura de sairmos dali.

 Passámos por entre a multidão com dificuldade, ligeiramente afastados, até chegar ao carro de Ruben que se encontrava um pouco longe. Por sorte não tinha sido o meu carro a transportar-nos até ali ao início da noite.

 Sentados nos respetivos lugares do carro de Ruben, este pensava em alguma coisa.

 - Onde vamos?

 - Vamos sair daqui.

 - Pois, isso já tinha percebido, mas onde?

 - Não sei… - Sorriu-me. Era algo que tinha aprendido a apreciar em Ruben, comigo não se preocupava em ser outra pessoa, nem comigo nem com ninguém, era sempre ele mesmo, embora me fizesse sentir especial.

 - Isso parece-me… Romântico. – Gracejei. – Hum… Por ali. – Ordenei apontando com o dedo indicador para a saída do estacionamento.

 Assentiu. Ao percorrer as estradas da capital, dava-lhe instruções sobre o caminho que teria de seguir. Ainda era cedo para regressar a casa, como tal o trânsito estava calmo e o tempo de viagem foi reduzido.

 - Podes estacionar aí. – Indiquei.

 - Boa escolha.

 A praia estendia-se mesmo à nossa frente. Deixei os sapatos no carro e, descalça, caminhei até ao longo troço de areia branca, mesmo fria, adorava senti-la nos pés.

 - O que é que estás a fazer? A água deve estar gelada. – Ruben encontrava-se no passeio atrás de mim.

 - Quem é que te disse que eu ia entrar na água? – Puxei-o agarrando-lhe a mão.

 Enquanto caminhávamos, devagar, o seu braço agora na minha cintura, impediu-me de avançar. As minhas costas tocaram no seu peito. Vacilei automaticamente. Ruben estava colado a mim, demasiado, certamente teria sentido os pequenos espasmos que percorriam o meu corpo. Quando pensei que não podia estar mais colada a Ruben, puxou-me um pouco mais para si. A sua mão livre, afastava delicadamente o casaco que tinha vestido da pele dos meus ombros. Os seus lábios beijavam docemente, deixando um leve caminho de saliva da língua que os acompanhava, o caminho percorrido pelos seus dedos, o ombro, o pescoço terminando a viagem com uma pequena dentada no lóbulo da orelha. As minhas barreiras de segurança que asseguravam o funcionamento da minha sanidade mental estavam a cair, era tempo de explodir, de dar asas ao desejo. Bruscamente, rodei sobre mim mesma, e uni os nossos lábios num beijo louco, ao qual Ruben correspondeu.

 A intensidade aumentava, agarrava levemente os cabelos acima da nuca de Ruben, as suas mãos viajavam, sem rumo, pelo meu corpo. O frio da noite era substituído por um calor corporal que aumentava. E as mãos de Ruben não paravam. Senti os seus dedos pressionarem o fecho do meu vestido, larguei-lhe o pescoço, tentei afastar-me um pouco dele, mas os seus braços fortes não me permitiram.

 - Ruben, para, não vamos…

 - Tu não…?

 - Não. – Podia parecer esquisito, mas eu ainda não o tinha feito com ninguém e era óbvio que não seria hoje e muito menos fora de uma relação estável. – Desculpa.

 - Estás a pedir desculpa? Não, quem tem de te pedir desculpa sou eu. Eu não estava a pensar. Eu não queria…

 - Não tem problema, vamos apenas… Ficar.

 Senti novamente o seu corpo contra o meu. Os beijos agora um pouco mais calmos, as suas mãos acariciavam-me apenas as faces, as minhas pousaram no seu peito, bem junto do coração que batia descompassado.


quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

15º Capítulo: Janeiro

*31 de Dezembro*
 O último dia do ano nasceu, o Inverno fazia-se sentir. O vento soprava agitando as árvores de folhas perenes situadas no bonito jardim que era visível da janela do meu quarto, as nuvens brancas, percorriam aquela imensidão azul, com pressa, mas, apesar de tudo, o dia adivinhava-se calmo. A tarde foi passada nos braços de Ruben, sentia-me bem assim, quase completamente reconfortante, quase feliz. Quase. Quase esse que me calava a boca quando queria dizer que ele era meu, que me fazia sufocar de preocupação ao pensar que quando ele me virasse as costas para mais uma noite de sono repensasse em tudo, o todo que ainda era pouco, e desistisse, não que esta fosse a palavra mais adequada quando se fala de Ruben, mas que me “dispensasse”, este seria um termo correto uma vez que não haveria nada para acabar uma vez que nada tinha começado. Este seria o último dia de 2011 que passaríamos juntos, amanhã um novo ano nascia.

 As ruas estavam apinhadas de gente, as compras de última hora faziam com que o comércio permanecesse aberto, os jovens ansiosos pela esperada noite não aguentava, muitos deles, dentro de casa, pois na rua, o tempo voava com o vento, rápido, não importava. Todos se preparavam, de alguma forma, para a noite que se aproximava e nós, sentados num banco frio de pedra apreciávamos o rio, calmo, os peixes, diversos, que saltavam acrobaticamente expondo-se às diferentes temperaturas entre os ambientes. Não podíamos agir como se tivéssemos sozinhos, estávamos em plena baixa lisboeta, o que não nos impediu de apreciar a última tarde, como amigos aos olhos dos outros, embora que nem eu soubesse o que era agir normalmente com Ruben por perto. Certamente não existiria palavras para nos descrever, talvez amigos especiais, ou amigos coloridos, fossem as mais semelhantes, não as corretas. Era a sensação de um querer mais escondido por detrás de um não poder/querer dar mais que por sua vez se escondia num beijo suave, tímido.

 O sol começou a esconder-se, estava na hora. Estava na hora de regressar cada um à sua casa, de começar a contar os minutos que por vezes davam lugar às horas, e outras aos segundos. Em breve os planos seriam postos em prática, despedir-me-ia de Ruben e esperava que o amanhã acordasse onde o hoje acabara.



***



 O tempo corria apressadamente, como tal, não me foi permitido prolongar o delicioso banho de imersão, onde a água quente me massajava as superfícies regeladas pelo frio do Inverno. Com música ambiente, fiz largos caracóis no cabelo, apanhando-os superficialmente de modo a caírem ao longo das costas, apenas a franja permanecia lisa maioritariamente no lado direito do rosto. Espalhava a base escondendo as pequenas imperfeições características da idade, apliquei uma ligeira maquilhagem nos olhos, simples, um prolongado risco de eyeliner e com o rímel alonguei as pestanas, dando-lhes um aspeto falso e, nos lábios um pouco de gloss ligeiramente mais escuro do que a cor natural. Espalhei algumas gotas do meu perfume preferido, e dirigi-me ao quarto onde, em cima da cama, me esperava o vestido que iria levar em conjunto com uma pequena mala e os sapatos oferecidos pelo Ruben pelo Natal.



 Em meses tinha mudado completamente, o meu estilo, a minha forma de falar, a minha aparência. Há meses que decidira que estava na altura de deixar a atitude campestre e crescer. Deixara as grandes camisolas, os ténis de sempre, o cabelo sempre apanhado, o enorme casaco, que abotoava até ao pescoço. Aprendi a vestir-me e a mostrar o que havia de melhor em mim. Hoje, adorava sentir-me bem vestida, adorava a sensação de ser mulher, e mais do que isso, uma mulher apresentável, que era alvo de olhares por parte do sexo oposto, não que me gostasse de exibir, mas de certo modo eram elogios sem palavras. E para que neste dia a sensação fosse mesmo essa, pendurei pequenos brincos de prata, assemelhados a diamantes e, coloquei uma fina gargantilha também ela de prata. Estava pronta.

 Esperei, em frente à televisão, pela chegada de Maria, Joana e Sofia. Não demoraram muito. Foi decidido que apenas levaríamos um carro, provavelmente, no final da noite, nenhuma de nós estaria em condições para conduzir.

 A adolescência não tinha passado assim há tantos anos, todas nós tínhamos 21, como tal estas jovens adultas ainda tinham brincadeiras muito parvas, mas sinceramente, muito divertidas. Os vidros do carro estavam baixos, o frio da noite fazia-se sentir, mas isso não nos impedia de aumentar o volume do rádio e de cantar qualquer música que passava àquela hora. Eram estas pequenas parvoíces que faziam a noite valer a pena.

 - As minhas boas estão prontas para a grande noite? – Perguntou Sofia, a gritar bem alto para a noite.

 - Prontíssimas! – Afirmámos.

 Na verdade, as expetativas, para esta noite, eram altas.



***



 O restaurante onde iriamos jantar estava a abarrotar, no entanto a nossa mesa estava reservada. Uma mesa para quatro pessoas, num ambiente iluminado pela fraca luz vinda do interior do restaurante, através da grande parede de vidros enormes que separava o interior da esplanada onde ficaríamos, e ainda, pela luz proveniente da Lua, com uma vista deslumbrante sobre o Tejo e o Oceanário, situado entre dois locais de referência ali, no Parque das Nações, o Pavilhão Atlântico e o Pavilhão de Portugal.

 Hoje tínhamos direito a tudo, luxos que nos privávamos durante um ano inteiro, a universidade não era, de todo, barata, e mais cara ficava a uma pessoa, como eu, estava a cerca de 150 km de casa. O anfitrião, um jovem provavelmente com os seus 25 anos, recebeu-nos educadamente, ao qual Joana, mordendo o seu lábio inferior, agitou as mãos perto da cara, como se estivesse com calor, sem que ele percebesse. Realmente era bonito. Sentadas, o menu ia sendo servido. Desde as entradas, os pratos principais, as sobremesas e os cocktails, estava tudo ótimo. O jantar foi longo, porém, as nossas conversas permitiram que o tempo passasse a correr. Estava na hora de nos entregarmos à vida noturna.

 Percorremos grande parte dos bares e discotecas que estavam abertos no recinto que tínhamos escolhido. Independentemente da temática que apresentavam, a noite africana, festa punk, rock n’ roll, do cadeado, entre outras, havia festas para todos os gostos e todas elas estavam lotadas.

 Ruben tinha razão: “Quatro mulheres sozinhas… Essa noite promete”. De facto, não se enganou. Homens solteiros, ou pelo menos aparentavam visto que estavam em grupo, sem mulheres que mostrassem serem suas namoradas, com uma média de 23 anos, desejavam visivelmente juntar-se a nós. Alguns eram nossos conhecidos da universidade, outros nunca os tínhamos visto. Nenhuma das meninas, aliás, ninguém sabia da minha, agora mais do que uma amizade (dita normal), com o Ruben, e era preferível assim. Por este motivo, delimitei um perímetro de segurança, podíamos dançar, podíamos conversar, rir, mas ao contrário de Maria, Joana e Sofia, o contacto físico mais intimo, as famosas curtes, eu não o permitia.

 - Madalena, o Ruben não está aqui para ver. – Gracejou Maria, ao meu ouvido, num sussurro.

 - E mesmo que estivesse… O que foi? – Se queria que continuassem na ignorância tinha de lhes transmitir a ideia que eramos apenas conhecidos.

 - Nada, nada. Mas estão aqui os melhores gatos da faculdade, teremos outra oportunidade?

 - Vocês são três. Tenho a certeza que são suficientes para acabar com eles. – Gracejei.

 - Espero que sim. Não queres, mais fica. – Deitou a língua de fora. – Oh Madalena, a sério? Aqueles músculos, meu Deus!

 - Não, obrigada na mesma.

 - O que são para ti aqueles músculos, não é? Se quisesses podias ter bem melhor, os músculos de um tal futebolista… Espera, como é que ele se chama? – Fingiu pensar por um bocado. – Acho que já sei. É um tal de Ruben… Ruben Amorim, acho.

 Lancei-lhe um olhar de soslaio e continuei a dançar. Atitude que provocou um certo gozo em Maria.



***



 Faltava uma hora para o início do novo ano, no meio da pista de dança não havia pares, no entanto as minhas três companheiras mantinham-se bem perto do grupo de rapazes, não que eu estivesse afastada delas, perto delas mas seguramente afastada das mãos deles. Senti o meu telemóvel vibrar, o que me pareceu impossível no meio daquela agitação, afastei-me do centro da pista e li a mensagem que tinha recebido à segundos.

Dentro de meia hora estou ao meu lado.

Estás onde? Não ias passar na casa do Luisão?

E fui. Mas quero entrar em 2012 contigo. Só contigo.
Espero-te na Doca dos Olivais junto do Pavilhão de Portugal.
Sabes onde é?

Sei. Meia hora.


 O local noturno onde me encontrava estava relativamente perto do local escolhido por Ruben. Tive tempo de me entregar novamente à pista de dança lotada. Teria de pensar numa boa desculpa para abandonar o local sem que se apercebessem da minha extrema felicidade, e claro, para não ficarem chateadas por não estar presente conforme planeado.

 A hora aproximava-se. Peguei nas três meninas pelas mãos e afastei-as da pista pedindo, gestualmente, um minuto aos rapazes que as acompanhavam.

 - A que se deve esta interrupção? – Perguntou Joana preocupada, pois poderiam eles virar-lhes as costas e ir embora sem esperarem por elas.

 - Eu tenho de ir a um sítio.

 - Vais onde Madalena? Falta meia hora para a meia-noite. – Ripostou Sofia.

 - Meninas perguntem antes, vai ter com quem. – Maria olhava-me nos olhos, sabia o que estava a pensar, para além disso, conhecia-me melhor do que ninguém, e com ela não conseguia guardar segredos.

 - Com o Ruben? – Perguntaram as restantes, desconfiadas.

 Baixei o olhar.

 - O que é que tens para nos contar? – Insistia Maria.

 - Tenho a dizer-vos que os vossos rapazes não param de olhar. Vão lá ter com eles antes que se vão embora.

 - Tu não te escapas. – Disse Sofia, apontando-me o dedo.

 Desejei-lhe um bom ano e despedi-me.

 Foi difícil chegar à rua. A diferença de temperatura causou-me um arrepio que me percorreu a coluna fazendo-me vacilar. Ruben já devia estar à minha espera, acelerei o passo e fui ao seu encontro.



***



 A lua iluminava-o. Era impossível não conhecer aquela figura onde quer que fosse. De camisa branca, calças escuras e ténis também eles brancos, esperava por mim, de costas voltadas para a cidade apreciando o reflexo da lua nas águas do rio Tejo que um pouco mais à frente se juntariam ao oceano. As suas mãos permaneciam nos bolsos até ao momento em que retirou aquela que suportava o seu relógio de pulso, provavelmente terá visto as horas, mas não a voltou a colocar no bolso.

 Ao seu lado, entrelacei os meus dedos nos seus. Voltou-se para mim, e num abraço beijámo-nos. Cada beijo era sempre diferente dos anteriores, descobríamos novos caminhos de cada um, as nossas línguas começavam a entrelaçar-se num bailado calmo. O desejo, esse aumentava com o passar do tempo, os constrangimentos ficavam para trás, o toque era sempre sentido como se fosse o primeiro. Alguma vez conseguiria sentir a sua pele na minha, a sua respiração sem que o meu coração não batesse tão forte ao ponto de quase sair do peito? Ao ponto de todo o meu corpo estremecer?

 - Estás linda. – Elogiou-me Ruben, num sussurro.

 - Estás tão mentiroso.

 - Não estou não. És a mulher mais bonita que conheci, mas hoje... Estás particularmente… - As palavras faltaram-lhe, e as minhas faces adquiriam um suave tom de vermelho.

 - Pronto, está bem, agora tenho a certeza que estás mesmo a mentir. Tu é que… - Deixei a frase suspensa. Observei-o e mordi o lábio inferior.

 Ruben colocou aquele sorriso magnífico tão característico dele. Mesmo ali, sentámo-nos no chão. Sentei-me entre as pernas de Ruben, enquanto este, me rodeava a cintura com os seus braços, a minha cabeça aterrou no seu peito, assim podia ouvir os seus batimentos, aquele som que me fazia sentir viva. Ficámos assim durante largos minutos, em breve uma maior agitação se faria sentir.

 - Madalena. – Chamou-me, como tal, separei-me um pouco do seu corpo para poder olhá-lo.

 - Sim?

 O seu olhar fixava o horizonte. Ruben estava pensativo.

 - Eu tenho pensado um pouco nisto e… - Ruben deixou a sua frase a meio quando o fogo-de-artifício cobriu o céu escuro.

 - Janeiro. – Sussurrei. Sabia que Ruben não tinha ouvido.

 Olhei para o céu, embora aquele espetáculo tivesse durado pouco tempo, eu ficara maravilhada. Ruben pousara o seu olhar em mim.

 - Estavas a dizer…

 - Queria-te perguntar… Tu queres ser… Bem, tu sabes… Minha namorada? – As palavras saiam-lhe atabalhoadamente, a medo. Olhei-o sem expressão aparente.

 Na verdade, não esperava que Ruben quisesse oficializar tão cedo. Não que o que sentia por ele não fosse o suficiente para começar uma relação, mas à bastante tempo que não era comprometida, o facto de ele ser uma noticia nos meios de comunicação ainda me deixava mais assustada.

 «Janeiro».

 Janeiro tinha entrado, neste mês dar-se-ia a decisão de Ruben, ficar ou não ficar no Benfica?

 Não podia permitir que uma relação fosse construída para que, em momentos, findasse. Tinha a noção que já me tinha entregado demasiado a Ruben, mais do que previra e, provavelmente sentiria as consequências em breve.