sábado, 10 de dezembro de 2011

8º Capítulo: "Prometes que nunca te esqueces?"

 Era domingo e estava a chover, a vontade de estar fechada em casa era pouca, e a de estudar então era diminuta. O que precisava mesmo era de voltar ao Alentejo. Apreciar as planícies douradas sem que os altos prédios me impedissem de as contemplar, sentir o sossego que só se conhecia naquelas pequenas aldeias. Acima de tudo tinha saudades de casa, especialmente da minha mãe. Apenas duas semanas tinham passado desde a minha última visita, e nesse curto espaço de tempo muita coisa tinha mudado. A minha vontade era ir já hoje, mas não podia, a época de frequências aproximava-se e só na semana antes do Natal teria essa oportunidade.

 O som do meu telemóvel fez-se ouvir.


(Ruben) Tu fazes as pipocas e eu levo o filme, pode ser?



Ruben, não insistas.


(Ruben) Eu não estou a insistir em nada. Tu disseste “amigos” lembraste?



Eu sei o que disse.


(Ruben) Então qual é o problema? Como amigos.


 Como poderia recusar quando metia as coisas nestes termos? Dois amigos, recém-amigos, a ver um filme e a comer pipocas, não havia mal, certo?

 Comédia. O Ruben, em certas situações, começava a ser previsível, aliás, em muito poucas situações. Escolhera um filme de comédia, nada melhor para aliviar a tensão que se formara entre nós. Tensão essa que me fazia arrepender das decisões que tinha tomado, que me fazia desejar voltar atrás, porque o tempo passa e não volta, porque a vida é demasiado curta.

 Desde que Ruben tinha entrado em minha casa até ao momento em que o leitor de DVD engoliu o filme, senti-o um pouco ausente. Estávamos, ambos, a fazer um enorme esforço para não relembrar a noite anterior.

 - Vou buscar as pipocas. – Disse ao sair da sala e dirigindo-me para a cozinha. – Espero que gostes de pipocas de microondas…

 Sentámo-nos no sofá, afastados pela curta distância ocupada pelo recipiente que continha as pipocas. ‘Play’ – o fundo preto que a televisão apresentava até agora desaparecera para dar lugar às imagens de apresentação do filme.

 “Love, Wedding, Marriage”, cuja tradução para português era “Amor, Felicidade ou Casamento”.

 O filme decorria, ia a cerca de metade e já não havia pipocas. Ruben colocou o recipiente vazio no chão, agora não havia nenhum obstáculo a separar-nos, apenas o vazio. Ruben não se aproximou. Encostei-me um pouco mais ao sofá, queria poder colar o meu corpo ao dele, mas não o fiz, embora o meu corpo implorasse. Tentei manter os meus olhos colados ao ecrã, mas na esperança que Ruben não reparasse, por vezes fugiam na sua direção. Analisavam a sua boca, os seus olhos, as suas feições, e acima de tudo o seu sorriso, o sorriso que só por si me fazia sorrir também.

 Num dos momentos em que contemplava Ruben, e que esperava que ele não reparasse, olhou-me. O seu olhar não deixou o meu fugir, a forma como o seu corpo estava posicionado era como um convite para acolher o meu. Não pedi permissão e rapidamente reduzi a distância a nada. Aninhei-me mas não demasiado, pousei a minha cabeça no seu peito e deixei que ele pousasse o seu braço forte nos meus ombros. Levantei um pouco a cabeça e olhei-o novamente, o sorriso não se tinha desvanecido, tinha apenas mudado de causa, já não era o filme que o fazia sorrir mas sim a minha atitude. Ruben não iria tentar mais nada comigo. Percebi que por muita que fosse a sua vontade, eu teria de tomar a iniciativa. Era justo, embora que para este tipo de situações eu fosse uma cobarde.

 O mais pequeno movimento da minha mão, até então pousada nos seus abdominais, aceleravam os batimentos cardíacos do seu coração. Gostava daquela sensação. O filme já não me despertava qualquer interesse. O seu perfume, a sua pele era uma fonte de calor mesmo por debaixo da grossa roupa de inverno. Senti os seus lábios nos meus cabelos e um arrepio percorreu o meu corpo. Olhei-o novamente. Os meus lábios gritavam, mudos, implorando um beijo. Aproximei lentamente o meu rosto ao de Ruben, ficámos a escassos centímetros de se tocarem. Senti a sua respiração, não hesitei mais e fui eu a unir as duas bocas. Os lábios dele rapidamente corresponderam aos meus, num beijo calmo, sem urgência, dominado pelo desejo e sentimento até então despercebido.

 - Ruben… - Chamei num sussurro ofegante quando senti os seus lábios afastarem-se dos meus.

 - Desculpa, não devia… - Afastou-se um pouco mais.

 - Não peças. Não agora. – Olhei-o nos olhos, coloquei a mão na sua nuca e puxei-o para mim, beijando-o novamente.

 Beijava-o agora sem receios. Conhecia-o há pouco tempo, nada disto poderia ser certo, mas era o que o meu coração queria. Desejava que ele me pertencesse, demasiado cedo.

 - Desculpa. – Pedi, finalizando o beijo, envergonhada.

 - Não peças, pequenina. – Disse, exibindo o mais perfeito dos sorrisos.

 Os créditos do filme estavam a passar e a hora de jantar aproximava-se, era tempo de Ruben regressar a casa. Acompanhei-o até à porta. Prestes a alcançar a porta, algo me prendeu travando-me os movimentos. Ruben agarrou-me pela cintura e puxou-me para si, colando as minhas costas ao seu tronco.

 - Prometes que nunca te esqueces? – Sussurrou-me ao ouvido.

 - Não me esqueço de quê?

 - De seguir o teu coração.

 O mesmo braço que me agarrou agora fazia-me rodar de modo a ficar de frente para Ruben.

 - Prometo. – Olhei-o nos olhos, porque as maiores verdades não são ditas com palavras, são ditas no silêncio de um olhar.

 Um sorriso cresceu em Ruben embora que o tivesse escondido nos meus cabelos, permitiu-me por segundos observá-lo. O braço que até então se mantinha na minha cintura, exerceu um pouco mais de força, puxando-me um pouco mais para si. Ruben uniu os lábios num beijo suave, leve, que pouco tempo depois finalizou. Não me mexi. Ruben largou-me e saiu.

«Mas onde é que eu meti a cabeça?», pensei ao ouvir a porta fechar.

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