Era domingo e
estava a chover, a vontade de estar fechada em casa era pouca, e a de estudar
então era diminuta. O que precisava mesmo era de voltar ao Alentejo. Apreciar
as planícies douradas sem que os altos prédios me impedissem de as contemplar,
sentir o sossego que só se conhecia naquelas pequenas aldeias. Acima de tudo
tinha saudades de casa, especialmente da minha mãe. Apenas duas semanas tinham
passado desde a minha última visita, e nesse curto espaço de tempo muita coisa
tinha mudado. A minha vontade era ir já hoje, mas não podia, a época de
frequências aproximava-se e só na semana antes do Natal teria essa
oportunidade.
O som do meu
telemóvel fez-se ouvir.
(Ruben) Tu fazes as pipocas e eu levo o filme, pode ser?
Ruben, não insistas.
(Ruben) Eu não estou a insistir em nada. Tu disseste “amigos” lembraste?
Eu sei o que disse.
(Ruben) Então qual é o problema? Como amigos.
Como poderia
recusar quando metia as coisas nestes termos? Dois amigos, recém-amigos, a ver
um filme e a comer pipocas, não havia mal, certo?
Comédia. O
Ruben, em certas situações, começava a ser previsível, aliás, em muito poucas
situações. Escolhera um filme de comédia, nada melhor para aliviar a tensão que
se formara entre nós. Tensão essa que me fazia arrepender das decisões que
tinha tomado, que me fazia desejar voltar atrás, porque o tempo passa e não
volta, porque a vida é demasiado curta.
Desde que Ruben
tinha entrado em minha casa até ao momento em que o leitor de DVD engoliu o
filme, senti-o um pouco ausente. Estávamos, ambos, a fazer um enorme esforço
para não relembrar a noite anterior.
- Vou buscar as
pipocas. – Disse ao sair da sala e dirigindo-me para a cozinha. – Espero que
gostes de pipocas de microondas…
Sentámo-nos no
sofá, afastados pela curta distância ocupada pelo recipiente que continha as
pipocas. ‘Play’ – o fundo preto que a televisão apresentava até agora
desaparecera para dar lugar às imagens de apresentação do filme.
“Love, Wedding,
Marriage”, cuja tradução para português era “Amor, Felicidade ou Casamento”.
O filme
decorria, ia a cerca de metade e já não havia pipocas. Ruben colocou o
recipiente vazio no chão, agora não havia nenhum obstáculo a separar-nos,
apenas o vazio. Ruben não se aproximou. Encostei-me um pouco mais ao sofá,
queria poder colar o meu corpo ao dele, mas não o fiz, embora o meu corpo
implorasse. Tentei manter os meus olhos colados ao ecrã, mas na esperança que
Ruben não reparasse, por vezes fugiam na sua direção. Analisavam a sua boca, os
seus olhos, as suas feições, e acima de tudo o seu sorriso, o sorriso que só
por si me fazia sorrir também.
Num dos
momentos em que contemplava Ruben, e que esperava que ele não reparasse,
olhou-me. O seu olhar não deixou o meu fugir, a forma como o seu corpo estava
posicionado era como um convite para acolher o meu. Não pedi permissão e
rapidamente reduzi a distância a nada. Aninhei-me mas não demasiado, pousei a minha
cabeça no seu peito e deixei que ele pousasse o seu braço forte nos meus ombros.
Levantei um pouco a cabeça e olhei-o novamente, o sorriso não se tinha
desvanecido, tinha apenas mudado de causa, já não era o filme que o fazia
sorrir mas sim a minha atitude. Ruben não iria tentar mais nada comigo. Percebi
que por muita que fosse a sua vontade, eu teria de tomar a iniciativa. Era
justo, embora que para este tipo de situações eu fosse uma cobarde.
O mais pequeno
movimento da minha mão, até então pousada nos seus abdominais, aceleravam os
batimentos cardíacos do seu coração. Gostava daquela sensação. O filme já não
me despertava qualquer interesse. O seu perfume, a sua pele era uma fonte de
calor mesmo por debaixo da grossa roupa de inverno. Senti os seus lábios nos
meus cabelos e um arrepio percorreu o meu corpo. Olhei-o novamente. Os meus
lábios gritavam, mudos, implorando um beijo. Aproximei lentamente o meu rosto
ao de Ruben, ficámos a escassos centímetros de se tocarem. Senti a sua
respiração, não hesitei mais e fui eu a unir as duas bocas. Os lábios dele
rapidamente corresponderam aos meus, num beijo calmo, sem urgência, dominado
pelo desejo e sentimento até então despercebido.
- Ruben… -
Chamei num sussurro ofegante quando senti os seus lábios afastarem-se dos meus.
- Desculpa, não
devia… - Afastou-se um pouco mais.
- Não peças.
Não agora. – Olhei-o nos olhos, coloquei a mão na sua nuca e puxei-o para mim,
beijando-o novamente.
Beijava-o agora
sem receios. Conhecia-o há pouco tempo, nada disto poderia ser certo, mas era o
que o meu coração queria. Desejava que ele me pertencesse, demasiado cedo.
- Desculpa. –
Pedi, finalizando o beijo, envergonhada.
- Não peças,
pequenina. – Disse, exibindo o mais perfeito dos sorrisos.
Os créditos do
filme estavam a passar e a hora de jantar aproximava-se, era tempo de Ruben
regressar a casa. Acompanhei-o até à porta. Prestes a alcançar a porta, algo me
prendeu travando-me os movimentos. Ruben agarrou-me pela cintura e puxou-me
para si, colando as minhas costas ao seu tronco.
- Prometes que
nunca te esqueces? – Sussurrou-me ao ouvido.
- Não me
esqueço de quê?
- De seguir o
teu coração.
O mesmo braço
que me agarrou agora fazia-me rodar de modo a ficar de frente para Ruben.
- Prometo. –
Olhei-o nos olhos, porque as maiores verdades não são ditas com palavras, são
ditas no silêncio de um olhar.
Um sorriso
cresceu em Ruben embora que o tivesse escondido nos meus cabelos, permitiu-me
por segundos observá-lo. O braço que até então se mantinha na minha cintura,
exerceu um pouco mais de força, puxando-me um pouco mais para si. Ruben uniu os
lábios num beijo suave, leve, que pouco tempo depois finalizou. Não me mexi.
Ruben largou-me e saiu.
«Mas onde é que
eu meti a cabeça?», pensei ao ouvir a porta fechar.
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