quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

12º Capítulo: Natal (Parte I)

 Mo-no-cór-di-co. Era a única forma de descrever o tempo, enfadonho. Enfadonha tinha sido a minha vida nos últimos dias. Uma nova rotina se criara, o meu irmão acordava-me aos berros, todos os dias, sempre demasiado cedo, as tardes eram passadas a ver televisão, ou na Internet, que cada vez perdia mais interesse, e o desenho. Por vezes sentava-me no muro mais alto de uma igreja, ou num banco do jardim a desenhar tudo o que os meus olhos conseguiam detetar. As noites, essas eram de longe melhores que os dias, na companhia de amigos, gozo, piadas secas, histórias vergonhosas, as nossas gargalhadas era o único ruido que se ouvia na noite.




*Dia 24 de Dezembro*

 O dia estava agitado, ainda agora tinha saltado da cama e já o Artur andava a procurar os presentes que por magia tinham desaparecido debaixo da árvore (nem imaginava que estavam no meu carro, local onde ele não iria mexer antes da meia noite).

 À noite, a casa iria estar cheia. Avós, pais, tios, primos e, cada ano que passava a família crescia mais e mais. Adorava estes dias! Juntávamo-nos todos para a ceia, trocávamos presentes e, o momento alto da noite era, sem dúvida, o aparecimento do Pai Natal.

 Ajudava a minha mãe e avós (materna e paterna) na cozinha, ou melhor, enquanto se dedicavam a fazer os melhores doces que conheciam, eu quando não estava a lavar os recipientes sujos ou a partir ovos, estava agarrada às latas de leite condensado ou aos recipientes onde eram misturados os ingredientes para os bolos. Aquelas três senhoras riam-se, eu parecia uma criança, e era assim que me sentia feliz.

 Lá fora, os homens (o meu pai, os meus avós e, claro, o Artur) dedicavam-se ao almoço. Era expressamente proibido, e impossível, confeccionar-se algo, que não levasse farinha, naquela cozinha. Pela expressão da Naomi, quando conseguia fugir do Artur, o cheiro a grelhados já se fazia sentir.

 Pela milésima vez, fui expulsa da cozinha, embora acabassem sempre por me chamar quando precisavam de ajuda. A tarefa era arrumar a mesa da sala de jantar para que o almoço fosse servido. Assim o fiz.

 - Vá lá pessoal, nada de sujar muito os pratos, quem lava a loiça sou eu. – Reclamei, o que provocou risota geral.

 - Madalena, minha netinha, vai-te preparando porque quem gosta da casa cheia é assim. E eu não quero só um bisneto.

 - Oh avó, quem é que lhe disse que eu quero ter filhos assim tão cedo?

 - Já não, minha querida, já não.

 Os meus tios e primos começaram a chegar. As mulheres juntaram-se na cozinha, os homens discutiam futebol em frente à televisão da sala de estar. «Maldita a hora em que inventaram o Benfica TV». As crianças mais pequenas brincavam pelos corredores da casa, no pátio, sempre em grandes correrias com a Naomi. Eu e os restantes distribuímo-nos. E, felizmente, fui substituída na cozinha.

 Felizmente, também, não era a mais velha da minha geração. Rita, acabara o seu curso há cerca de cinco meses, agora era uma cabeleireira e esteticista profissional, o que na verdade hoje fazia-me imenso jeito. Depois de uma manha inteira enfiada na cozinha, os estragos começavam a ser visíveis. Não que me importasse demasiado com esses pormenores mas nenhuma mulher gosta de aparecer com as mãos ásperas e cheias de gretas. Depois de um banho relaxante, vesti novamente uma roupa prática. Rita dedicou tarde a tratar de mim, unhas, depilação, penteado, estava tudo nas mãos dela. Os homens olhavam-nos quando eu soltava um grito de dor ao puxar o pêlo errado do sobrolho, ou ao esticar o cabelo. Ouviam-nos falar de coisas das quais não entendiam, cores de verniz, unhas quadradas ou redondas. Não importava.

 - Oh, Rita tem cuidado. – Aconselhava-a enquanto me tratava as cutículas.

 - Chiu cala-te. Deixa ouvir.

 - Quem me manda a mim nascer numa família de lampiões?

 - Ouve lá, oh, é melhor deixares ouvir. Daqui a nada vão mostrar o jantar de Natal.

 - Só com a equipa de futebol? – Perguntei com curiosidade, o Ruben não me tinha falado em nada.

 - Sim.

 - Quando foi?

 - Não sei bem, acho que foi durante esta semana.

 - Ah, está bem. – Mostrei-me desinteressada.

 Ruben apareceu no televisor com uma mensagem de Natal. Um sorriso cresceu. Levantei-me de repente do sofá, derramando um pouco de verniz vermelho pelos dedos, e levantei-o som da televisão.

 - Madalena o que é que te deu? Olha o que fizeste! – Repreendeu-me Rita.

 - Chiu!

 - Oh lagarta, isso não é o Sporting!

 - Eu sei que não é. Já não posso estudar o adversário?

 - Pois sim, tá bem.

 Voltei para o lugar de onde tinha saltado há instantes. Todos olharam, especialmente o meu pai que aproveitou para lançar um comentário.

 - A minha filha está a acordar, finalmente!

 - Pai, não comece!

 - Já parei. – Disse, levantando as mãos como se de uma rendição se tratasse.

 Voltámos ao trabalho, agora a minha atenção estava maioritariamente na televisão. Todos os restantes membros da equipa falaram, incluindo Jorge Jesus. Rita reclamava por ter arruinado o seu trabalho. Senti uma estranha necessidade de ouvir a sua voz.

 - Ritinha, preciso de fazer uma chamada. Importas-te?

 - Aí, vai lá. Despacha-te! E não vás para a rua para não estragares o penteado!

 - Sim, mãezinha.

 Subi até ao meu quarto. Já estava a chamar.

 - Sim?

 - Olá. Posso falar com o Sr. Ruben Filipe?

 - Hum, ele de momento não se encontra presente. Quer deixar recado? – Brincou.

 - Claro, diga-lhe que o acabei de ver na televisão e gostava de ouvir a voz dele em tempo real. – Ouvi a sua gargalhada. – Então, acho que é tudo. Tenha um Bom Natal.

 - Igualmente. Com a sua licença.

 Fez-se silêncio.

 - Madalena?

 - Ruben?

 - Tenho um presente para ti.

 - O quê?

 - Comprei-te um presente.

 - Mas eu não quero nada. Nem devias gastar dinheiro comigo.

 - Só tens de aceitar.

 - Mas… Eu não te comprei nada.

 - Não faz mal, só preciso que aceites o meu.

 - Posso saber o que é?

 - Qual deles?

 - Afinal são quantos presentes?

 - Pensando bem, são dois.

 Do outro lado ouve-se uma voz chamar por Ruben.

 - É melhor desligar. A dona Bela já me está a chamar. Ser o único homem forte aqui em casa é o que dá. – Disse divertido.

 - Sim, muito forte. – Sorri. – Vai lá, beijinho.

 - Beijo.

 Desligou.

 Desci as escadas a correr. Quando cheguei ao pé de Rita já esta estava a arranjar as unhas à minha mãe.

 - Mãezinha, deixe lá ela acabar as unhas da sua filha. – Pedi.

 - Onde é que te meteste? – Perguntou a minha mãe.

 - Estava no quarto.

 - A fazer uma chamada. – Completou Rita.

 - Tinha de vir. Cusca. – Acusei.

 A minha mãe olhou-me com um sorriso.

 - Deixa lá Rita, acaba lá isso à tua prima, eu posso esperar.

 - Obrigada, mãe. – Disse, ao dar-lhe um beijo na face.

 Rita colocou um ar de amuada que me estava a dar vontade de rir. Foi rápida.

 - Não fiques assim senão não tens presente. – Brinquei. Respondeu-me apenas com um sorriso forçado.

 A família já estava toda presente. A sala de jantar organizada, ao centro a mesa onde iriamos jantar e na periferia, apenas a ocupar um lado grande sala, a mesa dos doces. Na sala de estar, a lareira estava acesa, Naomi deitara-se perto desta, as luzes da árvore de Natal piscavam, incansáveis.

 Eu, o meu irmão e os meus pais, subimos para os quartos para nos vestirmos corretamente para a noite.

 O meu irmão vestia um fato preto, com uma camisa branca e uma pequena gravata rosa. Era um homem em miniatura. Ambos, o meu pai e o Artur, estavam vestidos de igual, à exceção da cor da gravata, a do meu pai era vermelha. A minha mãe estava linda, o azulão tinha sido uma ótima escolha, num vestido justo, não muito arrojado. Por fim, eu.





 O meu cabelo, não totalmente liso, apresentava largos caracóis, que num apanhado simples desciam pelas costas.

 A família estava toda reunida. Podíamos dar início a mais uma comemoração natalícia.

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