A noite já se
fazia notar quando cheguei a casa. Pensei em anunciar aos interessados a minha
chegada, mas como era demasiado tarde e eu estava cansada (não, estes não foram
os únicos motivos) decidi que era melhor fazê-lo no dia seguinte.
A chuva, calma,
ouvia-se lá fora. Embalava-me. Abracei uma almofada e adormeci.
***
- Bom dia! –
Disse Ruben com uma tremenda boa disposição, quando lhe atendi a chamada.
- Hum… Bom dia.
– Ruben acordara-me.
- Estavas a
dormir?
- Sim.
- E já
chegaste?
- Sim.
- Então, vê se
acordas porque daqui a uma hora vou ter contigo.
- Mas…
Ruben já tinha
desligado. Como era possível, tanta boa disposição logo de manhã?
Os meus
músculos estavam tensos, alonguei-me. Levantei-me a custo, a cama estava
demasiado quente e acolhedora. Apanhei o cabelo e vesti algo confortável, não
tinha a mínima intenção de sair de casa àquela hora. Tinha acabado de tomar o
pequeno-almoço quando Ruben chegou.
Sem aviso
prévio, Ruben colocou-me uma das mãos na minha face e a outra na minha cintura,
puxando-me, assim, para ele. À medida que se aproximava, o meu cérebro
funcionava a todo o vapor, pois quando sentia a sua respiração, o seu toque, o
meu cérebro deixava, de forma automática, de funcionar. Desviei a cara no
momento em que Ruben se preparava para unir as nossas bocas. Beijou-me na face.
A necessidade
do seu beijo, embora escondida, existia. Existia, embora eu não o admitisse,
era mais fácil dizer que não tinha sentido do que admitir que era certo de uma
forma errada.
Ruben
afastara-se de modo a colocar uma “barreira de segurança” entre nós.
- Que tal de
Natal? – Perguntou com uma certa desilusão.
- Bom e o teu?
- Também foi
bom.
Ficámos sem
saber o que dizer. Conversa de café não era o nosso forte. E eu já fervilhava
por dentro.
- Ruben, temos
de falar.
- Diz. – Disse,
rude.
- O que se
passa?
- O que se
passa? – Perguntou.
- Sim. Nós…
- Existe um
‘nós’?
- Não. Quer
dizer… Os amigos não se beijam…
- Tens razão.
Desculpa, a confusão foi minha. – Virou-me as costas e preparava-se para sair.
- Espera. –
Disse, agarrando-o por um braço. Voltou-se novamente. – Confusão?
- Sim,
confusão. Pensei que… Esquece o que eu pensei. Não importa.
- Importa sim.
- Madalena é
simples, tu é que não compreendes, ou não queres compreender.
- Então
explica-me.
- Eu gosto de
estar contigo, gosto da tua companhia. Gosto de te ver sorrir, de sentir a tua
respiração, de… - Ruben levantara um pouco a voz.
- Mas tu
conheces-me há pouco mais de um mês… - Disse num sussurro.
- E? O que
importa?
Não fui capaz
de me pronunciar. «Sim, o que importa?»
- Madalena… -
Colocou as suas mãos na minha face e obrigou-me a olhar para ele. – Eu estou a
gostar de ti.
- Tu estás…?
- Estou! É
assim tão difícil de ver?
Estava a
sonhar, só podia. «O Ruben Amorim? Gostar de mim?»
- Mas não é
certo?
- O que é que é
certo? – Perguntou-me.
- Não sei.
- Respondes-me
com sinceridade? – Assenti. – O que sentes por mim?
- Eu… Por ti?
Não sei…
«Não sabes? Não
sabes mesmo?», pensei.
Ruben estava
visivelmente irritado. Puxou-me para si e encostou-me à parede. Os seus braços
bloqueavam-me todas as passagens, olhava-me nos olhos, sentia a sua respiração.
Estava a poucos centímetros de mim. Ruben uniu os nossos lábios, um beijo que
não recusei. Um beijo diferente dos outros, violento, urgente. As suas mãos
puxavam-me mais para si e as minhas pousaram na sua nuca puxando-lhe alguns
cabelos.
- E agora, já
sabes? – Perguntou ao afastar-se de mim.
- Ruben… - Eu
estava sem folego. Tentava controlar a minha respiração para responder direito.
– O que queres que te diga?
- Quero que
respondas à minha pergunta!
- Queres? Eu
respondo! Sim! – Ruben olhou-me nos olhos. Percebi-me que tinha gritado.
- Sim? – Disse
calmo.
- Sim. Sim, eu
adoro estar contigo, sim, eu desejo a tua companhia...
Ruben estava
maravilhado com a minha explosão.
- E agora,
Ruben?
- A escolha
sempre foi tua. Se quiseres manda-me embora, eu saio por aquela porta e saio da
tua vida. Ou então, pede-me para ficar.
- E se te pedir
para ficar?
- Se essa for a
tua escolha, estarei sempre aqui.
- Sempre?
- Estou
disposto a lutar por ti, Madalena! Estou disposto a fazer-te feliz, como tu
mereces.
- Mas tu podes
ir embora.
- Esquece o
futuro. A última palavra será sempre a minha!
- Não queres
que estragues os teus sonhos.
- Então diz-me
o que queres!
Não consegui
responder. Durante largos minutos o meu pensamento viajou para o futuro.
Imaginava-me ao seu lado.
Ruben abriu a
porta e saiu.
- Fica. – Disse
já sozinha.
Era demasiado
tarde. «Eu saio por aquela porta e saio da tua vida», as suas palavras ecoavam
na minha cabeça.
Não queria que
ele saísse da minha vida. Não agora.
Saí de casa, as
portas do elevador fechavam-se. Desci as escadas o mais depressa que pude.
Quando cheguei à entrada do prédio, Ruben encontrava-se perto do seu carro.
- Ruben,
espera. – Gritei.
Ruben olhou, desmotivado,
para mim. Corri na sua direção parando a poucos centímetros.
- Fica. – Disse ofegante. – Fica. Não saias da minha
vida.
Sem comentários:
Enviar um comentário