Dentro de uma hora estou à porta do teu prédio.
Não te atrases.
O quê? Não me lembro de combinar nada.
‘Tou a combinar agora.
Beijo.
Ainda não tinha
acordado completamente e já estava a saltar da cama.
- Mas quem é
que ele pensa que é para me fazer levantar cedo num domingo? – Pensei alto.
Podia recusar, é verdade, mas eu não queria, e isso era um facto.
Tinha adorado a
noite de quinta-feira, todos os programas que Ruben pudesse arranjar
pareciam-me bem, mas por que haveria de gastar tanto tempo comigo? Nem me
esforcei a pensar numa resposta. Ultimamente a minha vida era condicionada
pelos horários que eram impostos por outros. Uma hora, então.
Na aparelhagem
da sala meti um CD da minha banda favorita a tocar, nada melhor para começar
bem o dia. Voei para o banho, um banho rápido demais para o meu gosto,
sequei-me, coloquei uma maquilhagem leve no rosto, apanhei o cabelo numa trança
lateral. E agora ia começar o problema, o que vestir? Estava frio lá fora e
provavelmente iria chover.
Preparei o meu
pequeno-almoço, uma taça de cereais com leite. Ainda a taça ia a meio quando o
toque de chamada do meu telemóvel se fez ouvir. Atendi sem olhar para o visor.
- Já estou
quase pronta, dá-me só mais 5 minutos.
- Não me lembro
de ter combinado nada contigo. – A voz de Joana fez-se ouvir.
- Joana…
- Sim, sou eu.
Já vi que vais sair com o teu novo amigo…
- Ele não é meu
amigo…
- Ainda. Eu não
quero discutir contigo, só liguei para te perguntar se podíamos jantar hoje as
duas, acho que te devo uma explicação e um pedido de desculpa.
- Não é preciso
de desculpas, tenho de respeitar a tua opinião.
- Mas eu não te
respeitei a ti…
- Pois, quanto
ao jantar, importas-te que seja aqui em casa?
- Não, por mim
é perfeito. Então, até logo.
- Até logo.
Senti uma
estranha felicidade a entrar no meu corpo. Joana queria falar comigo e eu, finalmente,
ia perceber o porquê da sua reação.
Já estou cá em baixo.
Pontual. Mais
uma das qualidades de Ruben, ou pelo menos, até agora tinha sido. Não tive
tempo de acabar de comer, coloquei a taça na bancada da cozinha, lavei os
dentes e saí.
Ruben estava
fora do seu carro encostado à porta do passageiro.
- Bom dia,
pequenina. – Cumprimentou-me beijando-me a bochecha.
- Bom dia. A
que se deve o facto de me teres feito sair da cama tão cedo?
- Ainda estavas
a dormir sua preguiçosa?
- É… Festejar
uma derrota até tarde é o que dá.
- Oh então,
isso não se faz. Vim-me logo meter com uma lagarta. – Fingiu-se chateado.
- Sempre podes
deixar-me ir e… ires à tua vida.
- Eu acho que
aguento. Mas vá, não vamos falar de futebol.
- Onde vamos?
- Primeiro
vamos comer que eu estou cheio de fome. Já comeste?
- Mais ou
menos…
Nesse preciso
momento a barriga de Ruben falou mais alto.
- Ah ah ah, é
melhor irmos comer qualquer coisa, sim. Comilão. – Acusei.
- Não tenho
culpa, para aproveitar o dia contigo teve de ser.
- O dia? Todo?
Comigo? – Perguntei estupefacta.
- Há problema?
- Não… Acho que
não…
Ruben abriu a
porta do carro para que eu pudesse entrar, entrei agradecendo, segui-o com o
olhar enquanto ele andava de modo a ocupar o seu lugar de condutor. Agora é que
o dia ia começar.
***
Estava em
Lisboa há dois anos e ainda não conhecia grande parte das coisas maravilhosas
que a capital tinha para nos oferecer. O Terraço – foi o café/restaurante
escolhido pelo Ruben para o nosso pequeno-almoço. Uma palavra para descrever
aquele lugar? Lindo. Maravilhoso. Deste espaço era possível contemplar a cidade,
desde o Parque Eduardo VII, às Torres das Amoreiras, Igreja do Carmo, Ponte 25
de Abri e o Rio Tejo, e um pouco mais longe, o Cristo Rei. Um local completamente
inovador, não abarrotava de mesas e cadeiras como os habituais nos cafés, aqui,
estas haviam sido substituídas, maioritariamente, por sofás de diferentes cores
e espreguiçadeiras colocadas ao longo do gradeamento. Ruben pediu uma tosta
mista e um sumo de laranja natural, eu apenas fiquei pelo sumo de pêra, também
este natural. Estava fascinada. O stress estava incluído no preço a pagar, mas
a cidade era maravilhosa. No interior do país, a calma e a desertificação
aumentavam, sabia bem voltar àquele ambiente uma vez por mês, mas eu não queria
voltar definitivamente para lá. Infelizmente o interior e o litoral podiam-se
assemelhar a dois países diferentes, o modo de vida no interior era um pouco
mais retardado do que no litoral, e quando as novidades chegavam, já nas grande
cidades tinham deixado de o ser.
- Em que estás
a pensar?
Ruben
despertou-me para a realidade.
- Ahn? Oh,
desculpa. Estava a apreciar a vista.
- E a
companhia? – Ruben era sempre tão espontâneo que por vezes terias de ponderar
um pouco a resposta.
- A companhia?
Hum, não sei, parece-me… razoável.
- Razoável?
Nada mal para o início… - Disse com um enorme sorriso. – E se melhorar?
- Se melhorar?
Nesse caso terei todo o gosto em ter-te como amigo.
- É um bom
princípio.
- Tu és sempre
assim?
- Assim como?
- Assim. Tão…
espontâneo, tão simpático, tão boa pessoa.
- Achas que sou
isso tudo? – Disse entre risos. Provavelmente, eu tinha exagerado nos elogios,
mas era a minha opinião, pelo menos até ao momento. – Obrigado, então.
O Ruben acabou
de comer, e já metade da manhã tinha passado. Desta vez não houve discussões
sobre quem pagaria a conta, cada um pagou a sua.
- Na verdade –
disse Ruben – planeei este dia por diversos motivos… Primeiro, para disfrutar
deste dia de folga na tua companhia – lançou-me um olhar envergonhado -, segundo,
porque preciso de comprar os presentes de natal e, para além de isso não ser o
meu forte, tinha de ter uma desculpa para te fazer sair de casa de manhã.
Terceiro, porque pensei em vermos um filme. Que achas?
- Tudo planeado
até ao último pormenor!
- Não gosto de
correr riscos fora das quatro linhas.
Seguimos para a
baixa lisboeta, Ruben já tinha decidido o que iria oferecer, o que já era meio
caminho andado. Para a sua mãe comprou um telemóvel, eu própria ficara
apaixonada por ele. Para o seu irmão Mauro, um relógio com um nome bem
complicado, era sofisticado, em prata, e combinava com qualquer tipo de roupa,
especialmente com fatos. Mauro, ao contrário de Ruben que tinha um visual mais
desportivo, mantinha um visual mais clássico. Parece que o Ruben só tinha
planos para os dois familiares acima referidos. Os presentes femininos foram,
de longe, os mais complicados. Para a cunhada, comprou um vestido escolhido por
mim, eu pessoalmente tinha-o adorado. O último presente teria de ser algo
característico da pessoa em questão, Ruben descreveu-me a sua personalidade,
assim tudo se tornava mais fácil, afinal qual é a mulher que não gosta de um
bonito e elegante par de sapatos?
Decidimos
almoçar por ali, de qualquer maneira já não teríamos tempo para vermos o filme
que Ruben tinha planeado pois a sessão já tinha começado e aproxima era
demasiado tarde, visto que combinara jantar com a Joana. Demos um passeio pela
baixa, sentámo-nos em frente ao rio a ver os barcos passarem periodicamente.
Como eu adorava aquela vista. Perto da margem, os peixes saltavam, eram livres,
podiam percorrer o mundo apenas condicionados pela solubilidade da água.
- Gostava ser
como eles, apenas por um dia… - disse Ruben.
- Sim. –
Suspirei. – Eles têm a possibilidade de fazer as suas próprias escolhas.
- Quem me dera…
- Então, não
estás contente com a vida que tens?
- Estou, claro.
Mas há aspectos que gostava de mudar.
- Como por
exemplo…?
- Como por
exemplo, sentir-me realizado a nível profissional.
- E não te
sentes? Jogas num dos maiores clubes do mundo!
- É verdade,
mas gostava de jogar mais. E depois tenho as propostas…
- Pois. Acho
que já tinha lido algo a esse respeito. Marselha e Panathinaikos, não é?
- Sim. – O seu
olhar estava ausente.
- Mas tu queres sair do Benfica?
- É uma opção,
nunca serei a primeira opção do Mister Jorge Jesus, percebi isso quando fui
convocado pelo Mister Paulo Bento para a Seleção.
- Mas?
- Mas… Por
outro lado não quero deixar para trás muitas coisas importantes que tenho na
minha vida neste momento.
- Por vezes
temos de fazer escolhas difíceis, e só depois é que percebemos se valeu a pena
ou não.
Ruben apoiou
cotovelos nas pernas, juntou as mãos e ambos fixamos o horizonte. O pôr-do-sol
começara, em breve anoiteceria.
- Deve ser
melhor irmos embora, está a ficar frio. – Disse Ruben passando-me a mão pelas
costas, repetidamente.
O ambiente no
seu carro estava agradável. Percorremos o caminho até minha casa
maioritariamente em silêncio. Era um silêncio constrangedor. O Ruben tinha
ficado diferente depois da conversa sobre o facto de ele poder/querer ir
embora, tentava disfarçar, mas não foi difícil de ler as suas expressões.
***
Parou o carro
mesmo à porta do meu prédio.
- Desculpa ter
tocado no assunto da tua venda. – Desculpei-me, mas só depois me apercebi o
quão mal isto tinha soado.
- Não tem
problema, os jornais desportivos já começam a comentar. Mas a decisão não
depende apenas de mim.
- Posso-te
pedir uma coisa?
- O quê?
- Segue o teu
coração. Não te vais arrepender. – Disse, sorrindo.
- Seguir o meu
coração. Então… será que… posso… - Enquanto Ruben tentava acabar a frase,
reduzia a distância que nos separava.
Fechei os olhos
inconscientemente e senti os seus lábios contra os meus. Macios, tímidos. Ruben
procurava uma resposta minha. As nossas bocas, unidas, movimentavam-se sem
qualquer lógica, apenas guiadas pelo desejo. “Seguir o coração”. O coração
neste momento negava toda a lógica e razão. Coloquei a minha mão na nuca de
Ruben e este intensificou o beijo. O meu cérebro começara novamente a trabalhar.
«Tudo isto é um erro!»
- Ruben. –
Sabia que minha intenção era de parar, mas este puxava a minha cara de modo a
não poder fugir. - Ruben… pára!
- Mas… porquê?
– Perguntou confuso.
- Porque isto é
um erro.
- Tu queres
tanto quanto eu!
- O problema é
mesmo esse. Tu vais-te embora, não podemos ter nada mais para além de uma
amizade.
- Madalena… -
Chamou-me ao tentar beijar-me novamente.
- Por favor,
pára. – Pedi. Na verdade, não queria que parasse, ele tinha razão, queria tanto
aquele beijo como ele. Mas não o podia permitir.
- Tu não queres
porque eu posso ir embora?
- Sim. Quer
dizer, mais ou menos.
- Em que
ficamos?
- Eu não quero
sofrer quando te fores embora. Eu não quero aproximar-me demasiado de ti para
depois nunca mais te ver.
- Eu posso não ir
a lado algum…
- Mas até ao
último minuto do mercado de transferências eu não quero ser uma das razões pela
qual não realizes o teu sonho. – Agarrei na mala, desejei-lhe uma boa noite, e
saí do carro.
- Madalena. –
Gritou Ruben quando eu já estava a passar a porta de entrada do prédio. – E até
lá, podemos ser… amigos?
- Amigos.
O que tinha
acabado de fazer? Não sei. Provavelmente uma enorme asneira. “Segui o coração”,
não o tinha feito. Consequências?
Espero que gostem!
Beijinhos, Jéssica.
Sem comentários:
Enviar um comentário