quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

7º Capítulo: "Seguir o coração" (Parte I)

Dentro de uma hora estou à porta do teu prédio.
Não te atrases.


O quê? Não me lembro de combinar nada.


‘Tou a combinar agora.
Beijo.

 Ainda não tinha acordado completamente e já estava a saltar da cama.

 - Mas quem é que ele pensa que é para me fazer levantar cedo num domingo? – Pensei alto. Podia recusar, é verdade, mas eu não queria, e isso era um facto.

 Tinha adorado a noite de quinta-feira, todos os programas que Ruben pudesse arranjar pareciam-me bem, mas por que haveria de gastar tanto tempo comigo? Nem me esforcei a pensar numa resposta. Ultimamente a minha vida era condicionada pelos horários que eram impostos por outros. Uma hora, então.

 Na aparelhagem da sala meti um CD da minha banda favorita a tocar, nada melhor para começar bem o dia. Voei para o banho, um banho rápido demais para o meu gosto, sequei-me, coloquei uma maquilhagem leve no rosto, apanhei o cabelo numa trança lateral. E agora ia começar o problema, o que vestir? Estava frio lá fora e provavelmente iria chover.




 Preparei o meu pequeno-almoço, uma taça de cereais com leite. Ainda a taça ia a meio quando o toque de chamada do meu telemóvel se fez ouvir. Atendi sem olhar para o visor.

 - Já estou quase pronta, dá-me só mais 5 minutos.

 - Não me lembro de ter combinado nada contigo. – A voz de Joana fez-se ouvir.

 - Joana…

 - Sim, sou eu. Já vi que vais sair com o teu novo amigo…

 - Ele não é meu amigo…

 - Ainda. Eu não quero discutir contigo, só liguei para te perguntar se podíamos jantar hoje as duas, acho que te devo uma explicação e um pedido de desculpa.

 - Não é preciso de desculpas, tenho de respeitar a tua opinião.

 - Mas eu não te respeitei a ti…

 - Pois, quanto ao jantar, importas-te que seja aqui em casa?

 - Não, por mim é perfeito. Então, até logo.

 - Até logo.

 Senti uma estranha felicidade a entrar no meu corpo. Joana queria falar comigo e eu, finalmente, ia perceber o porquê da sua reação.
Já estou cá em baixo.
 Pontual. Mais uma das qualidades de Ruben, ou pelo menos, até agora tinha sido. Não tive tempo de acabar de comer, coloquei a taça na bancada da cozinha, lavei os dentes e saí.

 Ruben estava fora do seu carro encostado à porta do passageiro.

 - Bom dia, pequenina. – Cumprimentou-me beijando-me a bochecha.

 - Bom dia. A que se deve o facto de me teres feito sair da cama tão cedo?

 - Ainda estavas a dormir sua preguiçosa?

 - É… Festejar uma derrota até tarde é o que dá.

 - Oh então, isso não se faz. Vim-me logo meter com uma lagarta. – Fingiu-se chateado.

 - Sempre podes deixar-me ir e… ires à tua vida.

 - Eu acho que aguento. Mas vá, não vamos falar de futebol.

 - Onde vamos?

 - Primeiro vamos comer que eu estou cheio de fome. Já comeste?

 - Mais ou menos…

 Nesse preciso momento a barriga de Ruben falou mais alto.

 - Ah ah ah, é melhor irmos comer qualquer coisa, sim. Comilão. – Acusei.

 - Não tenho culpa, para aproveitar o dia contigo teve de ser.

 - O dia? Todo? Comigo? – Perguntei estupefacta.

 - Há problema?

 - Não… Acho que não…

 Ruben abriu a porta do carro para que eu pudesse entrar, entrei agradecendo, segui-o com o olhar enquanto ele andava de modo a ocupar o seu lugar de condutor. Agora é que o dia ia começar.


***


 Estava em Lisboa há dois anos e ainda não conhecia grande parte das coisas maravilhosas que a capital tinha para nos oferecer. O Terraço – foi o café/restaurante escolhido pelo Ruben para o nosso pequeno-almoço. Uma palavra para descrever aquele lugar? Lindo. Maravilhoso. Deste espaço era possível contemplar a cidade, desde o Parque Eduardo VII, às Torres das Amoreiras, Igreja do Carmo, Ponte 25 de Abri e o Rio Tejo, e um pouco mais longe, o Cristo Rei. Um local completamente inovador, não abarrotava de mesas e cadeiras como os habituais nos cafés, aqui, estas haviam sido substituídas, maioritariamente, por sofás de diferentes cores e espreguiçadeiras colocadas ao longo do gradeamento. Ruben pediu uma tosta mista e um sumo de laranja natural, eu apenas fiquei pelo sumo de pêra, também este natural. Estava fascinada. O stress estava incluído no preço a pagar, mas a cidade era maravilhosa. No interior do país, a calma e a desertificação aumentavam, sabia bem voltar àquele ambiente uma vez por mês, mas eu não queria voltar definitivamente para lá. Infelizmente o interior e o litoral podiam-se assemelhar a dois países diferentes, o modo de vida no interior era um pouco mais retardado do que no litoral, e quando as novidades chegavam, já nas grande cidades tinham deixado de o ser.

 - Em que estás a pensar?

 Ruben despertou-me para a realidade.

 - Ahn? Oh, desculpa. Estava a apreciar a vista.

 - E a companhia? – Ruben era sempre tão espontâneo que por vezes terias de ponderar um pouco a resposta.

 - A companhia? Hum, não sei, parece-me… razoável.

 - Razoável? Nada mal para o início… - Disse com um enorme sorriso. – E se melhorar?

 - Se melhorar? Nesse caso terei todo o gosto em ter-te como amigo.

 - É um bom princípio.

 - Tu és sempre assim?

 - Assim como?

 - Assim. Tão… espontâneo, tão simpático, tão boa pessoa.

 - Achas que sou isso tudo? – Disse entre risos. Provavelmente, eu tinha exagerado nos elogios, mas era a minha opinião, pelo menos até ao momento. – Obrigado, então.

 O Ruben acabou de comer, e já metade da manhã tinha passado. Desta vez não houve discussões sobre quem pagaria a conta, cada um pagou a sua.

 - Na verdade – disse Ruben – planeei este dia por diversos motivos… Primeiro, para disfrutar deste dia de folga na tua companhia – lançou-me um olhar envergonhado -, segundo, porque preciso de comprar os presentes de natal e, para além de isso não ser o meu forte, tinha de ter uma desculpa para te fazer sair de casa de manhã. Terceiro, porque pensei em vermos um filme. Que achas?

 - Tudo planeado até ao último pormenor!

 - Não gosto de correr riscos fora das quatro linhas.

 Seguimos para a baixa lisboeta, Ruben já tinha decidido o que iria oferecer, o que já era meio caminho andado. Para a sua mãe comprou um telemóvel, eu própria ficara apaixonada por ele. Para o seu irmão Mauro, um relógio com um nome bem complicado, era sofisticado, em prata, e combinava com qualquer tipo de roupa, especialmente com fatos. Mauro, ao contrário de Ruben que tinha um visual mais desportivo, mantinha um visual mais clássico. Parece que o Ruben só tinha planos para os dois familiares acima referidos. Os presentes femininos foram, de longe, os mais complicados. Para a cunhada, comprou um vestido escolhido por mim, eu pessoalmente tinha-o adorado. O último presente teria de ser algo característico da pessoa em questão, Ruben descreveu-me a sua personalidade, assim tudo se tornava mais fácil, afinal qual é a mulher que não gosta de um bonito e elegante par de sapatos?

 Decidimos almoçar por ali, de qualquer maneira já não teríamos tempo para vermos o filme que Ruben tinha planeado pois a sessão já tinha começado e aproxima era demasiado tarde, visto que combinara jantar com a Joana. Demos um passeio pela baixa, sentámo-nos em frente ao rio a ver os barcos passarem periodicamente. Como eu adorava aquela vista. Perto da margem, os peixes saltavam, eram livres, podiam percorrer o mundo apenas condicionados pela solubilidade da água.

 - Gostava ser como eles, apenas por um dia… - disse Ruben.

 - Sim. – Suspirei. – Eles têm a possibilidade de fazer as suas próprias escolhas.

 - Quem me dera…

 - Então, não estás contente com a vida que tens?

 - Estou, claro. Mas há aspectos que gostava de mudar.

 - Como por exemplo…?

 - Como por exemplo, sentir-me realizado a nível profissional.

 - E não te sentes? Jogas num dos maiores clubes do mundo!

 - É verdade, mas gostava de jogar mais. E depois tenho as propostas…

 - Pois. Acho que já tinha lido algo a esse respeito. Marselha e Panathinaikos, não é?

 - Sim. – O seu olhar estava ausente.

 - Mas tu queres sair do Benfica?

 - É uma opção, nunca serei a primeira opção do Mister Jorge Jesus, percebi isso quando fui convocado pelo Mister Paulo Bento para a Seleção.

 - Mas?

 - Mas… Por outro lado não quero deixar para trás muitas coisas importantes que tenho na minha vida neste momento.

 - Por vezes temos de fazer escolhas difíceis, e só depois é que percebemos se valeu a pena ou não.

 Ruben apoiou cotovelos nas pernas, juntou as mãos e ambos fixamos o horizonte. O pôr-do-sol começara, em breve anoiteceria.

 - Deve ser melhor irmos embora, está a ficar frio. – Disse Ruben passando-me a mão pelas costas, repetidamente.

 O ambiente no seu carro estava agradável. Percorremos o caminho até minha casa maioritariamente em silêncio. Era um silêncio constrangedor. O Ruben tinha ficado diferente depois da conversa sobre o facto de ele poder/querer ir embora, tentava disfarçar, mas não foi difícil de ler as suas expressões.


***

 Parou o carro mesmo à porta do meu prédio.

 - Desculpa ter tocado no assunto da tua venda. – Desculpei-me, mas só depois me apercebi o quão mal isto tinha soado.

 - Não tem problema, os jornais desportivos já começam a comentar. Mas a decisão não depende apenas de mim.

 - Posso-te pedir uma coisa?

 - O quê?

 - Segue o teu coração. Não te vais arrepender. – Disse, sorrindo.

 - Seguir o meu coração. Então… será que… posso… - Enquanto Ruben tentava acabar a frase, reduzia a distância que nos separava.

 Fechei os olhos inconscientemente e senti os seus lábios contra os meus. Macios, tímidos. Ruben procurava uma resposta minha. As nossas bocas, unidas, movimentavam-se sem qualquer lógica, apenas guiadas pelo desejo. “Seguir o coração”. O coração neste momento negava toda a lógica e razão. Coloquei a minha mão na nuca de Ruben e este intensificou o beijo. O meu cérebro começara novamente a trabalhar. «Tudo isto é um erro!»

 - Ruben. – Sabia que minha intenção era de parar, mas este puxava a minha cara de modo a não poder fugir. - Ruben… pára!

 - Mas… porquê? – Perguntou confuso.

 - Porque isto é um erro.

 - Tu queres tanto quanto eu!

 - O problema é mesmo esse. Tu vais-te embora, não podemos ter nada mais para além de uma amizade.

 - Madalena… - Chamou-me ao tentar beijar-me novamente.

 - Por favor, pára. – Pedi. Na verdade, não queria que parasse, ele tinha razão, queria tanto aquele beijo como ele. Mas não o podia permitir.

 - Tu não queres porque eu posso ir embora?

 - Sim. Quer dizer, mais ou menos.

 - Em que ficamos?

 - Eu não quero sofrer quando te fores embora. Eu não quero aproximar-me demasiado de ti para depois nunca mais te ver.

 - Eu posso não ir a lado algum…

 - Mas até ao último minuto do mercado de transferências eu não quero ser uma das razões pela qual não realizes o teu sonho. – Agarrei na mala, desejei-lhe uma boa noite, e saí do carro.

 - Madalena. – Gritou Ruben quando eu já estava a passar a porta de entrada do prédio. – E até lá, podemos ser… amigos?

 - Amigos.

 O que tinha acabado de fazer? Não sei. Provavelmente uma enorme asneira. “Segui o coração”, não o tinha feito. Consequências?





Espero que gostem!


Beijinhos, Jéssica.

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