sábado, 31 de março de 2012

39º Capítulo: Orgulho e arrependimento



 Por vezes, o arrependimento não se sobrepõe ao orgulho. Deveria. Então, não se volta atrás para emendar os erros, apenas se permanece no mesmo sítio à espera que a solução venha ter connosco, o que por vezes não acontece. E, o não acontecer não depende apenas de quem comete o erro, mas sim da pessoa a quem se cometeu. No entanto, não é sinal de fraqueza nem de cobardia, não necessariamente, apenas nos magoamos com os nossos próprios erros.

 Sentado no chão, as suas costas formavam uma curva imperfeita e, de joelhos ao peito, as mãos escondiam o seu rosto. Ali, sozinho, deixara que o orgulho se dissipasse e, então, o arrependimento tomou conta dele. Talvez não o suficiente para voltar atrás. Fiquei, por breves instantes, a contemplá-lo. Uma estranha vontade de o abraçar dominou-me, queria ir até ele e envolver-me nos seus braços. E, por vezes, o desejo vence. Em cuidadosos passos, para não fazer muito barulho, o que não adiantou de muito, pois os saltos denunciaram-me. Ruben levantou ligeiramente a cabeça para me ver aproximar, sentei-me ao seu lado. A princípio, nada fiz a não sei permanecer sentada. Ambos instalámos um silêncio pesado e perturbador, desconfortante. Não olhávamos diretamente um para o outro, apenas a visão periférica e o som da respiração denunciava a nossa presença. Vi Ruben voltar a esconder a cara, estava na altura de o enfrentar.

 - Ruben. – Chamei-o, num sussurro ensurdecido, para captar a sua atenção. Continuava petrificado. – Ruben. – Voltei a insistir, mas de nada adiantou. Forcei-o a abrir espaço para me aninhar a ele, até isso ele recusou. Tentei olhá-lo nos olhos, os seus fortes braços, apoiados novamente nos joelhos, não permitiram. Aquilo sim, já estava a ser demasiado para mim. Os instáveis limites da minha paciência estavam a ser rapidamente ultrapassados.

 A verdade é que não vale continuar a insistir quando acabamos por fazê-lo demasiado. Ou será que vale? Naquele momento a resposta parecia-me negativa. De nada valia continuar a chamar por Ruben se o próprio nem me olhava. Aliás, tudo aquilo me parecia uma birra de crianças, sem logica nenhuma. Já não tinha a certeza do motivo pelo qual Ruben se comportava deste modo, seria ainda pelo jogo? Então, por que razão se deu ao trabalho de vir a minha casa quando foi Javi que se ofereceu para me vir trazer a casa, enquanto Ruben simplesmente me ignorava? Por que razão queria ele dominar a minha vida, as minhas decisões? Desta vez, a vontade de Ruben parecia-me clara, então levantei-me rapidamente e caminhei para dentro de casa. Pouco mais de dois curtos passos tinha dado quando o som de um suspiro pesado chegou aos meus ouvidos.

 - Madalena… - Os passos cessaram. Dei meia volta para poder olhar para aquela figura que meu nome tinha chamado. Continuava sentado no chão, agora os braços rodeavam os joelhos. O seu olhar estava preso em mim. Tentei colocar no meu uma expressão de como quem não se importa. Talvez tenha resultado, pois num salto, Ruben colocou-se de pé. Com o arrependimento colado no rosto veio na minha direção um pouco a medo. Parou demasiado longe de mim. – Eu… Madalena… Eu… - De cabeça baixa gaguejava e soltava pequenos suspiros, sem saber ao certo o que dizer. Coloquei um dedo nos seus lábios.

 Perto dos elevadores, jovens vozes desconhecidas faziam-se ouvir. Arrastei-o para dentro dos meus limites privados e Ruben ainda continuava sem dizer nada. Conduzi-o até à sala de estar onde ocupámos o grande sofá. Estava na hora de fazer alguma coisa, na minha cabeça, neste momento, assemelhávamo-nos a dois estranhos que tem de estar no mesmo sítio, tal como acontece a milhares de pessoas nas paragens dos transportes públicos.

 Sentado caracteristicamente no sofá, ocupei o seu colo. De frente para ele, tentei usar algumas técnicas de sedução como aparecem nos filmes românticos para despertar a sua atenção, aparentemente resultaram embora tivesse a sensação que parecia uma idiota, pois Ruben olhou-me olhos nos olhos. Desfiz-me num sorriso tímido e entreguei-me aos seus lábios. Doces, suaves, perigosos. Num beijo de saudade, de perdão, de desejo e sentimento, muito sentimento. Redescobríamos caminhos na boca um do outros e descobríamos novos, as nossas mãos viajavam cada vez mais desesperadas pelos corpos, mordia-lhe levemente o lábio inferior enquanto Ruben me apertava os glúteos. Aqueles simples atos estavam a deixar-me louca, não era a única, pois a euforia de Ruben denunciava-o. Rapidamente, comecei a sentir as mãos de Ruben a pousarem na pele quente das minhas costas, instintivamente juntei-me um pouco mais a ele, levando-o a encostar-se totalmente no sofá, pois se não o fizesse a sua cara ficaria aterrada em meu peito. Os beijos e a nossa entrega mútua intensificaram-se, Ruben esforçava-se para me retirar a camisola e eu sentia força para fazer-lhe o mesmo. Embora com a sua ajuda, breves instantes depois larguei a sua camisola no chão atrás de mim. Como era magnífico ver aqueles abdominais, aquele corpo trabalhado, não que nunca o tivesse visto em tronco nu, mas agora era uma perspetiva diferente. Embora não tivesse disposta a ficar sem camisola, Ruben continuava a esforçar-se por retirá-la do meu corpo. Até que, os nossos beijos, imensamente intensificados começaram a perder intensidade. Se eu achava que o momento tinha chegado, provavelmente não seria ainda.

 - Ruben, o que se passa? – Perguntei quando Ruben acabou por nos separar, permitindo apenas que ficasse sentada no seu colo, com as suas mãos pousadas na minha cintura. – Vá lá, fala comigo. – Insisti.

 - Não se passa nada, amor.

 - Hum, então ignoraste-me um dia inteiro por nada? – Conclui.

 - Eu não…

 - Foi precisamente isso que fizeste. – Interrompi. – Eu não acredito que não tenha sido por nada. Houve um motivo e eu quero saber qual.

 - Quem é o Bernardo? – Rematou. Tive a sensação de me estava a mudar o tema da conversa.

 - Bernardo? Que Bernardo?

 - Não conheces ninguém com esse nome?

 - Conheço, um colega de curso. Mas, por que é que… Conhece-lo? – Perguntei confusa.

 - É esse mesmo. O que é que achas dele?

 - O que é que eu acho? Não acho nada, não falo muito com ele. Ruben, o que se passa?

 - O que é que ele é para ti? – Insistia Ruben.

 - É um colega, já te disse.

 - Só?

 - Ruben, mas que conversa é esta? De onde veio o Bernardo agora? Pensava que nem o conhecias…

 - E não conheço, mas…

 - Mas?

 - Há uns tempos a Maria falou-me dele e da vossa história…

 - E porque haveria ela de te contar coisas a meu respeito?

 - Porque eu lhe pedi…

 - É por isso que estás assim?

 - Eu tenho medo de te perder, Madalena.

 - Não será por ele que me poderás perder. – Não lhe podia dizer que nunca me iria perder pois era algo que as pessoas prometiam e nunca cumpriam, pois uma das partes acabava sempre por ir embora. – Mas, Ruben, eu não vou tolerar mais isto. Se tens alguma duvida em relação a mim, é a mim que tens de perguntar.

 - Mas eu não tenho duvidas.

 - Então para que foi esta cena de ciúmes?

 - Não são ciúmes!

 - Não são? – Soltei uma pequena gargalhada.

 - Só um bocadinho…

 - Hum, hum.

 - Mas é só porque te amo!

 - Ruben, eu… Eu também te amo. – Era a primeira vez que dizia ‘amo-te’. Sempre achei uma palavra forte demais para ser dita em vão. Então, sempre procurei guardá-la para quem a merecesse ouvir, para o momento em que eu tivesse a certeza que sentia tudo aquilo que a pequena palavra implicava.

 - Tu o quê? – Perguntou-me com um enorme sorriso no rosto. Percebi que Ruben tinha percebido perfeitamente o que acabara de lhe dizer.

 - Nada.

 - Repete.

 - Amo-te!

 - Sabes o quão bom é ouvir-te finalmente dizer que me amas?

 - Tenho uma pequena ideia… - Diminui a distância entre nós e entreguei-me novamente ao seu beijo. Todos os nossos beijos eram caracteristicamente nossos mas, todos diferentes. E este, certamente, estaria escalado como um dos melhores. Agora, ambos, estávamos igualmente entregues ao mesmo sentimento.

 - Será que agora podes desculpar este imbecil que gosta muito de ti?

 - Enquanto permaneceres aqui, – Coloquei a sua mão no meu peito para que pudesse sentir os batimentos do meu coração – estarás sempre desculpado.


segunda-feira, 19 de março de 2012

38º Capítulo: Viver a vida



 

 A verbalização daquele grande e verdadeiro sentimento era algo que ainda tinha, em mim, a mesma força do que uma bomba atómica. Esse “amo-te” de Ruben soava, aos meus ouvidos, sincero e, ao meu coração, acelerava-lhe fortemente os batimentos. Desejei unir-me um pouco mais a ele, diminuir a inexistente distância que separava os nossos corpos, mas não o fiz, embora também não tivesse coragem nem força suficiente para o afastar de mim, mais uma vez, como o tinha feito segundos antes.

 - Ruben. – Chamei-o num sussurro, pois os meus lábios permaneciam junto ao seu ouvido. Este conseguira tomar a atitude que eu não tinha tomado, afastou-se de mim, embora ainda tomando o meu corpo nos seus braços, apenas para puder olhar nos meus olhos, num frente a frente algo nervoso.

 - Desculpa. Desculpa amor, eu fui um imbecil, mas eu só estava preocupado contigo.

 - Eu disse-te que não ia acontecer nada, Ruben.

 - Podia ter acontecido, tu não fazes ideia dos riscos que correste. Tu e as tuas amigas…

 - Podia ter acontecido, mas não aconteceu. Isso é que importa. – As suas mãos cercaram-me as faces.

 - Nunca mais me faças uma coisa destas! É difícil concentrar-me no jogo quando estou preocupado contigo.

 - Mas não tens de ficar preocupado comigo. Ruben, desde muito cedo eu aprendi a safar-me sozinha!

 - Mas agora é diferente…

 - É diferente?

 - Sim. Tu és minha namorada. – Os seus dedos deslizaram até se entrelaçarem nos meus, causando pequenos arrepios ao entraram em contacto com a pele do meu pescoço. Ambos olhámos, por breves momentos, para a união das nossas mãos.

 - E em que é que isso muda?

 - Eu não tenho um emprego muito dentro do comum. Quando nós formos do conhecimento público tudo o que cada um faz condiciona o outro.

 - Eu não vou deixar de ser quem sou só para agradar a quem quer que seja!

 - Está bem, mas…

 - Ruben, tens de te decidir. Eu não te conhecia assim. Tu para mim és uma pessoa normal, tu ages de forma normal, então eu também vou continuar a ser quem sou!

 - Eu sou uma pessoa normal…

 - Então essas desculpas que estás a dar não têm lógica nenhuma!

 - Custava-te assim tanto fazeres-me a vontade? Agora não estaríamos aqui a discutir…

 - Eu não estou a discutir contigo. E mete nessa cabeça de uma vez por todas que eu não vou fazer-te as vontades todas só para não seres contrariado, Ruben. – De um momento para o outro deixei de sentir as mãos de Ruben nas minhas. Agora de costas para mim, Ruben passava uma mão pelos curtos cabelos, de forma repetida. – Ruben… – Chamei-o e voltou-se novamente para mim.

 - Tens razão.

 - Ruben, vá lá, não fiques assim. – Sorri-lhe na esperança de que acabasse com aquela guerreia. – Eu não quero ir para o Alentejo sem estar tudo bem contigo…

 - Vais para o Alentejo?

 - Sim, vou quinta-feira, depois de almoço.

 - Mas assim já não vamos estar muito tempo juntos…

 - Mesmo por isso é que não quero que fiques assim.

 - Eu pensava que ias ver o jogo na sexta…

 - Não posso ir.

 - Porquê?

 - Porque tenho imensas saudades dos meus pais, do meu irmão. Já há muito tempo que não estou com eles…

 - E não podes ir depois do jogo?

 - Não.

 - Então? Assim eu ia contigo…

 - Ias comigo para onde?

 - Para o Alentejo. – Confesso que esta revelação de Ruben me apanhou, em parte, desprevenida. Sabia que, ao conhecer a sua mãe, tínhamos dado um grande passo na nossa relação, mas será que estava na altura certa de ele conhecer os meus pais? Afinal, para eles, Ruben, por enquanto, não seria nada menos do que alguém que só se vê dentro das quatro linhas. Os meus pais, ou melhor, o meu pai certamente não iria ver como pessoa normal.

 - Ruben, eu vou lá estar uma semana, só venho no dia depois da Páscoa. Além disso, eu não estou preparada para te apresentar à minha família…

 - Não estás preparada?

 - Não, acho que é demasiado cedo.

 - Cedo? Como cedo? Mas tu até já conheces a minha mãe…

 - Podes tentar, pelo menos, perceber-me?

 - Já tentei e não consigo. Que mal tem em ir contigo? Tens vergonha de mim, é?

 - Não Ruben, não tenho. Mas para os meus pais tu não és uma simples pessoa, és um jogador de futebol! Sinto que os tenho de preparar primeiro.

 - Madalena…

 - Ruben, eu vou para o Alentejo assim que acabar as aulas. Além disso, tu a essa hora já tens ido embora com o resto da tua equipa. E agora não quero discutir mais isto, está tarde e quero-me ir deitar. – Virei-lhe as costas e caminhei para o quarto com a certeza de que ele me seguiria, mas não o fez.

 - Madalena! – Chamou-me num tom de voz ligeiramente mais elevado, o que denunciou que não tinha dado um único passo na minha direção.

 - Ruben, a minha decisão está tomada. Talvez possas ir comigo no próximo mês, quando sentir que já estou preparada para te apresentar à minha família, até lá agradecia que respeitasses as minhas decisões.

 - Eu não te consigo compreender, juro que não! Que motivos tens para não te sentires preparada?

 - Talvez medo da reação dos meus pais, do meu irmão… não sei.

 - Eu vou contigo, ou então ficas comigo!

 - Não, não vais! Eu vou sozinha e não se fala mais no assunto. Só vou lá estar uma semana, passa rápido.

 - Mas eu quero!

 - E eu quero que me devolvas a vida! – O silêncio imperara como nunca tinha acontecido. Por mais que eu me esforçasse para que Ruben acabasse com estas discussões sem lógica nenhuma, ele rapidamente iniciava uma nova. Tudo tem limites, claro que, a minha paciência não era exceção à regra.

 Numa tentativa falhada de me continuar a controlar explodi e, nestas situações, acabamos sempre por dizer o que não queremos, ou dizemos o que queremos mas não na forma correta. Ruben não permitiu que o seu olhar permanecesse nem mais um segundo em mim, deu meia volta e, num passo acelerado, saiu de casa fechando a porta atrás de si.

 - Outra vez… - Sussurrei, suspirando. Andei, em passos largos para a porta. Tinha a intenção de ir atrás de Ruben, mas o orgulho falou mais alto. Sabia que poderia estar a cometer um erro, sabia que atitudes como estas acabavam com uma relação em três tempos. Os meus dedos deixaram a fechadura e deram forma aos punhos cerrados, senti a madeira fria da porta na minha testa. Se valia a pena estar com Ruben alguém teria de fazer alguma coisa, se ele não estava nos seus dias eu iria detê-lo nos meus braços. Se algo estava errado eu tinha o direito de saber o que era.
Abri a porta e…

sexta-feira, 9 de março de 2012

37º Capítulo: "Hacer la paz"

 Ruben soltava fortes gargalhadas, tal como o resto dos jogadores, por outro lado, nós mantínhamo-nos reunidas por entre conversas, ou melhor, elas mantinham-se assim, pois eu, embora na companhia delas, não dava muita atenção ao que elas diziam.

 Discretamente olhava para Ruben, queria poder sentar-me no seu colo e pedir-lhe desculpa, não sei bem o motivo pela qual as pediria, mas apenas queria não ter a sensação de que ele estava chateado comigo, embora fosse por um jogo de futebol. Por vezes, passava-me pela cabeça que o Ruben apenas me estava a tentar irritar, pois se essa não era a sua intenção, era mesmo isso que estava a acontecer. O ambiente entre nós ficara pesado desde que Ruben soube que iria ver o clássico, Benfica vs Porto, das bancadas. Mas, afinal, o jogo já tinha passado, nada de mal me acontecera, nem a mim nem às minhas amigas.

 Normalmente, assim achava eu, que os primeiros meses de uma relação seriam sempre os mais pacíficos, pois tudo era recente e as discussões normais ainda não tinham começado. Provavelmente, eu e Ruben fugíamos às probabilidades, à normalidade, pois aqueles momentos deveriam ser caracterizados pelas imensas borboletas no estômago e pela ânsia de estar todos os segundos possíveis com ele. Para mim, estas duas estavam lá, intensamente, mas será que estavam em Ruben?

 - Ruben. – Chamei depois de me levantar do meu lugar e abandonar o grupo. Ruben olhou para mim rapidamente e também rapidamente me ignorou. Fui até ele. – Vou-me embora. – Ruben levantou-se e afastámo-nos um pouco dos restantes.

 - Não podes esperar até irmos todos embora?

 - Ruben, eu estou cansada. Vou chamar um táxi e vou para casa.

 - Vais de táxi, agora, de noite?

 - Sim, assim não precisas de me ir levar… Ias fazer um enorme desvio. – Os seus lábios exibiram uma expressão descontente, talvez até um pouco hostil. O que é certo, é que não estava a reconhecer Ruben.

 - Se é isso que queres… até amanhã. – Sem um gesto de despedida, Ruben voltou para o seu lugar, entrou novamente na conversa que, por sinal, levava a audíveis gargalhadas.

 Desejei um resto de boa noite a todos os presentes, reuni todos os meus pertences e saí do restaurante, lançando um último olhar correspondido a Ruben. Senti também o olhar de Javi posto em mim e em Ruben, aleatoriamente.

 Na rua, o ambiente estava calmo, pois esta encontrava-se praticamente deserta. A brisa fresca, típica do inverno lisboeta, fazia-se sentir, cruzei os braços numa tentativa falhada de me proteger do frio e, em curtos passos, passava em frente aos carros estacionados na frente do restaurante, cujos proprietários se encontravam no interior. Como ainda não era propriamente tarde, esperava que ainda houvesse um táxi disponível. Por alguma razão, Javi percebeu que algo não estava bem e, segundos depois de eu ter abandonado o interior do restaurante, veio ter comigo.

 - ¿Qué estás haciendo aquí? – Javi colocou-se ao meu lado, eu olhava para o alto céu pouco estrelado e ele tentava decifrar o meu rosto.

 - Vou para casa.

 - ¿Tienes coche?

 - Não, vim com o Ruben…

 - ¿Y cómo piensas llegar a casa?

 - De táxi.

 - ¿Qué? Yo puedo llevarte a casa. – Ofereceu. No fundo, desejava ouvir estas palavras, embora da boca de Ruben ao invés da de Javi.

 - Não é necessário. Volta para dentro, eu fico bem. – Javi acabou por não concordar. Ordenou-me que esperasse por ele enquanto voltava ao restaurante para avisar a sua namorada Elena, e assim fiz.

 Javi rapidamente regressou em largos passos, apenas trazia a chave do seu carro, pois era claro que regressaria para festejar com o resto dos seus companheiros. Fez-me sinal para entrar quando o som que alertava para ‘destrancado’ fez-se ouvir. Obedeci, embora tenha olhado uma última vez para o interior do restaurante. E lá estava. Atrás das portas de vidro, Ruben permanecia meio escondido, e também indecifrável. Durantes escassos segundos, olhámo-nos até que Ruben decidira, mais uma vez, virar-me costas e ignorar-me. O meu olhar colou-se ao chão até que acabei por entrar e, ao fechar a porta, aninhei-me no banco do pendura. Além de uma profunda irritação, desejava explodir na sua frente, dizer-lhe tudo o que estava a sentir, dizer-lhe que independentemente do que fosse a sua vontade eu iria continuar a ser a mesma de sempre, uma pessoa com sonhos e ideias fixas. Ruben teria de gostar de mim como eu era e não tentar mudar-me à primeira oportunidade.

 Contemplava a cidade na noite enquanto a percorria, velozmente, ao lado de Javi. O silêncio entre nós não era constrangedor, era algo razoavelmente bom. A luz vermelha do semáforo brilhava intensamente, esperávamos que o verde lhe desse lugar, pois neste momento eu ansiava por atravessar a porta que destinava a fronteira do meu apartamento.

 - Entonces, ¿qué pasa? – A voz de Javi rompeu a monotonia da música espanhola que se fazia ouvir, com volume razoável, e que cobria o silêncio. O seu olhar situava-se entre a estrada e eu, e o meu pediu-lhe uma resposta. – Contigo y Ruben.

 - Não sei. – Admiti encolhendo os ombros.

 - Mira, yo sé que no soy Elena ni siquiera otra chica, pero puedes hablar conmigo… Además, ya que todos se dan cuenta que vosotros están molestos.

 - Estamos chateados? Eu não estou chateada com ninguém, pelo menos não estava até há dez minutos atrás…

 - ¿Y si me contases lo que pasó? – Insistiu.

 - Como é que eu sei o que se passou? O Ruben está assim desde que lhe disse que ia ver o jogo de hoje.

 - ¿Qué? Pero él comento con nosotros que quería que tú fueses ver los juegos. Por él, estabas siempre allí, con nosotros.

 - Pois, mas parece que não gostou muito que eu fosse com as minhas amigas…

 - ¿Estás segura de que él está molesto por eso?

 - Não, eu sei que o problema não foi esse… Ele queria que eu fosse para os camarotes, mas eu não gosto! Nunca vi nenhum jogo em nenhum, é um facto, mas eu gosto de vibrar como uma pessoa normal. Aliás, aposto que dentro daquelas paredes é tudo muito mais calmo e eu não gosto disso. Mas enfim, parece que as bancadas são perigosas… - Disse com um certo tom de ironia e sarcasmo.

 - ¡Y tiene razón! Un juego así es muy peligroso.

 - Mas eu fui com amigas, tinha combinado ir com elas e assim sendo não as iria deixar! Sei que estes jogos nunca são de ambiente fácil, não foi a primeira vez que fui a um, e não é agora que namoro com alguém que vive nesse mundo que o que eu faço vai mudar!

 - Él pasó todo el juego preocupado contigo, tienes que entenderlo.

 - Eu compreendo-o.

 - Entonces, ¿por qué no hacer la paz?

 - Tu viste o desprezo com que ele me tratou no jantar? O Ruben nem me tinha convidado para ir com ele! Provavelmente só me levou porque fiquei à espera dele. – Desabafei.

 - No digas eso. Ruben te ama. – Na verdade, eu sabia que isto, acima de tudo, era verdade, ou pelo menos acreditava que sim.

 - Achas mesmo?

 - No tengo ninguna duda. – Suspirei.

 - Acho que tens razão…

 Depois de mais uma curta troca de palavras, indiquei a Javi qual era o meu prédio e nos escassos segundos até o carro parar em frente à porta principal o silêncio voltou a imperar. Ganhei coragem para enfrentar o gélido ar que percorria a cidade, agradeci a Javi e, depois de ouvir os seus concelhos e palavras de coragem para que ficasse bem com Ruben, deixei-o seguir caminho para que, o mais rapidamente possível, voltasse para perto da sua namorada.

 Na verdade, era mesmo isso que eu queria. Estar perto de Ruben. Ao subir os lances de escadas até ao meu andar, embora já automaticamente, imagens de momentos passavam na minha mente, e um enorme sorriso me ia crescendo nos lábios. Recordava os finais de tarde em que enquanto eu estava mergulhada nos livros e trabalhos da faculdade, Ruben dormitava serenamente ao meu lado, adorava ficar a admirá-lo uma vez mais, e as noites em que me aninhava no seu peito definido, como era bom acordar com ele ao meu lado…

 Voltei a acordar para a realidade, entrei no meu lar e, seguramente, depois de cumprida a habitual rotina, a meta seria a minha cama. Sentia-me esgotada e talvez um pouco arrependida por me ter vindo embora, mas agora já era demasiado tarde para voltar.

 Passei a escova pelo cabelo, de modo a desfazer a trança lateral que me apanhava todo o cabelo e, depois de ter o pijama vestido, a campainha soou. Olhei pelo óculo inserido na porta e vislumbrei a pessoa que, naquele momento, parecia não fazer parte do cenário. De cabeça baixa, o seu olhar preso no chão, esperava por uma resposta da minha parte. A minha mão fez com que o trinco deslizasse e, lentamente, abri a porta. Encostei-me à parede para que o visitante pudesse entrar. Num lapise, os seus braços rodearam a minha cintura, ficando colada ao eu tronco e senti a fria parede atrás de mim. Os seus lábios procuravam os meus com uma certa violência partilhada pelo desejo, pela necessidade e, claro, pelo sentimento. As nossas línguas depressa entraram numa dança harmoniosa, os nossos corpos colavam-se mais, mais e mais…

 Senti a oportunidade de o parar quando os seus lábios deixaram os meus e seguiram, através do meu pescoço, em direção ao decote da camisola do pijama. As suas mãos agarravam firmemente os meus glúteos e coxas. Pousei as minhas mãos no seu tronco e afastei-o contra a sua vontade, não por muito tempo, pois escassos segundos depois envolveu-me um abraço forte e repleto de saudade.

 - Madalena. - Sussurrou-me ao ouvido. - Amo-te.


sexta-feira, 2 de março de 2012

36º Capítulo: Clássico

 Alguns dias passaram desde o dia em que conhecera a mãe de Ruben. Aparentemente, entre nós, estava tudo a correr bem, ambos tentávamos conciliar as minhas aulas da universidade com os seus treinos e jogos, o que não era nada fácil, pois, principalmente no caso de Ruben, o seu emprego levava-o a um enorme desgaste físico. Eu, como sempre fizera, dedicava-me maioritariamente aos meus estudos, ainda assim tinha tempo para me dedicar às minhas amigas e aos amigos de Ruben, e a este também, como é óbvio.

 Hoje, o Estádio da Luz prometia encher. Maria, Joana, Sofia tinham dedicado os dias anteriores a chatearem-me para que as acompanhasse ao clássico – SL Benfica vs FC Porto. Sem dúvida seria um grande jogo, mas não era, de todo, um jogo que eu insistisse em ver ao vivo. No entanto, não me tentei desculpar para não ir, este seria o primeiro jogo que iria ver de Ruben, ao vivo, desde o início do nosso compromisso.

 Ruben nem me perguntara se iria ver o jogo, pois não fui ver nenhum outro, embora soubesse que as namoradas e esposas dos seus companheiros de equipa estivessem lá todas. No dia anterior ao jogo, depois de terminar as aulas da tarde, fiz um considerável desvio e encontrei Ruben em sua casa. Enquanto Ruben preparava o seu jantar, e eu ajudava, pois o jeito para a culinária não era o forte dele, falávamos do importante jogo que se realizaria no dia seguinte, aproveitei a ocasião para lhe anunciar que também iria ver.

 - Amanhã acho que não vai dar para estarmos juntos. – Declarou enquanto, lentamente, cortava os ingredientes para a salada que iria acompanhar o prato principal.

 - Se quiseres eu espero por ti… - Ruben largou o que estava a fazer e voltou-se para mim, que atrás de si me concentrava em fazer um bom prato. – Eu vou ver o jogo. – Anunciei.

 - Vais? Não sabia. Podias ter avisado antes, agora é difícil arranjar-te convite para os camarotes.

 - Eu não vou para os camarotes, já comprei o bilhete.

 - Tu estás a pensar em ficar nas bancadas? Sabes qual é o risco do jogo? – A sua expressão ficara ligeiramente mais carregada e o seu tom de voz subira vários tons.

 - Oh Ruben, se quisesse ver um jogo afastada da confusão ficava em casa. E não é a primeira vez!

 - Qual é o problema em ficares nos camarotes? Elas também lá estão.

 - E qual é o problema de eu ficar nas bancadas? Eu não vou ficar sozinha, a Maria, a Joana e a Sofia também vão. – Insisti.

 - E pensas que só por estares acompanhada por mais três mulheres que não te vão fazer mal?

 - Eu conheço os riscos e já te disse que não é a primeira vez. Se me acontecer alguma coisa, podes dizer “Eu avisei-te”. – Aproximei-me dele na esperança de suavizar o ambiente, pousei as mãos nos seus antebraços e encostei os meus lábios aos seus.

 - Madalena, por favor. – Pediu um pouco mais sereno, por conseguinte, o ambiente ficara também um pouco mais calmo.

 - Ruben, eu vou. – Garanti-lhe pela última vez. Deixei de sentir os seus antebraços por debaixo das minhas mãos, dera novamente meia volta de modo a ficar de costas para mim e continuou a cortar os ingredientes. Aproximei-me mais uma vez, juntei-me às suas costas e pousei o queixo no seu ombro. – Ruben…

 - Diz.

 - Ruben…

 - Diz! – As suas curtas palavras saiam como tiros, ríspidos. Voltei a afastar-me dele.

 - Acho que já não precisas de mim. Boa sorte para o jogo de amanhã. – Saí da cozinha, peguei na mala que permaneciam em cima do sofá da sala de estar e caminhei rapidamente até à porta.

 - Madalena! – Ruben chamava-me um pouco atrás de mim. Olhei-o pela última vez, dei-lhe um suave e curto beijo nos lábios. Sob o seu olhar atento, atravessei as suas fronteiras e fechei a porta atrás de mim.



***



 As filas de espera já era intermináveis e o estádio tinha aberto as portas há poucos minutos. Ruben nada me havia dito desde o dia anterior. Depois de aproximadamente uma hora à espera do apito inicial este, finalmente, fez-se ouvir. Ruben, fora a novidade no onze inicial, teria agora a sua primeira oportunidade de mostrar o que valia para que pudesse integrar nas escolhas do selecionador da Seleção Portuguesa de Futebol e também nas escolhas do atual treinador benfiquista para poder fazer outros jogos desde o início.

 Na verdade, a primeira parte do clássico estava a ser demasiado renhida, tudo continuava em aberto e, embora não apoiasse nenhuma das equipas, o facto de o Benfica estar a jogar em casa poderia ser bastante vantajoso. Estava na esperança de Ruben dar o tudo-por-tudo durante a primeira parte, pois na segunda poderia ser alvo de substituição, mas isso não estava a acontecer. Aliás, durante esta parte não faltaram tentativas de golo de ambas as partes, embora as bolas fossem parar aos postes ou às barras, ou então não entravam graças aos bons guarda-redes.

 O intervalo acabara de ser assinalado pelo árbitro principal. A caminho dos balneários, Ruben percorreu rapidamente, com o olhar, as zonas onde os adeptos benfiquistas estavam mais concentrados. Por impossível que pareça, acabou por me localizar no meio de tantos adeptos que lotavam o estádio. Provavelmente os adeptos que estavam à minha volta não puderam concluir que ele estava a olhar para aquela zona, pois o camarote onde Ruben tanto insistira para eu ficar, ficava na mesma zona embora um pouco mais acima.

 - O Ruben está a olhar para aqui. – Confirmou-me Sofia em segredo, embora os nossos olhares estivessem fixados num no outro. – Passou-se alguma coisa?

 - Nada que não lhe passe… - Respondi-lhe.

 - Então passou-se algo…

 - Sim. – Assenti. – Ele queria que eu visse o jogo dos camarotes, não gostou muito da ideia de vir para aqui…

 - O quê? Dos camarotes? Ver um espetáculo destes lá em cima deve ser pior do que ir ao circo. – Entretanto Ruben entrou para os balneários com os restantes colegas para preparar a segunda parte. – Ele devia era ficar contente por vires, sinceramente, nunca te vi aceitares vir à Luz assim tão facilmente!

 - Talvez ele não me conheça bem o suficiente…

 - Talvez. – Sofia, ao contrário de Maria, nunca insistia num assunto quando percebia que não queríamos continuar a falar dele. Neste caso, não queria porque não havia nada para falar, Ruben apenas mostrara que se preocupava comigo, achava e acreditava eu, que esse fosse o motivo.

 Quinze minutos rapidamente passaram. Ruben voltara a olhar na minha direção e, desta vez, exibi-lhe um enorme sorriso entre os gritos e assobios dos adeptos fanáticos, esperava que Ruben o conseguisse ver…

 Poucos minutos depois e… GOOOOOOOLO! Festejei, não demasiado, isto de festejar com o adversário ia contra a minha natureza, pois para mim, o eterno rival do clube encarnado era, mais ou menos, a minha religião. Ruben ganhara a bola, depois de deixar para trás não um, mas dois adversários, num passe certeiro coloca a bola nos pés de Pablo Aimar que acaba por colocá-la no fundo das redes, sem grandes hipóteses de defesa para o guarda-redes da equipa adversária. Ruben finalmente começou a dar mais de si, e os seus companheiros agradeciam. Os adeptos, também eles, vibraram, gritaram, cantaram, saltaram, levaram o estádio ao rubro. Em contrapartida, os adeptos do Porto insultavam ao da casa, palavras ofensivas e insultuosas faziam-se ouvir, rapidamente o estádio se tornou num campo de batalha.

 Tanto os jogadores como as equipas técnicas lançavam preocupados olhares para as bancadas, a alma lusa era assim mesmo, fazia-nos crer num clube, segui-lo como uma religião, vivê-lo ao máximo, o que por vezes e, especialmente neste caso, poderia causar alguns danos. Constantemente, quando o jogo o permitia, Ruben desviava o olhar para mim, não o queria preocupado, queria-o sim concentrado naquilo que era importante. O tempo avançava e a euforia aumentava até à loucura.

 Entrámos nos minutos de compensação, a saída do estádio adivinhava-se extremamente demorada, assim, decidi esperar por Ruben junto à saída do parque de estacionamento com acesso restrito a membros do clube, deixando as minhas três amigas no estádio, pois o jogo ainda não tinha terminado, mas também não restavam muitas esperanças para a alteração do resultado. Demorei um pouco de tempo a conseguir passar pelas barreiras policiais e pelas imensas pessoas que seguiram uma linha de raciocínio semelhante à minha. Não conhecia assim tão bem o estádio, o que também dificultou, mas quando cheguei ao meu destino ainda nenhum dos jogadores tinha saído. Pouco tempo depois começaram a sair os primeiros, entre eles, Javi Garcia e a sua namorada Elena. À saída do parque pararam o carro mesmo na minha frente, perguntei-lhe pelo Ruben que supostamente já não devia demorar.

 Ao longe, o já conhecido veículo de Ruben avançava direito à saída. Tal como Javi, ele também parou à minha frente.

 - O que estás aqui a fazer?

 - À tua espera. Ainda estou inteira… - Confessei em ar de brincadeira, à qual Ruben parecia não estar a achar muita piada.

 - Entra. – As portas destrancaram-se automaticamente, ocupei o lugar ao lado do condutor e seguimos viagem em silêncio, diretos a uma daquelas noites famosas do clube encarnado: o festejo da vitória sob os azuis e brancos. Percebi que nunca tinha sido convidada por Ruben, na verdade, o objetivo era mesmo não ir àquele festejo, pois a intenção de Ruben era não me levar.