“O amor é grande e cabe nesta janela sobre o mar. O mar é grande e cabe na cama e no colchão de amar. O amor é grande e cabe no breve espaço de beijar.” (Carlos Drummond de Andrade)
A melhor parte da distância? O
reencontro. E tal como eu, Ruben também o sabia. Os nossos olhares diziam tudo
o que ficara por dizer ao longo de vários dias, eram o espelho da alma e também
do coração que, naquele momento, cada batimento assemelhava-se a uma bofetada,
não doía, era uma das melhores sensações do mundo. O meu estômago libertava
borboletas, em grande quantidade, nunca sentira nada assim, tão forte, em
qualquer outro momento da minha vida. O que se pode chamar a toda esta
telepatia, a todo o sentimento que se havia apoderado de nós? Amor. Tudo aquilo
que fortemente nos unia chamava-se amor.
Todo o meu corpo, o meu ser,
estava em fogo por voltar a sentir as suas formas, sentir o seu cheiro, a sua
voz e o seu riso que ecoava dentro da minha cabeça. O meu corpo desejava o seu,
a minha alma desejava a sua, podia admitir isso, mas, por agora, tê-lo nos meus
braços, embora não fosse suficiente, era tudo o que podia permitir. Pousei as
mãos no seu peito, conseguir sentir os batimentos do seu coração, enquanto os
seus braços rodeavam a minha cintura.
Talvez tenham passado segundos,
talvez minutos. Nenhuma palavra fora pronunciada até então, facto que Ruben
invalidou.
- Por quê? – A voz de Ruben
mostrava a desilusão, a mágoa que sentia em relação a mim. Era tudo o que eu não
queria, e saber que Ruben, como era de esperar, estava magoado comigo magoava-me.
Naquele momento, sentia que não passava de um animal muito pequenino, que se
visse um buraco escondia-se muito depressa. Mas não vi nenhum, limitei-me a
baixar a cabeça para não ter de o encarar, porque neste momento sentia
vergonha. – Por que é que tinhas de estragar tudo, Madalena? – Afastámo-nos, as
minhas mãos já não permaneciam no seu peito, nem os seus braços me rodeavam. Pensei
que fosse mais doloroso quando estava sozinha, mas agora, frente a Ruben, era impossível
não me sentir a pior pessoa do mundo. E, com este sentimento, pequenas lágrimas
teimavam em formar-se. Graças à diferença de alturas, Ruben não as conseguiria
ver.
- Desculpa. Eu… eu não devia
ter vindo até aqui. – Tímidos soluços acompanhavam as lágrimas que, agora,
corriam com mais intensidade. Talvez se fosse embora agora ele não percebesse. Dei
meia volta sem o olhar e, decidida a dar o primeiro passo, Ruben impediu
qualquer movimento meu. Talvez percebera que eu chorava, pois abraçou-me
novamente, reconfortando-me como só ele sabia fazer. – Desculpa Ruben, eu não
te queria fazer sofrer. Eu nunca me devia ter aproximado de ti, nunca te devia
ter conhecido.
- Estás arrependida? Estás arrependida
de tudo o que passámos juntos?
- Não, não estou.
- Não estás? Tudo o que dizes
faz-me acreditar precisamente no contrário.
- Eu não estou arrependida. De
nada! Mas não quero achar isto certo, eu não devia achar isto certo.
- Então, por que me deixaste?
Por quê, Madalena? Com um telefonema! Sabes como me senti quando ouvi que já
não querias estar comigo? Quando poucas horas antes dizias que me amavas. Nem
foste capaz de falar comigo. Tu não tinhas o direito de acabar comigo desta
forma! – O sofrimento de Ruben estava-me a deixar louca, estava-me a matar por
dentro.
- Ruben, eu…
- Como pudeste ser tão cobarde,
Madalena?
Senti que o meu limite estava
prestes a ser atingido. Quantas acusações somos capazes de suportar, mesmo
sabendo que os caminhos a seguir não são por nós destinados? Quantos pedidos de
desculpas seriam ignorados até que as mesmas dolorosas acusações terminassem? E
as feridas, quantas feridas seriam abertas? Seria eu assim tão má pessoa?
- Desculpa Ruben, já te pedi
mil desculpas. Por favor, para!
- És fraca, Madalena, és uma
cobar…
- Ruben, chega! – Gritei,
interrompendo-o. – Estás a tentar magoar-me e está a resultar! Mas eu não vou
admitir que me insultes, não vou admitir que me julgues! Nós não podíamos continuar
juntos. E sabes por quê? Já paraste um bocado para pensar nos meus motivos? Porque
sou um cobarde, sim, tens razão, porque não fui capaz de fazer frente ao meu
pai, porque ele é meu pai e eu amo-o! E acima de tudo, porque amo o meu irmão.
Sim, Ruben, eu sou uma cobarde! – Sentia a minha cara a arder, os olhos doíam-me
com a fúria.
Ruben nada dissera, abriu a
porta do lado do condutor mas não chegou a entrar, fechando-a com demasiada
força. Os seus lábios húmidos e doces entraram em contacto com os meus. Senti
um arrepio que percorreu todo o meu corpo, por momentos, fiquei sem reação, já
tinha perdido todas as esperanças de o voltar a sentir desta forma. A minha
cabeça ficara barulhenta com a sua voz, com o seu sorriso, com ele por
completo, senti uma leveza, talvez se não sentisse os lábios de Ruben contra os
meus diria que já não estaria no meu próprio corpo. Sabia que tinha de o
afastar, só faltava a coragem para o fazer. Não queria fugir novamente, naquele
momento, era a pior palavra que podia ouvir ou pensar. Mas não me podia render
àquela vontade de o ter.
Fui eu que me afastei vários centímetros,
fui eu que nos separei novamente. Estremecia só de pensar que tinha de ir
embora, não porque queria, mas porque era uma ordem à qual tinha de obedecer. Talvez
eu conseguisse cair num sono profundo, onde, com o tempo, a sua imagem se
desvanecesse da minha mente, talvez um dia fosse possível passar por ele e não
sentir nada. Talvez, mas eu sabia que estava errada, um amor tão forte não se
esquece, talvez Ruben o conseguisse fazer, mas eu não, era forte, embora não o
suficiente. Tinha de gravar a sua imagem na minha memória, o seu cabelo
castanho que dançava ao sabor do vento, os seus olhos, o seu corpo esbelta, a
sua voz, o seu sorriso, a sua gargalhada. Em tempos, tudo isto me pertencera,
agora já não.
- Não me deixes. – Ruben sussurrava
ao meu ouvido. O meu coração estava pequeno, bem pequenino, a situação de “animal
pequenino” voltara a crescer, incontrolavelmente, e por breves momentos, ouvi
um grito dentro de mim, um grito de desespero. – Amor, não me deixes. – Tudo o
que consegui foi abanar a cabeça, da esquerda para a direita, várias vezes. –
Nós podemos ficar juntos, o teu pai está longe, ele não iria saber.
- Isso não está certo. Por
quanto tempo teria eu de te esconder? Eu não quero isso, não te posso pedir
isso.
- Era só até…
- Até quando? Até o meu pai
esquecer que tu existes? Até ele mudar de ideias? Isso não vai acontecer. –
Ruben estava cabisbaixo e eu odiava vê-lo assim. – Ruben, amo-te, está bem? Eu
amo-te.
- Então luta por esse amor.
Prova-me que ele existe e que não são só palavras!
- Não posso! Mas nunca duvides
do que eu sinto por ti, porque é verdadeiro!
- E agora? Vais-te embora,
outra vez? – A mágoa na voz de Ruben era quase palpável. Talvez fosse melhor
assim.
- Eu vou sempre estar aqui, só
não podemos estar juntos.
O momento tinha chegado. Antes
de entrar num choro compulsivo, que os batimentos do meu coração começavam a
denunciar, tinha de lhe virar as costas, enquanto as lágrimas ainda caiam
compassadamente. Estremecia só de pensar que não haveria um último beijo, um
último toque, que deixava para trás o homem da minha vida, mais uma vez.
Caminhei o mais depressa possível na direção contrária à sua presença,
voltei-me várias vezes para trás com o objetivo de o ver abalar, mas Ruben
continuava para do no mesmo sítio, insistia em ver-me fugir.
Apenas o rio permanecia comigo neste momento, o que achava certo agora não fazia sentido, sentia-me vazia, com um enorme buraco no peito. Fisicamente, Ruben poderia não estar longe nem perto, simplesmente não estava, mas no meu coração, a história era bem diferente.
Apenas o rio permanecia comigo neste momento, o que achava certo agora não fazia sentido, sentia-me vazia, com um enorme buraco no peito. Fisicamente, Ruben poderia não estar longe nem perto, simplesmente não estava, mas no meu coração, a história era bem diferente.