quinta-feira, 17 de maio de 2012

42º Capítulo: Tempo de desistir (Parte I)





 Em dias, algo distantes, lera, num dos tantos livros que se acumulavam na sala de estar, cujas páginas já soltavam um aroma doce e, com o passar do tempo, se tornavam cada vez mais amarelas: “Namoro é quando não se tem certeza absoluta de nada, a cada dia um segredo é revelado, brotam informações novas de onde menos se espera. De manhã, um silêncio inquietante. À tarde, um mal-entendido. À noite, um torpedo reconciliador e uma declaração de amor. Namoro é teste, é amostra, é ensaio e, por isso, a dedicação é intensa, a sedução é ininterrupta, os minutos são contados, os meses são comemorados, a vontade de surpreender não cessa – e é a única relação que dá o devido espaço para a saudade, que é fermento e afrodisíaco. Depois de passar os dias vendo-se só de vez em quando, viajar para um fim de semana juntos vira o céu na Terra: nunca uma sexta-feira nasce tão aguardada, numa uma segunda-feira é enfrentada com tanta leveza”.




 A desilusão que tivera nessa manhã e o receio com que passara a encarar a dia seguinte, desde que o meu pai me fizera o ultimato, desligaram o meu corpo e a minha alma do mundo. Ao som da voz da Natureza, os pensamentos divagavam para muito longe, corriam ao encontro de um alguém que se encontrava a mais de 100 quilómetros de distância, embora ainda houvesse tentado contê-los.

 Sabia ter chegado o momento de fazer o exame de consciência, talvez descobrisse as razões que teriam levado meu pai a tomar tal decisão e a falta de força que eu tivera para não conseguir levá-lo a mudar de ideias. Porém, em vez da alma, examinei o coração. Como poderia deixar Ruben, se só o facto de pensar em fazê-lo me causava uma enorme e angustiante dor? Como poderia virar costas àqueles que tanto amava? Quaisquer das limitadas soluções sugeriam que perderia pessoas importantes, demasiado importantes para serem afastadas da minha vida, pois, certamente, chegariam alturas em que me iria arrepender da escolha feita, quer escolhesse a família ou o amor que me unia a Ruben. E, desta vez, a culpa nem tinha sido minha.

 A memória transportava-me, através do tempo, àqueles momentos em que o surpreendera com simples palavras, com simples olhares, que normalmente sabiam velar tão bem os pensamentos que me atormentavam a alma, embora fossem poucos os seres de coração latejante que fossem dotados o suficiente para quebrar o selo e chegar à parte incorporal mais profunda dentro do próprio corpo – a alma.

 Estendida sobre a flora, envolta na claridade de uma tarde primaveril, imaginava a expressão de felicidade estampada no rosto de Ruben quando, na próxima vez em que estivesse com ele, soltasse mais um sentido ‘amo-te’. Por momentos, imaginei-me, mais uma vez, nos seus braços. O que nunca me tinham dito era que o desejo e o êxito eram duas coisas diferentes e a experiência da vida ainda não me ensinara que a vitória nem sempre cabe aos mais arrojados.




 Onde horas da noite. Estava uma noite excessivamente fria, mas isso não era motivo para que a lua não brilhasse, no alto firmamento. E brilhava, com grande intensidade, acompanhada das estrelas que, um dia, há muitos anos atrás, foram o passaporte para o novo mundo. A luz prateada reflectia-se nas altas folhas verdes de cada árvore, nos rebentos verdejantes que cobriam todo o chão e, salvo nas grandes pedras que se encontravam ao longo do percurso da ribeira, a água brilhava ao refletir aquele magnifico corpo celestial como um espelho.

 Eram horas de regressar a casa, à casa que já não tinha como minha, ao reencontro de alguém que, neste momento, tinha, na minha mente, como uma profunda desilusão. Mas não me podia permitir pensar isto do meu pai, afinal, aquele senhor era a minha entidade paternal mais próxima, era a ele a pessoa a quem eu devia respeito. Mas será que ele me havia respeitado a mim? Não, esta não era uma questão para a qual eu quisesse uma resposta.

 Teria de regressar com Zeus até à quinta, teria de regressar a casa, teria de passar pelo quarto onde o meu irmão dormia sem ter coragem de entrar para o aconchegar, de o envolver nos meus braços ou de simplesmente vê-lo dormir, sem ter coragem de fazer uma escolha, teria de regressar àquele que, em tempos, fora o meu quarto e passar as próximas horas sozinha, numa luta constante com os olhos que teimavam em manter-se abertos, enquanto a minha vontade era cerrá-los para que pudesse sonhar que tudo teria sido sonho, para que, de manhã, ao acordar, percebesse que tudo não passara de um pesadelo.



***



 Aquele aparelho tecnológico, hoje indispensável, já contava com algumas chamadas não atendidas. Ruben. Ruben, era a pessoa a quem estava associada a palavra ‘Amor’ que aparecia no ecrã tátil. O que faria se ele me tornasse a ligar? Como lhe poderia dizer que tudo tinha terminado? Como poderia estragar a sua felicidade, pois, neste momento, certamente, estaria a festejar mais uma vitória com o plantel encarnado? Era uma cobarde.

 A água quente corria sobre o meu corpo gelado. Durante largos minutos, tentei relaxar os músculos mas o frio e o medo, que se haviam apoderado de mim, não o permitiram. Na verdade, em desespero, tentara prolongar o duche ao máximo, deixara-me ficar debaixo de água mesmo quando os procedimentos naturais já estavam realizados, a pele já mostrava os seus sinais, ficava encarquilhada com o alongar dos minutos, especialmente a dos dedos. Afinal, há quem diga que a água lava tudo. Infelizmente, nem tudo.

 «A drop in the ocean/ A change in the weather/ I was praying/ That you and me/ Might end up together/ It’s like wishing for rain/ As I stand in the desert…» - Uma luz brilhante, algures no centro da cama, fizera-se acompanhar pela melodia que se designava a anunciar a chegada de uma nova chamada. Já com a roupa com que iria dormir vestida, corri, embora a distância fosse apenas de dois passos, ao encontro do som que se fazia ouvir alto demais. Por momentos, desejei que fosse Ruben só para poder ouvir a sua voz uma última vez, no entanto, outra pessoa esperava, do outro lado, uma reação minha. Com o telemóvel perto do ouvido, atendi a chamada e continuei no silêncio que me acompanhava há largas horas.

 - Madalena? – Uma voz conhecida chamava por mim.

 - Sim? – Respondi com pouca clareza. Neste momento, o meu coração acelerou, a minha cabeça premiou-me com uma imensa dor, por debaixo das pálpebras formavam-se pequenas lágrimas que, segundos mais tarde, escorreriam grandes e gordas, deixando rasto no meu rosto cansado.

 - Chica, ¿qué pasa? Ruben está preocupado por ti, te ha llamado durante todo el día. – Repreendeu-me.

 - Eu sei, mas não tenho estado com o telemóvel. – Tentava controlar-me, era uma missão difícil, contudo, para ajudar, respirava fundo. Enchia, silenciosamente, os pulmões de ar, para depois, quando o expulsasse, todo o peito se envolvesse num agitar insuportável e aí, voltaria a repetir tudo novamente.

 - Espera un segundo, voy llamarlo.

 - Não! – Quase gritei, mas depressa selei os lábios. Numa atitude quase infantil, tive medo de que o meu pai viesse ao quarto procurando saber porque e com quem estaria eu a gritar. – Não vás, por favor! – Pedi, num tom de voz mais moderado.

 - ¿Por qué no?

 - Javi, eu não posso… eu… - Gaguejava enquanto as lágrimas começavam a percorrer o meu rosto descontroladamente.

 - Madalena, ¿estás bien? ¿Estás llorando?

 - Não, não estou bem. – Admiti. – O meu pai… ele… ele não quer… - Do outro lado do Tejo, Javi soltava palavras como “calma”, para que fosse capaz de construir uma frase com sentido. Era difícil, durante largas horas apenas havia pensado mas, ao verbalizar, tudo ficava muito mais complexo, mais doloroso. – Entre mim e o Ruben não pode existir nada, Javi, nada. - Consegui, por fim, dizer.

 - ¿Nada? Ruben va a…

 - Eu tive de escolher entre o Ruben e a minha família. Eu… eu sou fraca, cobarde. O meu pai ganhou, Javi. E eu não os consigo abandonar… E não quero…

 - ¿Y Ruben? ¿Dónde está en medio de todo? ¿Y tu padre, que tiene que ver con tu vida?

 - O meu pai é o meu pai, ele ameaçou-me com o meu irmão! O Ruben segue com a vida dele, como se nunca me tivesse conhecido. Um dia, ele encontrará alguém que o faça feliz, alguém que o possa fazer feliz.

 - Pero, ahora, quien o hace feliz eres tu. – Javi não precisava de falar muito comigo, na verdade, duas palavras bastavam para dizer tudo, pois este jogador espanhol sabia fazer as perguntas para as quais eu não tinha resposta nos momentos mais apropriados. - ¿Y cuando le dices?

 - Não digo… Eu não sou capaz.

 - Ruben me está mirando, tengo de ir. Pero, Madalena, el amor es todo. – Javi não precisou de dizer mais nada e eu não precisei de responder. Aos seus olhos, sabia que estava a cometer um erro, ou melhor, vários erros. Também sabia que me iria arrepender, quando, num futuro próximo, visse o meu mundo nos braços de outra pessoa, uma pessoa que não tivesse medo de arriscar, e aí teria de assistir ao desmoronar do meu coração, na primeira fila. Despedimo-nos em breves palavras, nada mais seria preciso dizer. Sabia que Ruben contava com bons amigos, um deles Javi, que certamente lhe contaria o que eu não era capaz.

 Era tempo de desistir.


terça-feira, 1 de maio de 2012

41º Capítulo: Mundos




 Uma leve e fresca brisa fazia-se sentir junto ao meu ouvido. Uma brisa suave e infantil que partia de uns lábios sorridentes em contraste com a maravilhosa pele de bebé, também ela suave, frágil. Sabia que os seus olhos estavam pousados em mim, ansiosos, conseguia senti-lo e, os seus pequenos braços, apoiados no sofá, faziam pressão sobre este, onde eu permanecera longas horas deitada depois do desejado regresso à casa situada na pequena localidade do interior alentejano, que me vira crescer. Uma doce gargalhada interrompeu o silêncio e, com ela a brisa aumentou de intensidade, quando senti algo pesado pousar nas minhas pernas, até então tapadas com velho cobertor que um dia pertencera à minha querida e amada avó, nos seus tempos de juventude.

 Deveria ter força para abrir os olhos mais cedo do que o meu corpo permitia, deveria olhar, finalmente, aquela pequena figura que, pacientemente, esperava que acordasse, também para aquela que me fora oferecida e que eu, tal como a primeira, amava incondicionalmente. Pequenos fios de cabelo impediam a visão completa, mas foi o bastante para relembrar o quão bom era voltar a casa, poder descobrir e admirar as diferenças proporcionadas pelo crescimento constante daquela criança que, só por existir me fazia feliz.

 Naoni, a grande e bonita cadela que me havia sido oferecida, percebeu que me queria levantar, mas não permitiu que a ignorasse nem que lhe desse menos atenção do que a que merecia. Artur, o meu único irmão, com apenas dois anos de idade, depressa se deixou domar pelos meus braços, e os seus, ainda pequeninos, limitavam os movimentos do meu pescoço, num abraço apertado. Eram estes pequenos seres que me completavam e, embora racional ou irracionalmente, eles sabiam disso.

 Do exterior da grande sala de estar, um inconfundível cheiro chegava até mim. Mesmo sem ver o que estava confeccionado arriscava-me a tentar adivinhar. Panquecas, chocolate quente, croissants, sumos naturais de frutas típicas da região. Sabia que tudo isto me esperava em cima da grande mesa da sala de jantar. Artur fez questão de me fazer companhia enquanto eu me deliciava com tudo o que a minha mãe havia preparado para mim. O pequenino estava eufórico, contava-me todas as suas novidades e segredos muito rapidamente, desde a menina nova que tinha entrado para a sua sala do infantário, que gostava de brincar na cozinha da casinha que nessa mesma sala tinham construído e que, só por saber o seu nome, já dizia ser seu namorado, até ao novo brinquedo que o pequeno João tinha recebido no seu mais recente aniversário.

 Através das janelas da sala de jantar, podia observar a minha progenitora. Dedicava-se à jardinagem. Com um enorme e lindo sorriso no rosto cantarolava, o contacto com natureza é algo único, e ela não lhe era indiferente. Acariciava, delicadamente, cada pétala. Para si, cada flor, cada folha, era única. Felizmente, o gosto, aliás, a paixão pela natureza era algo que tinha herdado dela. E do meu pai, o gosto pelos animais. De ambos, a adoração do campo. Se assim era, ainda me pergunto: como me tinha conseguido habituar à vida de uma grande cidade? É certo que, quando se vive toda a infância e adolescência no interior do país, viver na cidade é algo mais parecido com um sonho. Um sonho que nunca supera as altas expetativas…

 - Mãe. – Chamei ao sair da casa pela porta principal, que dava acesso ao jardim frontal.

 - Minha filha. – Deixou as respetivas ‘ferramentas’ próprias para a jardinagem e tomou as minhas mãos nas suas. Mostrei-lhe um sorriso. Na verdade, queria poder contar-lhe que estava com Ruben. Não sabia se era o momento certo e muito menos sabia se deveria dizer já que o Ruben era o mesmo Ruben, jogador de futebol, que todos conheciam.

 - Mãe, eu tenho algo para lhe dizer. A si e ao pai. – Olhei para todo o jardim, na esperança de o encontrar. – Ele está em casa?

 - Não, minha filha, o teu pai está na quinta, só deve voltar ao pôr-do-sol. Mas sabes que podes ir ter com ele. – Por momentos fiquei sem nada dizer. Sabia que tinha de anunciar o que se estava a passar, não só pelo Ruben ou por mim, mas sim pelo nós e, acima de tudo, pelos últimos acontecimentos que ainda estavam frescos na minha memória e no meu coração. Se não podia ser com os dois ao mesmo tempo, seria individualmente. – Minha querida, o que tens para nos contar? – Artur permanecia agarrado às minhas pernas e, para meu espanto, isso dava-me força para continuar.

 - Mãe, importa-se de me acompanhar? – Conduzi-a até ao banco de baloiço onde, durante a minha infância tantas vezes adormeci. Agora, com o meu pequeno irmão no colo, tudo se tornava mais fácil. – Mãe, peço desculpa por não ter contado antes, mas é algo recente. Eu tenho um namorado e… - Neste preciso momento, Artur saltou do meu colo e correu para dentro de casa. Como era possível que, com aquela pequena idade, compreendesse coisas como namorar? Sabia que ele tinha ficado triste mas, no fundo, ele sabia que, acima de tudo, eu o amava, esperava eu que ele soubesse…

 - Desculpa filha, eu tenho de ir ver do teu irmão. – Desculpou-se, sem me olhar, de modo a não o perder de vista. – Mas parabéns minha filha, tenho a certeza que ele é uma excelente pessoa. – Será que iria dizer o mesmo quando tivesse oportunidade de lhe dizer, especificamente, quem era, agora, o dono do meu coração?

 Optei por não os seguir, por mais pequeno que fosse, não tinha coragem de enfrentar o meu irmão agora. Odiava vê-lo chorar, nem que fosse por uma mera birra, na verdade, o sentimento era algo apropriado à velha e já gasta frase: “Parte-me o coração”.

 Subi até ao primeiro andar, ocupado, maioritariamente, pelos quartos. Se o meu pai estava na quinta, talvez me fizesse companhia num passeio a cavalo. Apanhei o cabelo numa larga trança e vesti a roupa que usava sempre que montava aqueles grandiosos animais.








 Apreciei e absorvi tudo o que a natureza me proporcionava durante a curta caminhada de casa até à quinta. Procurei pelo meu pai e lá estava ele. Escovava Zeus, o meu cavalo predileto, na verdade, o nome era o ideal para ele, visto que Zeus era um Deus grego - Rei do Olimpo e dos Deuses -, era mesmo isso que ele era, um rei quando comparado com os restantes cavalos que ali habitavam, era o maior de todos eles, negro como a escuridão. Aproximei-me de ambos.

 - Vai montá-lo? – Perguntei cumprimentando o meu progenitor.

 - Ia, mas já que estás aqui, não queres ser tu? Há tanto tempo que não andas com ele…

 - Claro que quero, pai. Mas, faça-me companhia. – Pedi. Aparelhámos os respetivos animais e estávamos prontos para o longo passeio que se adivinhava pelas planícies alentejanas.

 Era algo totalmente diferente do litoral, a agricultura antiga predominava, as máquinas ainda tinham rendido poucos homens, talvez fosse um dos fatores para que aqueles grandes campos de cultivo fossem tão maravilhosos. As grandes sombras proporcionadas pelas árvores eram apetecíveis, a água que corria nas ribeiras, corria livre, sem pressas e os pássaros cantarolavam, incansavelmente, uma melodia sem igual. Comandados pela nossa vontade, os cavalos andavam, agora, lentamente.

 - Pai, tenho uma coisa para lhe contar. – Rematei. Fixei o horizonte e continuei. – Eu conheci uma pessoa e…

 - Um namorado? – Interrompeu-me, perspicaz. Um sorriso cresceu-lhe nos lábios e, automaticamente, os meus imitaram o gesto.

 - Uh… Sim. – Envergonhada, com o calor nas faces a crescer e, por consequência, a seu vermelho a ficar mais intenso, admiti.

 - Diz-me que arranjaste um benfiquista! – Literalmente, queria poder responder-lhe. Era literalmente um benfiquista. A sua fixação e, acima de tudo, paixão, amor, pelo clube era algo que me divertia.

 - Sim, pai, é. Mas…

 - Finalmente, ganhaste juízo! – Interrompeu-me. – Quero conhecer o rapaz. Na próxima vez que aqui vieres, trá-lo cá. – Sorriu-me mais uma vez. – Mas vá, conta-me lá, como se chama, o que faz…?

 - Chama-se Ruben. – Respondi, sempre na esperança que o senhor associasse o nome à pessoa em questão.

 - Trabalha?

 - Sim.

 - Então faz o quê?

 - É jogador de futebol. – Respondi a medo. Por momentos as suas sobrancelhas uniram-se em sinal de desconfiança, para depois voltarem ao estado normal.

 - Joga em algum clube conhecido? Da terceira ou da segunda divisão?

 - Não, pai, joga na... joga na primeira liga. – Respondi muito a medo. Algo, na minha mente, me dizia para não continuar, mas as cartas estavam lançadas.

 - Na primeira…? Tens a certeza?

 - É o… Ruben…

 - Sim, filha, já sei que se chama Ruben, mas tem apelido?

 - Amorim. – Sussurrei. Várias cores ocuparam o rosto do meu pai. Esperava, ansiosamente, uma resposta, uma atitude, que tardava em chegar.

 - O Ruben… Amorim… do… Benfica? – Gaguejava mas a sua voz, a cada palavra pronunciada, subia vários tons. Limitei-me apenas a mover a cabeça para cima e depois para baixo, uma única vez. – Não, não pode ser!

 - O que se passa?

 - O que se passa, Madalena? O que se passa? Tu endoideceste? Ele é… ele é um jogador de futebol! Ele não pertence ao teu mundo! – Gritava-me.

 - E qual é o meu mundo?

 - Tu não foste criada para te dares com essa gente! – Argumentava furioso.

 - Pai, ele é uma pessoa normal. É simpático, divertido, gosta de mim…

 - Gosta de ti? Gosta de ti, Madalena? – Abanava a cabeça para a direita e para a esquerda, repetidamente. – Não! Eu não te dou o meu consentimento para estares com essas pessoas!

 - Pai, eu não preciso do seu consentimento. – Nos meus olhos, pequenas lágrimas se formavam cada vez com maior rapidez. Também eu lhe gritei para me fazer ouvir.

 - Mas que falta de educação é essa? É isso que aprendes com esse…?

 - Esse tem nome! Chama-se Ruben e eu amo-o! – Chorava.

 - Amas? Sabes lá o que é isso! Não passas de uma miúda! – Insultou-me. – Imagino o que ele não se divertiu já às tuas custas!

 - Mas o que é que o pai pensa que está a fazer?

 - Vais ter de escolher! Ou ele ou nós! – Nunca esperei que o meu pai fosse capaz de me meter ‘entre a espada e a parede’. Sentia algo semelhante à desilusão. Sem uma explicação.

 - Desculpe?

 - Escolhe! Ou o escolhes a ele ou nos escolhes a nós. Se o escolheres nunca mais te quero ver. Nunca mais tens permissão para ver o teu irmão! Se assim for ele há-de esquecer-se de ti.

 - Pai? – Sussurrei. – Pai! – Tentava gritar nos momentos em que o choro compulsivo me dava tréguas por segundos. A figura que eu tomava como a pessoa mais justa do mundo, içara as rédeas do cavalo e, a galope, percorreu, muito rapidamente, o caminho que havíamos trilhado.