Um pequeno
impulso, senti rodopiar, e no instante seguinte a minha cabeça batera contra a
almofada. Ruben caiu sobre mim, os seus braços apoiavam-no para que eu não
suportasse todo o seu peso.
- Se vais
continuar assim passas a dormir cá mais vezes. – Brinquei.
- É só pedires.
- Nem penses.
Está na hora do meu banho. – Afastei-me de Ruben, que caiu sobre a cama, ao meu
lado.
- Excelente
ideia.
- Do meu banho.
– Reforcei a palavra ‘meu’.
- Eu ia dizer
que ia depois de ti. – Desculpou-se.
- Claro que
sim.
Não prolonguei
demasiado o banho como sempre fazia, um monte de novas sensações apoderara-se
de mim. Queria sentir tudo aquilo, mas só seria possível perto de Ruben.
Enrolei-me numa toalha e voltei a entrar no quarto.
- Foste rápida.
– Ruben estava sentado na cama ainda a comer.
- Queria
certificar-me que não tinhas fugido.
- Só depois de
comer, estou com uma fome… E tu vais comigo.
- Ir onde?
- À minha casa,
tenho de tomar um bom banho e mudar de roupa, a não ser que tenhas ai qualquer
coisa que se vista… De homem. – Levantou-se da cama e saiu do quarto, levando o
tabuleiro, para que me pudesse vestir.
Só depois de
ver Ruben sair e fechar, atrás de si, a porta do quarto sorri. Aquele sorriso
que tantos nomes eu lhe tinha atribuído quando se formava na cara de outras
pessoas, o conhecido sorriso estupido.
Demorei um
pouco mais a vestir, estava num daqueles estados que não apetece tirar a toalha
com medo do frio que se fazia sentir. Deixei o cabelo secar ao natural para que
largos caracóis se formassem, apliquei um pouco da já habitual maquilhagem,
perfume, e estava pronta. Depois tudo arrumado, fui ao encontro de Ruben, que
por incrível que pareça já tinha devorado toda a comida que o tabuleiro
continha. Como era possível acordar com tanta fome?
***
Ruben subiu as
escadas até ao primeiro andar de sua casa, eu fiquei na sala de estar à espera,
para me entregar às suas ideias de modo a preencher o dia, ou melhor, a tarde
que ainda agora começara.
Liguei a
televisão e esperei sentada no sofá, o pacote de canais de desporto estava
completo, os outros faltavam apenas alguns canais, era o suficiente.
Ouvia o bater
das portas no corredor e alguns passos rápidos, minutos mais tarde, Ruben
começou a descer as escadas. Envergava uns jeans escuros, uma camisola branca
com decote em V, e um casaco vermelho escuro.
Senti o
telemóvel vibrar dentro da mala, afastei-me um pouco da sala de estar e atendia
a chamada.
- Joana.
- Vamos lanchar
as três?
- As três?
- Sim, eu, tu e
a Maria.
- Então e a
Sofia?
- Duvido que
ela hoje vá a algum lado, a noite foi dura.
- Então vão ser
só duas, eu estou com o Ruben.
- Ótimo, venham
os dois.
- Não sei…
- Madalena, nós
vamo-nos comportar. Trás o rapaz, como amigo.
- Está bem. –
Suspirei. – Meia hora?
- É por isto
que eu te adoro. – Desligou.
Ruben já se
encontrava atrás de mim.
- Planos para
esta tarde?
- Alguns.
- Com quem?
- A Maria, a
Joana e nós. – A expressão de Ruben alterou-se. ‘Nós’. Eu podia perfeitamente
ter dito ‘eu’ e ‘tu’, algo que o Ruben tentou disfarçar, mas eu, em certos
casos, era bastante observadora.
- Não sei quem
são…
- Eu sei que
não sabes. Já estás pronto? – Perguntei dirigindo-me novamente à sala de estar
para guardar o telemóvel novamente na mala.
- Finalmente a
entrar na tua vida.
«Só espero não
me arrepender», desejei.
***
Embora
desnecessariamente disfarçado, mantivemos uma certa distância quando entrámos
no café. Tinha a noção que as minhas atitudes estavam a ser infantis,
desnecessárias, egoístas, tudo o que lhe quiserem chamar, e a toda a hora
esperava que Ruben dissesse “Basta” para depois me deixar sozinha, como tinha
ficado muito tempo. Tudo o que lhe pedira, embora em poucas palavras, sabia que
era muito.
- Estás
atrasada. – Joana estava sentada de costas para a entrada, mas o barulho que os
meus saltos faziam ao bater no chão de madeira denunciaram a minha aproximação.
No entanto não se virou para confirmar.
- Bom ano
também para ti e, a Maria ainda nem chegou.
- Está na casa
de banho, sabes o quanto ela gosta da ‘entrada triunfal’. – Revirei os olhos. –
Então não trouxeste o borracho do teu amigo?
- Aqui. – Ruben
falou pela primeira vez, denunciando a sua presença.
- Oh… - Joana
olhou para trás, pela primeira vez, e viu-nos, no entanto Maria ‘salvou-a’ da
vergonha que sentia.
- Aqui estou
eu. – Maria seguia mesmo atrás de nós.
- Já que
estamos todas, Maria, Joana, este é o Ruben.
- Acho que já
sabíamos isso. – Brincou Maria. Ambas o cumprimentaram com um beijo na cara.
Sentámo-nos na
mesa já guardada por Joana e, para meu grande divertimento, esta tinha ficado
constrangida. Por um lado, sentia-me estranhamente forte pelo facto de o ter
levado, por outro sentia-me uma estranha espécie de traidora por ser tão forte
perante outras pessoas, mas tão fraca com Ruben. Fraca, uma pessoa que não sabe
o que quer.
- Eu lembro-me
de vocês, as fãs do David. – Ruben reconhecera as duas das meninas que eu
acompanhava na primeira vez que os vimos no salão de Bowling do Colombo.
- É, bem que o
podias convidar e…
- Poder podia,
mas não garanto que viesse sozinho…
- Mas será que
não há homens disponíveis? – Uma pergunta retorica à qual Ruben respondeu.
- Eu estou. –
Ruben tocara no assunto que eu tanto queria reprimir. Olhava-me com um pedido
de desculpas superficial, no fundo, não pedia desculpas, Ruben não estava
arrependido.
- Ruben…
- Não,
Madalena, desculpa.
- Eu acho que
precisam de falar… - Joana agarrou Maria pela mão e levantaram-se.
- Não, fiquem.
Eu e o Ruben já falámos tudo o que tínhamos para falar.
- Então posso
eu falar contigo? – Maria pedira-me muito seriamente.
Levantei-me,
sentia-me como uma criança quando é chamada à parte por um dos pais a fim de levar
um sermão. Seguimos para a casa de banho, ali não havia risco de Ruben ouvir.
- Ponto da
situação. – Pediu-me cruzando os braços.
- Maria, eu não
tenho paciência para estas conversas, tu sabes.
-
Sei? Não sei, eu nunca te vi com ninguém desde que cá estás. Queres que entenda
o que andas a fazer? Não, não entendo!
-
O que ando a fazer? E o que é que eu ando a fazer?
-
Diz-me tu.
-
Maria chega. Não te metas na minha vida, isso, eu não admito!
-
Quero lá saber o que tu admites! Vais ouvir e é até ao fim! Eu não vou ficar a
ver tua felicidade a fugir.
-
Eu sou feliz, e também o era antes do Ruben aparecer na minha vida.
-
Eras? Provavelmente sim, mas eras mais do que és agora, quando estás com ele?
-
Maria…
-
Vês? Tu não tens resposta!
No
fundo, eu sabia o que a Maria estava a fazer comigo, fazia-o sempre que queria
que eu mudasse de ideias. Sabia que eu iria defender as minhas ideias até ao
fim, até não ter mais argumentos e ai encostava-me à parede até que eu cedesse.
-
Tudo o que esta conversa envolve já foi falado com o Ruben, o próprio
concordou.
-
E se não concordasse? Eu sei o que pediste, e acredita que já me meti no teu
lugar. Se ele não concordasse tu acabavas com esta recente amizade em três
tempos. Eu conheço-te.
-
Se me conheces devias saber que se lhe pedi para esperar foi para ter a certeza
que eu não iria sofrer quando ele se fosse embora. Tu por acaso tens noção do
que se sente quando alguém próximo de ti, ainda mais um namorado, se despede de
ti com um adeus e sem esperança de se voltarem a encontrar? – Maria olhava para
mim, sabia que ela compreendia onde eu queria chegar. – Não tens pois não?
Pois, eu também não.
-
Espera… Eu sabia que havia aí coisa, mas não sabia que ele te tinha pedido em
namoro. Tu disseste para ele esperar? – Apanhada pelo truque mais velho de
sempre. Maria usara meias palavras para que eu contasse tudo o que se havia
passado. Era tarde demais para negar o que quer que fosse.
-
Tu não sabias…
-
Madalena, tu acabas sempre por me contar tudo. – Os seus braços
desenlaçaram-se, um meio sorriso formou-se e a sua mão acariciou uma das minhas
faces. – Não tenhas medo. Ele não é um rapaz, é um homem, não vai esperar por
ti para sempre.
-
Eu nunca lhe pedi isso, só lhe pedi uns dias, só até ter a certeza que ele não
se vai embora.
-
Um mês, Madalena, tu pediste precisamente um mês.
-
Mas…
-
Não há mas. Manter a distância que tu exigiste não adianta, os teus olhos
denunciam-te quando as palavras que saem da tua boca dizem precisamente o
contrário. Eu não sei o que já se poderá ter passado entre vocês, mas de uma
coisa eu tenho a certeza, se ele se for embora não é por não teres aceitado que
a dor passa, provavelmente será igual. E afastares-te dele agora não é solução.
-
Eu não sou assim tão forte.
-
Então vamos sair desta casa de banho enfadonha antes que o Ruben se vá embora.
Quando tiverem sozinhos falem, pois até agora só tu é que o fizeste, mas por
favor mantém-te racional e lembra-te de tudo o que te disse, ele não te conhece
tão bem quanto eu.
-
Obrigada.
-
Por favor, Madalena, não faças nenhuma asneira, eu ainda quero conhecer o David
Luíz.
A
sua careta de menina fez-me sorrir. Abriu a porta e voltámos a entrar no café
propriamente dito. Joana e Ruben, ambos ainda sentados na mesa interromperam a
conversa enquanto, com o olhar, seguiam as nossas passadas.
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