quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

18º Capítulo: 'Nós': 'tu' e 'eu'

 Um pequeno impulso, senti rodopiar, e no instante seguinte a minha cabeça batera contra a almofada. Ruben caiu sobre mim, os seus braços apoiavam-no para que eu não suportasse todo o seu peso.

 - Se vais continuar assim passas a dormir cá mais vezes. – Brinquei.

 - É só pedires.

 - Nem penses. Está na hora do meu banho. – Afastei-me de Ruben, que caiu sobre a cama, ao meu lado.

 - Excelente ideia.

 - Do meu banho. – Reforcei a palavra ‘meu’.

 - Eu ia dizer que ia depois de ti. – Desculpou-se.

 - Claro que sim.

 Não prolonguei demasiado o banho como sempre fazia, um monte de novas sensações apoderara-se de mim. Queria sentir tudo aquilo, mas só seria possível perto de Ruben. Enrolei-me numa toalha e voltei a entrar no quarto.

 - Foste rápida. – Ruben estava sentado na cama ainda a comer.

 - Queria certificar-me que não tinhas fugido.

 - Só depois de comer, estou com uma fome… E tu vais comigo.

 - Ir onde?

 - À minha casa, tenho de tomar um bom banho e mudar de roupa, a não ser que tenhas ai qualquer coisa que se vista… De homem. – Levantou-se da cama e saiu do quarto, levando o tabuleiro, para que me pudesse vestir.

 Só depois de ver Ruben sair e fechar, atrás de si, a porta do quarto sorri. Aquele sorriso que tantos nomes eu lhe tinha atribuído quando se formava na cara de outras pessoas, o conhecido sorriso estupido.

 Demorei um pouco mais a vestir, estava num daqueles estados que não apetece tirar a toalha com medo do frio que se fazia sentir. Deixei o cabelo secar ao natural para que largos caracóis se formassem, apliquei um pouco da já habitual maquilhagem, perfume, e estava pronta. Depois tudo arrumado, fui ao encontro de Ruben, que por incrível que pareça já tinha devorado toda a comida que o tabuleiro continha. Como era possível acordar com tanta fome?



***



 Ruben subiu as escadas até ao primeiro andar de sua casa, eu fiquei na sala de estar à espera, para me entregar às suas ideias de modo a preencher o dia, ou melhor, a tarde que ainda agora começara.

 Liguei a televisão e esperei sentada no sofá, o pacote de canais de desporto estava completo, os outros faltavam apenas alguns canais, era o suficiente.

 Ouvia o bater das portas no corredor e alguns passos rápidos, minutos mais tarde, Ruben começou a descer as escadas. Envergava uns jeans escuros, uma camisola branca com decote em V, e um casaco vermelho escuro.

 Senti o telemóvel vibrar dentro da mala, afastei-me um pouco da sala de estar e atendia a chamada.

 - Joana.

 - Vamos lanchar as três?

 - As três?

 - Sim, eu, tu e a Maria.

 - Então e a Sofia?

 - Duvido que ela hoje vá a algum lado, a noite foi dura.

 - Então vão ser só duas, eu estou com o Ruben.

 - Ótimo, venham os dois.

 - Não sei…

 - Madalena, nós vamo-nos comportar. Trás o rapaz, como amigo.

 - Está bem. – Suspirei. – Meia hora?

 - É por isto que eu te adoro. – Desligou.

 Ruben já se encontrava atrás de mim.

 - Planos para esta tarde?

 - Alguns.

 - Com quem?

 - A Maria, a Joana e nós. – A expressão de Ruben alterou-se. ‘Nós’. Eu podia perfeitamente ter dito ‘eu’ e ‘tu’, algo que o Ruben tentou disfarçar, mas eu, em certos casos, era bastante observadora.

 - Não sei quem são…

 - Eu sei que não sabes. Já estás pronto? – Perguntei dirigindo-me novamente à sala de estar para guardar o telemóvel novamente na mala.

 - Finalmente a entrar na tua vida.

 «Só espero não me arrepender», desejei.



***



 Embora desnecessariamente disfarçado, mantivemos uma certa distância quando entrámos no café. Tinha a noção que as minhas atitudes estavam a ser infantis, desnecessárias, egoístas, tudo o que lhe quiserem chamar, e a toda a hora esperava que Ruben dissesse “Basta” para depois me deixar sozinha, como tinha ficado muito tempo. Tudo o que lhe pedira, embora em poucas palavras, sabia que era muito.

 - Estás atrasada. – Joana estava sentada de costas para a entrada, mas o barulho que os meus saltos faziam ao bater no chão de madeira denunciaram a minha aproximação. No entanto não se virou para confirmar.

 - Bom ano também para ti e, a Maria ainda nem chegou.

 - Está na casa de banho, sabes o quanto ela gosta da ‘entrada triunfal’. – Revirei os olhos. – Então não trouxeste o borracho do teu amigo?

 - Aqui. – Ruben falou pela primeira vez, denunciando a sua presença.

 - Oh… - Joana olhou para trás, pela primeira vez, e viu-nos, no entanto Maria ‘salvou-a’ da vergonha que sentia.

 - Aqui estou eu. – Maria seguia mesmo atrás de nós.

 - Já que estamos todas, Maria, Joana, este é o Ruben.

 - Acho que já sabíamos isso. – Brincou Maria. Ambas o cumprimentaram com um beijo na cara.

 Sentámo-nos na mesa já guardada por Joana e, para meu grande divertimento, esta tinha ficado constrangida. Por um lado, sentia-me estranhamente forte pelo facto de o ter levado, por outro sentia-me uma estranha espécie de traidora por ser tão forte perante outras pessoas, mas tão fraca com Ruben. Fraca, uma pessoa que não sabe o que quer.

 - Eu lembro-me de vocês, as fãs do David. – Ruben reconhecera as duas das meninas que eu acompanhava na primeira vez que os vimos no salão de Bowling do Colombo.

 - É, bem que o podias convidar e…

 - Poder podia, mas não garanto que viesse sozinho…

 - Mas será que não há homens disponíveis? – Uma pergunta retorica à qual Ruben respondeu.

 - Eu estou. – Ruben tocara no assunto que eu tanto queria reprimir. Olhava-me com um pedido de desculpas superficial, no fundo, não pedia desculpas, Ruben não estava arrependido.

 - Ruben…

 - Não, Madalena, desculpa.

 - Eu acho que precisam de falar… - Joana agarrou Maria pela mão e levantaram-se.

 - Não, fiquem. Eu e o Ruben já falámos tudo o que tínhamos para falar.

 - Então posso eu falar contigo? – Maria pedira-me muito seriamente.

 Levantei-me, sentia-me como uma criança quando é chamada à parte por um dos pais a fim de levar um sermão. Seguimos para a casa de banho, ali não havia risco de Ruben ouvir.

 - Ponto da situação. – Pediu-me cruzando os braços.

 - Maria, eu não tenho paciência para estas conversas, tu sabes.

 - Sei? Não sei, eu nunca te vi com ninguém desde que cá estás. Queres que entenda o que andas a fazer? Não, não entendo!

 - O que ando a fazer? E o que é que eu ando a fazer?

 - Diz-me tu.

 - Maria chega. Não te metas na minha vida, isso, eu não admito!

 - Quero lá saber o que tu admites! Vais ouvir e é até ao fim! Eu não vou ficar a ver tua felicidade a fugir.

 - Eu sou feliz, e também o era antes do Ruben aparecer na minha vida.

 - Eras? Provavelmente sim, mas eras mais do que és agora, quando estás com ele?

 - Maria…

 - Vês? Tu não tens resposta!

 No fundo, eu sabia o que a Maria estava a fazer comigo, fazia-o sempre que queria que eu mudasse de ideias. Sabia que eu iria defender as minhas ideias até ao fim, até não ter mais argumentos e ai encostava-me à parede até que eu cedesse.

 - Tudo o que esta conversa envolve já foi falado com o Ruben, o próprio concordou.

 - E se não concordasse? Eu sei o que pediste, e acredita que já me meti no teu lugar. Se ele não concordasse tu acabavas com esta recente amizade em três tempos. Eu conheço-te.

 - Se me conheces devias saber que se lhe pedi para esperar foi para ter a certeza que eu não iria sofrer quando ele se fosse embora. Tu por acaso tens noção do que se sente quando alguém próximo de ti, ainda mais um namorado, se despede de ti com um adeus e sem esperança de se voltarem a encontrar? – Maria olhava para mim, sabia que ela compreendia onde eu queria chegar. – Não tens pois não? Pois, eu também não.

 - Espera… Eu sabia que havia aí coisa, mas não sabia que ele te tinha pedido em namoro. Tu disseste para ele esperar? – Apanhada pelo truque mais velho de sempre. Maria usara meias palavras para que eu contasse tudo o que se havia passado. Era tarde demais para negar o que quer que fosse.

 - Tu não sabias…

 - Madalena, tu acabas sempre por me contar tudo. – Os seus braços desenlaçaram-se, um meio sorriso formou-se e a sua mão acariciou uma das minhas faces. – Não tenhas medo. Ele não é um rapaz, é um homem, não vai esperar por ti para sempre.

 - Eu nunca lhe pedi isso, só lhe pedi uns dias, só até ter a certeza que ele não se vai embora.

 - Um mês, Madalena, tu pediste precisamente um mês.

 - Mas…

 - Não há mas. Manter a distância que tu exigiste não adianta, os teus olhos denunciam-te quando as palavras que saem da tua boca dizem precisamente o contrário. Eu não sei o que já se poderá ter passado entre vocês, mas de uma coisa eu tenho a certeza, se ele se for embora não é por não teres aceitado que a dor passa, provavelmente será igual. E afastares-te dele agora não é solução.

 - Eu não sou assim tão forte.

 - Então vamos sair desta casa de banho enfadonha antes que o Ruben se vá embora. Quando tiverem sozinhos falem, pois até agora só tu é que o fizeste, mas por favor mantém-te racional e lembra-te de tudo o que te disse, ele não te conhece tão bem quanto eu.

 - Obrigada.

 - Por favor, Madalena, não faças nenhuma asneira, eu ainda quero conhecer o David Luíz.

 A sua careta de menina fez-me sorrir. Abriu a porta e voltámos a entrar no café propriamente dito. Joana e Ruben, ambos ainda sentados na mesa interromperam a conversa enquanto, com o olhar, seguiam as nossas passadas.

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