sábado, 14 de abril de 2012

40º Capítulo: História





 Há histórias que não passam de isso mesmo, histórias. Mas, antes que sejam dadas como reais, à que comprovar todos os seus factos, todos os seus acontecimentos. E é este ponto que faz com que as mais variadas histórias, não passem de meras… histórias. Embora que, por vezes, a realidade seja mascarada, assim, tudo o que não é, será tomado como verdadeiro. Será este um dos erros mais antigos da humanidade.


 Todo o meu corpo estava coberto de uma espécie de formigueiro e, também algo dorido, devido à constante posição em que me encontrava há demasiado tempo. Não sei ao certo quantas horas tinha dormido nem há quantas estava acordada, mas as primeiras teriam sido, certamente poucas, pois o cansaço ainda se apoderava de mim. Lá fora, o sol ainda estava escondido por detrás dos grandes prédios que preenchiam toda a capital portuguesa. Não faltava muito tempo para o azul-escuro do céu dar lugar à junção de cores características do amanhecer lisboeta e primaveril. Esta seria, certamente, uma das poucas e raras vezes que ficara grata por Ruben ter cedido ao meu pedido para que não dormisse em minha casa esta noite, na verdade, com todos os suspiros pesados que soltava, era impossível dormir.

 Ultimamente não me sentia eu. Talvez o velho mito de as pessoas mudarem quando se envolvem numa relação, seja verdade. Embora o objetivo seja adaptarem-se ao outro e não mudar nem tentar mudar. Sentia falta de me divertir, ser aquela pessoa extrovertida que aprendera a ser e que, acima de tudo, gostava de ser. Dei por mim a pensar que não pensava em nada. Normalmente, eu não pensava antes de cada ação, nem no futuro ou algo do género, e agora andava a fazê-lo demasiado.



***



 “Devido à linhagem mielóide, onde o recetor é o linfócito T e o recetor o linfócito B, o genoma do vírus Epstein Barr, ou EBV, é detetado em muitos casos, juntamente com uma variedade de anormalidades cromossómicas.” – Recitava o professor os seus apontamentos nitidamente decorados, em frente à sua enorme plateia. – Dúvidas? Não? Ótimo. – O seu tom monocórdico e a sua postura na frente não captavam a nossa atenção, de modo que, as dúvidas eram muitas.

 Todos os meus colegas, presentes na enorme sala, começavam a sair lentamente, imagino que durante aquelas longas horas tenham adormecido. Se a aula tivesse na sua duração mais cinco minutos era, certamente, isso que teria acontecido comigo.

 - Ontem já não te vimos depois do jogo… - Acusou aproximando-se da minha secretária. – Como estão as coisas no paraíso?

 - Agora estão bem… É, acho que sim.

 - Mas…?

 - Maria, tudo começou porque tu contaste algo a meu respeito ao Ruben, ele começou a imaginar coisas e ficou com ciúmes.

 - Não, eu não contei nada de ti. – Não contou? Como não contou? Agora era eu que não estava a perceber nada.

 - Não? Nada mesmo? Nem mesmo algo que envolvesse o Bernardo?

 - Uh… Eu não queria causar nada…

 - Por que é que foste contar o que quer que fosse sem me informares primeiro? Sabes perfeitamente que nunca existiu uma história entre mim e o Bernardo. – O rosto de Maria contraiu-se, olhei para sala, agora vazia, apenas para escapar, por segundos, ao seu olhar inexpressivo.

 - Não existiu? Então porque é que ele anda atrás de ti? Madalena, tu conheces o Bernardo tão bem quanto eu. Ele não corria atrás de ti se tu nunca lhe tivesses dado nada!

 - Nunca aconteceu nada!

 - Nem um beijo? – O seu tom era extremamente acusador.

 - Nada, Maria, nada! E tu sabes disso. O que é que o Ruben tem a ver com tudo o que não aconteceu?

 - Não sei. Eu sempre te apoiei com o Ruben, até compreendo que agora passes menos tempo connosco porque agora também tens os amigos do Ruben. Mas parece que tudo isto não te impede de… - Calou-se de repente, suspirou pesadamente e, aparentemente, não conseguiu continuar.

 - De? – Insisti.

 - Por quê o Bernardo? Por quê? O Ruben não é o suficiente? Também queres o Bernardo? – Maria chorava compulsivamente. Contornei a mesa que nos separava e abracei-a. Ao início Maria não correspondeu nem rejeitou este gesto amigável, depois acabou por me afastar, determinando, consequentemente, uma distância considerável entre nós.

 - Não sei onde foste buscar essa ideia. Eu só não quero é ter mais discussões com o Ruben.

 - Madalena, não tentes vender essa história. Não a mim.

 - Eu não estou a vender nada!

 - Então porque é que não deixas o Bernardo em paz?

 - Mas… Tu nunca gostaste do Bernardo… Qual o motivo disto?

 - O problema é que sempre te apoiei, sempre estive lá para ti. E tu?

 - Maria…

 - Devias saber que eu sempre gostei do Bernardo, Madalena! Sempre! E não suporto vê-lo andar sempre atrás de ti!

 - Por que é que nunca me contaste?

 - Era suposto tu perceberes! Mas não, preferes fazer com que ele seja sempre o mau da fita.

 - Eu não acredito no que estou a ouvir. – Sussurrei magoada.

 - Acredita, porque isto não é nem metade do que te tenho para dizer!

 - Como querias que eu adivinhasse? – Tive a sensação que o rosto de Maria adquiria rapidamente tons de vermelho. – Talvez não seja tão boa como tu a descodificar as pessoas, talvez eu não seja tão boa amiga como tu… - Para minha surpresa Maria não respondeu. Olhou-me de um modo estranho e, talvez, indecifrável. Com esforço, eu tentava esconder as pequenas lágrimas que se formavam. Era demasiado orgulhosa para permitir que alguém, quem quer que fosse, me visse a chorar, então teria de sair dali. – Desculpa-me por… qualquer coisa. – Não sabia ao certo porque o estaria a pedir, na verdade, ultimamente andava a fazer demasiados pedidos de desculpa. Instintivamente, passei-lhe a mão pelo braço ao passar por ela, embora não tenha reagido ao toque, mantendo-se imóvel.

 Se o dia ainda ia a meio na cidade lisboeta, para mim já estava perto de terminar. Saí do edifício o mais rapidamente possível, movendo-me com dificuldade por entre o fluxo humano, que aumentava.

 Por vezes, há planos que precisam de ser adiados, outros têm de ser realizados antes da data prevista. E, neste momento, só precisava de… Fugir. Para mim, a melhor arma.

 Corri ao encontro do meu carro, ansiosa por sentir o seu conforto. Foi complicado encontra-lo pois, o vasto parque lateral do edifício universitário estava lotado de automóveis. Percorri cada fila atentamente. E, por vezes, encontramos algo que não procuramos no momento. Ainda tinha algumas filas para percorrer, mas não sem…

 - Queres fazer-me o favor de sair da minha vida de uma vez por todas? – Avistei Bernardo a poucos metros de mim.

 - Ficas tão bonita quando estás irritada. – O sorriso que se formou no seu rosto foi o suficiente para que me sentisse cada vez mais irritada com ele.

 - Cala-te. Cala-te! Só… Sai da minha vida! Só me tens arranjado problemas.



***



 Se há planos que precisam de ser antecipados, este era, certamente, um deles. A princípio, planeara ir à pequena localidade do interior alentejano, visitar os meus pais e irmão, dentro de dois dias, logo após a deslocação de Ruben com a equipa encarnada para o encontro desportivo. No entanto, sem aulas práticas previstas, às quais não podíamos faltar, era-me possível viajar neste momento para a minha terra natal.

 Em casa demorei menos de uma hora. Coloquei algumas roupas numa mala de viagem, esperava que fosse o suficiente para este fim de semana antecipado, reuni todos os produtos de higiene necessários, preparei, na cozinha, algo rápido para levar para a longa viagem que me esperava e, finalmente, estava pronta para deixar, mais uma vez, embora que por um curto período de tempo, a capital. Era sempre com um enorme prazer que trocava os altos prédios pelos campos cultivados, a multidão agitada pela calma vida do interior.

 Com a cidade nas minhas costas, atravessava o rio ao som das minhas músicas prediletas. Ao longe, o Cristo Rei parecia abraçá-la, envolvendo também o manto de águas lusitanas que, uns metros abaixo, corria livremente para se juntar ao vasto oceano.

 O novo toque de chamada do meu telemóvel misturou-se numa estranha melodia que envolvia o interior do meu automóvel. Liguei-o rápida e atrapalhadamente ao microfone incorporado.

 - Olá. – Saudei com um sorriso a formar-se nos meus lábios.

 - Olá amor. Onde estás? Estou à porta do teu prédio…

 - Oh, eu não estou em Lisboa. Na verdade, estou a caminho de casa.

 - Se não demorares a chegar eu posso esperar aqui por ti.

 - Não Ruben, eu vou para o Alentejo.

 - Agora? Mas por quê? Não me avisaste.

 - Eu não sabia que ia.

 - Volta rápido. – Pediu-me.

 - Ruben, eu... Vou contar aos meus pais que estou contigo.

 - Vais? Mas tu disseste…

 - Há demasiadas coisas na minha vida que não deveriam estar. Não era suposto, Ruben.





Antes de mais, peço-vos desculpa pelo tempo que demorei a postar o capítulo,
mas estive em viagem de finalistas e o capítulo acabou por ficar a meio.
Agradeço também o crescente número de comentários que têm feito,
é muito gratificante e transmitem-me força para continuar com a história.
Obrigada :)

Beijinhos,
Jéssica

4 comentários:

  1. Ainda bem que postaste hoje! Estava ansiosa para ler este teu capítulo e valeu a pena a espera, porque gostei imenso.
    Para quando o próximo?
    Beijinhos!

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  2. fabuloso...

    quero mais...

    contiua... tou super curiosa para ver o proximo...

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  3. Valeu a pena esperar mais do que já nos habituaste. O capitulo está lindo. Beijinhos!!

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  4. Gostei muito do capitulo. Quando voltas a postar o novo? Estou curiosa !

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