sábado, 25 de fevereiro de 2012

35º Capítulo: A palavra (Parte II)

 
 
 Numa correria infantil, Ruben e Mauro foram os primeiros a chegar à mesa, sob as ordens de Anabela para que fossem com calma. Enquanto a mãe de ambos servia os pratos vazios, e os irmãos previam que seriam os últimos, Anabela soltava pequenas gargalhadas. Imaginava que, por vezes, a senhora não sentisse a nostalgia da infância dos filhos, porque vinte e muitos anos depois, as brincadeiras e discussões entre ambos certamente seriam semelhantes.

 - Meninos, vamos lá ver a brincadeira… - Avisava a progenitora.

 - A culpa é dele. – Reclamava Ruben colocando o seu dedo indicador num frente-a-frente com a cara de Mauro.

 - Cala-te pá! – E caía um açoite na nuca de Ruben.

 - Então? Queres apanhar? – Ameaçava o Amorim mais novo.

 - Parem já imediatamente! – Ordenava, finalmente, Anabela.

 E era assim que se acabavam as brincadeiras entre eles. Por pouco tempo… Quando estas cessavam, a mãe de Ruben estabelecia uma nova conversa entre todos, mas especialmente para me tentar conhecer melhor, e eu àquela família, claro. Falávamos desde o meu percurso escolar, os meus sonhos, gostos, a minha família, e eu respondera a tudo com a máxima sinceridade possível, na verdade, não me importava minimamente que os presentes me perguntassem seja o que for. Preferia assim em vez de procurarem saber coisas a meu respeito nas minhas costas. Até mesmo a própria família me contara as histórias da mesma, desde a infância dos irmãos, dando mais relevo à infância de Ruben, aos seus sonhos, a luta constante para ser melhor… Ruben exibia um ar majestoso e Mauro contra argumentava sempre com a intenção de se equivaler ao irmão.

 Depois do delicioso almoço, seguiram-se as sobremesas que todos fizemos questão de repetir. Acho que nunca tive a noção do quanto Ruben comia… e quando se falava da comida da mãe… Enquanto Ruben e Mauro seguiam para a sala de estar, novamente, eu e Raquel insistimos em ajudar a Dona Bela a arrumar a sala de jantar e também a cozinha. Embora recusasse várias vezes a nossa ajuda, acabou por ceder.

 Entregues ao trabalho doméstico, a progenitora aproveitava para estabelecer conversas sobre como eu e Ruben nos tínhamos conhecido, o que me levou a desejá-lo… Na verdade, Anabela sentia um pouco de receio da hipótese de eu estar com Ruben apenas por tudo o que a sua condição social e profissional lhe oferecia. Tentei ser o mais simples, tentei ser eu, pois se ela viesse a gostar de mim que fosse pelo que eu era. Por fim, o aviso e conselho para não magoar o seu filho.

 De bandeja nas mãos voltei para junto de Ruben, com as bonitas chávenas de café, a namorada de Mauro seguia, à minha frente, com o recipiente do café e do açúcar, já Anabela, sentou-se no meio dos dois filhos. Raquel serviu as várias chávenas enquanto a mãe de Ruben, como mãe galinha que era, embora a desculpa de Mauro fosse a velha desculpa do filho preferido que achava ele ser Ruben, nos mostrava as fotos dos irmãos em tenra idade, ou melhor, mostrava-me pois Raquel parecia já as ter visto várias vezes.

 É sempre constrangedor quando nos começam a apontar os nossos defeitos, foi assim mesmo que Ruben ficou quando a sua mãe descreveu ligeiramente Ruben na infância, e claro, Mauro exagerara um pouco e a discussão de crianças retomara. Nada que a Dona Bela não conseguisse resolver com umas palavras de ordem.

 Ruben teria sido uma criança com os horários trocados, pois de dia era um calmo e simpático rapazito, mas há noite sabia mostrar que tinha bons pulmões. As fotos desapareciam com o virar da página, várias na praia ao lado do seu irmão, com o pai, com a mãe, curiosamente, a maioria delas sempre separados, mas não insisti nesse pormenor, com mais outros familiares e junto da enorme colecção de carros. Comodista, Anabela assim o descrevera, mas neste momento não o conseguia ver assim, possivelmente teria mudado, o egoísmo não encaixava na pessoa que eu sabia que adorava ajudar crianças, que tinha amigos maravilhosos, na pessoa que eu estava a adorar conhecer.

 Durante algum tempo deixámos de ter direito à televisão, pois o vício da PlayStation falara mais alto, mas não nos importámos, a conversa, à volta da lareira, permanecia. Estava há poucas horas na casa da família, no entanto, o meu à vontade era visível e, Ruben mostrava-se contente por isso, nas alturas em que o jogo o permitia desviar o olhar da televisão e fixá-lo, por segundos, em mim.

 Quando tomou a noção das horas, Ruben largou o comando veio juntar-se a nós, seguido por Mauro. A tarde ia a meio e o sol de Fevereiro começava a navegar para ocidente. Os presentes acompanharam-nos até à porta de entrada principal, despedimo-nos de todos e eu agradeci a Anabela que, por sua vez, deixou um convite em aberto para regressar mais vezes àquela casa. Certamente que iria, pelo menos, assim esperava eu, porque se voltasse isso significava que continuava com Ruben e, neste momento, era algo que eu desejava.

 - Madalena. – Chamou-me, parando um passo atrás de mim, enquanto caminhávamos para o seu carro, até então estacionado ao lado do carro de Mauro, na garagem. Olhei-o, os seus olhos estavam brilhantes, mas a sua expressão facial nada mostrava. Talvez este fosse um dos casos onde se pode dizer que um olhar fala mais do que mil palavras. Acabei por virar-me para ele, na totalidade. As suas mãos seguravam a minha desocupada, pois a outra segurava a mala, numa concha imperfeita envolveu-a, sempre com o olhar posto nestes movimentos. Finalmente, voltou a olhar-me, olhos nos olhos e sorriu, um sorriso nervoso é certo. É certo, também, que eu não precisava de ter presenciado aquele magnifico sorriso para saber que um nervoso miudinho tomava conta de si, a pressão que exercia na minha mão denunciava-o.

 - Sim? – Encorajei-o. Permiti-me prender o seu olhar no meu, os seus cantos da boca elevavam-se tal como os meus.

 - Eu… Uh… - Gaguejou.

 - Ruben, fala.

 - Calma. – Pediu-me, em seguida, encheu os pulmões de ar e libertou-o fortemente. – Isto vai parecer… uh, estranho, mas… - Desta vez nada disse, dei todos os segundos necessários para que Ruben ganhasse coragem para finalmente dizer o que queria e não tinha coragem. O seu olhar baixou novamente para as mãos, desta vez entrelaçou os dedos e voltou a olhar-me nos olhos. – Isto quando era puto era bem mais fácil… Madalena, não quero que penses que estou a brincar contigo ou que estou a ir depressa demais, mas a verdade é que… - Voltou a inspirar e a expirar uma enorme quantidade de ar. – Madalena, eu amo-te.

 «Eu amo-te», duas simples palavras que tanto significavam. Naquele momento, nada fui capaz de dizer, o nosso olhar, preso um no outro, podia transmitir sentimentos que as palavras não conseguiam descrever nem os gestos expressar. Hoje em dia, estas palavras estavam demasiado verbalizadas, a maioria das vezes são ditas quando não deveriam ser, pois, por vezes, os sentimentos que existem em nós são menos intensos que a própria palavra que, por sua vez, é menos intensa que o verdadeiro sentimento que representa. Apesar disso, Ruben não falava aquilo da boca para fora, o seu olhar não o deixava mentir e cada brilho que passava naqueles olhos castanhos, confirmavam cada palavra saída da sua boca.

 Queria poder admitir que o que sentia por ele era mais do que um simples ‘adoro-te’, mas não tinha a certeza se o sentimento era grande o suficiente para preencher toda a grandeza da palavra. Poderia ter respondido “Eu também”, como tantas pessoas o fazem, mas esse “Eu também” não significa “Eu também te amo”, embora a maioria o tome como tal, talvez pela ânsia de se sentirem amadas de verdade, e não adoradas como provavelmente o são.

 Ruben ansiava para que as minhas palavras também se fizessem ouvir, mas tudo o que saiu dos meus lábios foi um enorme sorriso. As nossas mãos desenlaçaram-se, os seus braços fortes rodearam a minha cintura e, os meus, pousados nos seus ombros, permitiam-me puxar-lhe os pequenos cabelos da nuca. O meu corpo, devido à força dos seus braços, bateu no seu, sentia o seu tronco perfeitamente delineado por debaixo da fina camisola de inverno, pois hoje o sol brilhava, quente e acolhedor. Os nossos lábios, entreabertos, colaram-se lentamente um ao outro e, numa sintonia perfeita, explorámos a boca um do outro com desejo contido, suavidade exagerada, mas sobretudo, com sentimento. Rapidamente as fracas barreiras foram quebradas, o ambiente entre nós começava a aquecer demasiado, além disso estávamos no jardim frontal da casa. Fui eu a quebrar todo aquele momento e arrastei-o para o interior do carro. Sentados nos respetivos lugares, prontos para rumar consoante as ideias não definidas de Ruben, pois para programar algo para nós era sempre no momento. Iriamos ter a lago algum.

 - Achas que algum dia vais sentir por mim o que sinto por ti? – Perguntou, provavelmente inseguro e com medo de nunca ser amado por mim.

 - Sim, eu sei que sim. – Pousei a minha mão na sua perna, Ruben mostrou o maravilhoso sorriso que, embora os dias passassem, nunca me chegara a habituar, nem sabia se algum dia chegaria. Ligou o carro e a estrada acabara de se estender à nossa frente.

4 comentários:

  1. fantastio...

    quero mais... tou super curiosa para ver o proximo capitulo...

    continua...

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  2. Olá :) Só no outro dia é que encontrei esta fic e desde ontem qe a ando a ler, e adoreei até agora cada capitulo! Está a ficar maravilhosa a história entre o Ruben e a Madalena e já estou a seguir e á espera do próximo capitulo.
    Beijinho

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