segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

20º Capítulo: Foi épico

 A voz que eu tanto ansiava ouvir teimava em permanecer substituída pelo irritante ‘pi’ que o telefone emitia ao meu ouvido durante a chamada. Como tantas outras vezes, e nenhuma como esta, precisava do seu ombro amigo, precisava de falar tudo o que guardava para mim. Joana poderia ter razão em relação a Ruben e eu não lhe tinha dado ouvidos, porque tinha sido parva, porque estava deslumbrada e, num curto espaço de tempo acabara magoada. Por um lado, estava triste porque entrara na minha vida no momento em que esta estava emocionalmente estável, por outro, agradecia a sua entrada pois fizera despertar em mim emoções e sentimentos que eu tinha esquecido.

 Finalmente, a voz que tanto desejava ouvir interrompeu a sequência de ‘pis’.

 - Correu mal, não foi?

 - Maria, eu…

 - Eu vim deixar a Joana em casa e vou já ter contigo, pode ser?

 - Sim. – Desliguei.

 «Uma ruptura radical será sempre mais fácil de curar…», li algo parecido há tempos.

 Sentei-me no sofá com uma almofada sobre as pernas, os meus olhos apreciavam a beleza do anoitecer que era visível através das portas de vidro que davam acesso à varanda. Pela minha cabeça passavam todo o tipo de pensamentos, memorias.

 Maria apressava-se a tocar à campainha repetidamente e eu, lentamente, abri-lhe a porta.

 - Foi assim tão mau? – Maria estava preparada para o caso de eu me desfazer em lágrimas, o que não iria acontecer. Era forte o suficiente para durante 21 anos nunca ter deitado uma única lágrima por um rapaz, neste caso, por um homem.

 - Não fui eu que estraguei tudo.

 - Eu sei… - Olhei para Maria como a pedir uma resposta. Como é que ela sabia? – Quando cheguei o Ruben ainda estava lá em baixo.

 - Estava?

 - Sim.

 - Que coragem…

 - Então, está tudo ‘bem’? – Os seus olhos analisavam-me.

 - Não, não está tudo bem. Mas não vou chorar por isso. Não vou ser daquelas raparigas patéticas, cujo mundo acaba por causa de alguém.

 - Tudo bem, então.

 - Ficarei bem. – Declarei, e não estava a mentir.

 - Eu não te vou dar concelhos, Madalena. Não há nada pior do que ajudar quem não pede ajuda. E muito menos te vou dar lições, eu não dou lições.

 - Maria, o Ruben possivelmente irá para Itália ou para outro país qualquer, e eu não quero colocar a hipótese de ele ficar, estaria a alimentar esperanças que não quero que existam. Todos os dias leio notícias que afirmam que será mesmo esse o seu caminho.

 - Meu amor, mas há tantos casais que mantém uma relação à distância…

 - E que mais tarde ou mais cedo acabam por se separar por não haver mais condições para manter essa relação. Eu e o Ruben não somos nenhum casal, muito menos nutrimos sentimentos suficientemente fortes para suportar 2200 quilómetros.

 - Gostas dele?

 - Se o negasse estaria a mentir… Os sentimentos são maravilhosos, mas não chegam.

 Levantei-me sem nada dizer, atravessei as portas de vidro agora abertas. A varanda ficava na parte frontal do prédio, assim tinha visão total da entrada deste. O reconhecível Audi ainda estava parado no estacionamento mais próximo da entrada. Maria ainda se encontrava sentada no sofá, passei por ela sem a olhar. O elevador estava parado no meu andar, assim chegaria mais rápido ao rés-do-chão. Ruben encontrava-se já fora do seu carro, encostado à porta do condutor, de costas para mim.

 - O que é que ainda estás aqui a fazer? – Perguntei ao pisar o pequeno passeio que nos separava. Sentia a presença de Maria mesmo atrás de mim.

 - Madalena, eu… Nada disto era para ser assim…

 - Ruben vai-te embora.

 Em largas passadas, contornou o seu carro parando a poucos centímetros de mim. Com a sua mão, preparava-se para me tocar no rosto. Voltei a aumentar a distância entre nós.

 - Sai daqui! Eu não devia ter acreditado em ti, nunca, acreditei que querias ficar, acreditei num ‘nós’, e tu? Como conseguias mentir-me?

 - Eu nunca te menti!

 - Ocultaste a verdade. Qual é a diferença? Tu sabias tudo o que estava a acontecer e também sabias as consequências que viriam, não me contaste nada. Deslumbrei-me demasiado contigo, e agora? Agora sais da minha vida quando te tornaste tão especial.

 - Eu não quero sair da tua vida.

 - Não importa.

 - Importa, sim! Por que é que estás a agir como se tivesses a certeza que eu me vou embora?

 - Porque é uma oportunidade para jogares mais, para te destacares. Porque é o melhor para ti.

 - Tu não sabes o que é melhor para mim, nem sabes o que eu quero! Sabes porquê? Porque tu nunca me ouviste!

 - Tens razão, peço desculpa. Posso-te ao menos fazer mais um pedido?

 - Claro. – O seu semblante era de tristeza, queria dizer-lhe precisamente o contrário, queria pedir-lhe para ficar, mas não podia. Não podia interferir mais na vida de Ruben.

 - Vai-te embora e segue como se nunca nos tivéssemos conhecido.

 - Madalena, tu estás tão enganada.

 - Acredito que não estou. Boa sorte, Ruben.

 - E se eu ficar…?

 - Conheci um homem, nós conversámos, foi épico… Mas então, caímos na realidade. É esta a nossa história, Ruben. Não quero alimentar mais esperanças.

 Aquelas palavras, por muito bonitas que soassem, tinham um significado contrário. De cabeça baixa, entrei novamente no prédio acompanhada por Maria. O curto caminho até casa foi feito em silêncio, o meu coração bombeava o sangue com toda a força, as barreiras que o protegiam começaram a desmoronar, uma a uma.

 - O que é que eu fui fazer? – Perguntei retoricamente.

 - Excluíste-o da tua vida…

 - Foi o melhor para os dois.

 - Acreditas mesmo no que estás a dizer?



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