segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

23º Capítulo: Impulso

 A camisola, ligeiramente justa, delineava-lhe os abdominais. Tinha esquecido, permanentemente, os olhos brilhantes, a barba de três ou quatro dias que, na minha opinião, a juntamente com o cabelo pequeno, lhe ficava realmente bem. Não era grande apreciadora de tatuagens, no entanto, admirava a obra de arte corporal que lhe preenchia o ombro esquerdo.

 Esperava uma reação de Ruben, tal como ele, provavelmente, esperava uma minha. A cabeça de Maria girava impaciente, olhando-nos de soslaio.

 - A sério, meninos? Vão fingir que não se conhecem?

 - Maria, tu não devias… - Ripostei.

 - A Madalena tem razão, não devia ter vindo até aqui. O meu treino acabou por agora. – Uma estranha forma de se despedir. Rúben rodou sobre si, em passos curtos e precisos fitou os obstáculos até ao balneário masculino.

 Não tinha presenciado a boa disposição e humor característicos de Rúben, aliás ele nem sequer me tinha dirigido uma única palavra. Sabia que o caso do seu processo disciplinar e consequente suspensão ainda não estava concluído e, claro, a sua possível saída do clube, tudo isto o estava a afetar. Neste momento, e apesar da sua força, Rúben necessitava de todo o apoio, tanto dos fãs e adeptos, como da família e amigos. E apenas eu me tinha afastado dele, fui a única que o abandonei, quando lhe pedi para agir como se não me conhecesse quando ele mais precisava de apoio. Que espécie de pessoa era eu?

 As portas de vidro que separavam as salas das máquinas da receção do ginásio afastaram-se devido à força exercida por Rúben. Em marcha rápida, deixando a toalha que segurava aos pés de Maria, tentava não embater em nenhuma máquina.

 - Rúben! – Chamava-o em voz alta, mesmo sabendo que as poucas pessoas que se encontravam no ginásio olhariam para mim como se fosse mais uma fã louca do Rúben Amorim.

 Rúben reagiu instintivamente quando ouviu o seu nome pronunciado por uma voz que conhecia.

 - Madalena?!

 Atirei-me para os seus braços, o meu corpo embateu contra o seu, cambaleámos ligeiramente. Os meus braços depressa rodearam o seu pescoço, abracei-o fortemente, sentia falta daquele toque, daquela sensação de proteção. Percebi, mais uma vez, que tudo o que tinha feito não passava de pura estupidez e cobardia. As suas mãos, lentamente, ocuparam espaço nas minhas costas, aplicando ligeira força, com os corpos colados, o espaço entre nós ficou reduzido a nada.

 - Ruben… - Chamei, novamente, num sussurro, ao seu ouvido. Queria dizer-lhe que sentia a sua falta, queria pedir-lhe mil desculpas, queria poder dar-lhe o meu apoio nesta faze final. Imaginava como Rúben se sentia, não ter certeza do futuro, odiava isso.

 - Shiu. – Ordenou-me e eu obedeci.

 As suas mãos subiram até às omoplatas, a sua cabeça, pousada até então, nos meus ombros, parou de frente para a minha. Os meus lábios ansiavam, aliás necessitavam, pelos seus, o desejo aumentava, o meu olhar entrara num bailado entre os seus olhos e a sua boca. Milímetro a milímetro, medo a medo, a distância de escassos centímetros diminuía, os nossos lábios humedecidos aguardavam impacientes. Rúben inclinava-se lentamente e eu só pensava: «Não, Madalena! Oh meu Deus, afasta-te, por favor!». Os meus olhos fecharam-se e os lábios entreabriram-se ligeiramente. Senti um pequeno toque, desejei por mais. Esperava por mais, tal não acontecia pois Rúben afastara-se de mim, e eu voltara a aproximar-me. Desta vez, fui eu a unir as nossas bocas, numa corrida de urgência, desejo e paixão, as suas mãos, agora na minha cintura, puxavam-me para si com uma certa avidez, as minhas puxavam-lhe os pequenos cabelos da nuca e…

 - Madalena, não… - Rúben afastou-se de mim, novamente, suspirando. Passou-me pela cabeça montes de coisas. Senti-me usada, Rúben já não queria nada comigo, por minha culpa, só minha, perdera demasiado tempo a pensar no certo e no errado, a pensar só em mim e esquecera-me de quanto Rúben agora era importante. - Não podemos aqui, eu não posso envolver-me com a comunicação social, não agora. – A minha expressão voltou a mudar. Então era isso?! Ele ainda queria alguma coisa, certo? Apenas estava a ser cuidadoso, qualquer notícia com as palavras erradas poderia mudar o seu futuro, um futuro quem nem ele ainda sabia o seguimento. E claro, as revistas cor de rosa metiam-se sempre em tudo onde não eram chamadas.

 - Desculpa, - Pedi-lhe quando me apercebi que as pessoas continuavam a olhar estupefactas. Depois do que acabavam de ver era óbvio que eu não era apenas uma fã louca e desmiolada de Rúben Amorim, era, certamente, algo mais que as revistas e jornais ainda não tinham previsto e muito menos desconfiado - isto foi um…

 - Um erro? – Tentou completar a frase que eu tinha deixado a meio. Um erro? Como poderia ser um erro demonstrar sentimentos tão bonitos? Sentimentos que nem mesmo ele sabia que existiam da minha parte, afinal eu só lhe dissera, há tempos, que o adorava, mas eu também adoro os meus amigos, certo?

 - Não, não foi um erro. Eu ia chamar-lhe de… impulso.

 - Impulso?

 - A necessidade, muitas vezes irresistível, que nos leva a fazer coisas sem pensar não se chama impulso? – Aquele sorriso que não via há demasiado tempo iluminou-o. Fez-me sorrir também.

 - Sem pensar… - Sabia o que Rúben poderia estar a pensar, o pouco que ele ainda conhecia de mim dizia-lhe que eu nunca agia sem pensar. Era precisamente o contrário, eu conseguia ser, na maior parte das vezes, bastante impulsiva.

 - É quando agimos sem pensar que fazemos as coisas que queremos fazer verdadeiramente.

 - Tive saudades tuas. – Que bom que era ouvir aquilo. O sorriso parvo que tinha na cara não desapareceu, aumentou ainda mais. – Vem comigo, vamos sair daqui… - A sua mão agarrou na minha para me conduzir para fora das instalações, mas eu impedi-o de avançar.

 - Sabes que nada vai mudar, não sabes?

 - Nada? – Ao olhar-me nos olhos encontrou a resposta negativa, pelo que especificou a pergunta novamente. - Nada mesmo?

 - Não vou voltar a pedir para saíres da minha vida, foi uma estupidez tê-lo feito, além disso, não posso nem quero fazê-lo novamente.

 - Mas em relação nós, quer dizer tu e eu…

 - A decisão do futuro não me pertence. Eu sei o que é correr atrás de objetivos e superar metas, por isso, se ficares serei a primeira a ir ter contigo para te pedir desculpa por tudo e para remediar este tempo todo que agi como uma criança, mas se fores também serei a primeira a largar-te a mão e a deixar-te ir.

 - É justo. Sabes, às vezes chego a sentir-me como um idiota, porque penso que não me vou sentir mais culpado.

 - Culpado? Do que estás a falar?

 - Por querer quem quero. – Sabia que Ruben se estava a referir a mim.

 - Rúben…

 - Não, acredita que eu entendo o teu lado. Mas, não me devia sentir assim, mas as tuas atitudes deixam bem claro que eu não sou para ti o que tu és para mim.

 - Isso não é verdade! Eu gosto de ti, Rúben. – Dei entoação à palavra ‘gosto’ para que o sentimento que nutria por ele fosse forçosamente entendido.

 Rúben lançou me um olhar de “Só podes estar a brincar”. Largou-me a mão que até agora segurava para que o seguisse e voltou-se para as portas de vidro, agora novamente fechadas. Agarrou no puxador mas não chegou a movê-la. Depressa a sua mão caiu novamente junto do corpo, todo ele deu meia volta.

 - Não. Se me arrepender que seja por isto.

 Um único passo em frente permitiu que ficássemos novamente demasiado perto, nada fui capaz de dizer. As suas mãos pousaram entre os meus ombros e o meu pescoço, os seus lábios voltaram a encostar os meus. As minhas mãos sobrepuseram-se às suas, cessou o curto beijo.

 - Fico à tua espera, Madalena. Sabes onde me encontrar.

 Esperar, mas claro, não para sempre. Rúben entrou nos balneários masculinos e eu fui de encontro a Maria, que sorridente, se sentia com o objetivo cumprido.

 - Eu não ficaria assim tão feliz. – Fingi-me chateada com Maria.

 - Hum, hum, viu-se.

 - Nada mudou, sabes?

 - Porque tu és uma casmurra.

 - O Rúben pensa que eu não gosto dele como ele gosta de mim…

 - É normal, Madalena. Até eu penso isso!

 - Mas não é verdade…

 - Não é a mim que me tens de dizer isso. Prova-lhe.

 - Já lhe disse que estava enganado.

 - Palavras não são gestos.


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