quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

21º Capítulo: Tu estás... Grávida?

 Não, não acreditava nem um pouco no que estava a dizer, mas, talvez, se o dissesse em voz alta e repetidas vezes, chegasse, um dia, a acreditar no que dizia.

 - Foi o melhor. – Insisti.

 - Não vou insistir mais, mas sei que te vais arrepender, Madalena, disso tenho a certeza.



***



 Os dias passaram e nunca mais voltei a ver Ruben. Janeiro já ia a meio e as aulas tinham recomeçado a todo o vapor, uma vez que estávamos na reta final do semestre. Continuava, todas as manhãs, a comprar o habitual jornal desportivo, onde se apilhava, ao final do dia, juntamente com os dos dias anteriores em cima da mesa centrada entre a televisão e o sofá na minha sala de estar. As notícias sobre a saída de Ruben eram cada vez menos, os pequenos destaques nas capas desapareceram com o decorrer dos dias, nenhuma decisão havia sido tomada. Estava cansada desta espera, embora não fosse meu direito, uma vez que tinha corrido com ele. Não gostava de ter incertezas, mesmo que tudo o que viesse a saber dissesse que Ruben jamais faria parte do meu futuro.

 Com o jornal guardado por entre as folhas do dossiê apoiado no braço, esperava por Maria, Joana e Sofia, junto à entrada da faculdade, para mais um dia de aulas. Separadas, chegavam uma a uma, primeiro Joana, depois Maria e, por fim Sofia. Eu já tivera dias melhores, no entanto tentava ser eu mesma com elas, apenas com uma condição, Ruben era assunto proibido nas nossas conversas, uma vez que todas elas já sabiam da história que não passara disso mesmo, uma história com início e fim, mas sem meio.

 Faltava cerca de meia hora para a primeira aula do dia começar, ainda havia tempo de ir beber um café. O estabelecimento onde íamos antes das aulas estava um pouco vazio ainda, fizemos o pedido ao empregado de mesa e iniciámos mais uma conversa. Sofia, para além de não ter pedido nada, estava calada, o que era muito estranho visto que de nós as quatro era a segunda que falava mais, perdendo o primeiro lugar para Maria. Saí também eu da conversa para começar uma nova com Sofia que ocupava o lugar ao meu lado, sabia que se estava a passar qualquer coisa.

 - O que se passa, Sofia? – Perguntei-lhe num tom de voz pouco audível.

 - Nada, não se passa nada.

 No instante em que me respondeu, as primeiras lágrimas surgiram nos olhos de Sofia, para dar início a um choro compulsivo. Coloquei um braço nos seus ombros, gesto que ela correspondeu com um abraço apertado. Embora com esforço por parte de Sofia, o seu choro foi audível para Maria e Joana que se encontravam ao nosso lado, rapidamente abandonaram a conversa que estavam a ter e insistiram com Sofia para partilhar connosco o que passava. Mas antes, era altura de sair dali. O estacionamento da escola ainda estava um pouco vazio em relação aos bancos exteriores ou à entrada, e foi mesmo para lá que fomos a pedido de Sofia.

 Estávamos encostadas ao seu carro enquanto os minutos passavam, ela permanecia calada e com o choro controlado.

 - Querida, conta-nos. Sabes que não podemos faltar às aulas nesta altura…

 - Eu… Eu não quero isto. – Dizia com esforço.

 - Se não nos contares não pudemos ajudar.

 - Vocês não podem ajudar. Isto não tem solução.

 - Tudo tem solução…

 - Isto não.

 - E o que é o ‘isto’?

 - Eu estou… Grávida. – Abraçou-me de novo apertadamente e o choro voltou a aumentar.

 - Tu estás… Grávida? Quando é que…? Quem é o…?

 - Foi na noite da passagem de ano…

 - Com quem estiveste nessa noite?

 - Foi com o Rodrigo…

 As restantes certamente sabiam quem era o Rodrigo, mas eu não.

 - Quem é esse?

 Antes de a resposta sair da boca de Sofia, as cabeças das três meninas rodaram na direção dos carros que tinha acabado de entrar no parque. Percebi que o Rodrigo seria um daqueles uma vez que o olhar delas as denunciara. Reconhecia um deles. Sim, era aquele. Loiro, alto, porte atlético, vira os dois juntos quando já estava junto a Ruben na Doca dos Olivais, pouco depois da meia-noite, e também pouco depois de Ruben me ter pedido em namoro.

 - Ele sabe? – Interrompi o silêncio e afastei os pensamentos que me invadiam a mente ao relembrar aquela noite.

 - Não. Fiz o teste hoje de manhã.

 - Então vais ter de lhe contar…

 - Não, isso não. Ainda não sei o que fazer…

 - Estás a pensar em… abortar? – Sofia não me respondeu, mas era certo que já tinha pensado nisso. – A escolha é tua…

 - Eu vou ficar com a vida estragada e ainda sou tão nova. Eu não quero ser… mãe, não agora, não nos próximos anos. – Acho que todas nós nos metemos no lugar de Sofia. Todas tínhamos a mesma idade e nenhuma tinha, nos seus planos para um futuro próximo, um filho.

 - Um filho não estraga a vida, muda-a. Mas vais ter de procurar ajuda junto da tua família, dos teus amigos e dele.

 - Eu tenho medo que ele saiba. Tu sabes que tenho aquela grande pancada por ele e se ele souber nunca mais olha para a minha cara.

 - Ele tem de saber e tem de te ajudar, a culpa do que aconteceu não é só tua…

 - É, e ele também vai achar isso.

 - O que ele acha é problema dele. Tens de pensar primeiro em ti e nessa criança que, coitada, não tem culpa dos vossos erros. – Ponderou, por momentos, em tudo o que lhe disse e, voltei a reconhecer a Sofia que conhecera há dois anos.

 - Tens razão. – Inspirou e expirou profundamente.

 Todas soubemos que era o momento certo para ambos terem aquela conversa, quando o seu olhar, ao longe, foi de encontro ao dela. Rodrigo, aluno do 3º ano de Radiologia, fez sinal para que os seus colegas seguissem caminho e assim o fizeram. Agora sozinho, Sofia foi ao seu encontro. Mal sabia o que lhe esperava.

 De onde nos encontrávamos, a distância até eles era demasiado longa para que pudéssemos ouvir o que quer que fosse, aparentemente estavam calmos.

 - Sabes que importa o que os outros pensam. – Maria utilizara o meu diálogo com Sofia para puxar um outro assunto.

 - Neste caso não importa. Não importa o que ele pense dela ou que pense de quem é a culpa. Os dois são culpados e agora só têm de atinar porque um ser humano vem a caminho.

 - No caso teu importa.

 - Importava – Corrigi. Nunca mais voltaria a ver Ruben ou, na melhor das hipóteses, voltaria a vê-lo quando ele regressasse a Portugal, isto se ainda se lembrasse de mim, mas nessa altura já para mim nada significava, esperava eu, e eu para ele, não passaria de alguém que um dia conheceu, como todos nós conhecemos pessoas que depois esquecemos porque não tiveram importância suficiente na nossa vida para permanecerem.

 - A vossa história não acabou…

 - Como é que pode acabar uma coisa que nunca começou?

 - Começou. Não no dia em que o viste pela primeira vez no salão de Bowling ou no dia em que fomos fazer as compras de Natal… Começou no dia em que aceitaste jantar com ele, em que puseste o teu cérebro de lado e agiste com o coração. No dia em que o começaste a admirar não pelo seu trabalho mas pela pessoa que tiveste a honra em conhecer.

 - Talvez, mas acabou. – Voltei a insistir.

 - Só acaba se tu quiseres…

 - Não sou eu que me vou embora.

 - Tu é que sabes. Se tu não queres deixar-te dessas declarações casmurras, quem sou eu para te abrir os olhos?

 - Medo.

 - O quê?

 - Medo. Chama-se medo.

 - Medo de quê?

 - De sofrer…

 - Madalena, se tu quiseres, não acabou. O Ruben ainda está à tua espera…

 - Não devia, sabes? Não sou eu que… – Olhei para Sofia, o olhar de Maria e Joana seguiram o meu. – Mas que raio se passa ali?

 No momento em que o nosso olhar os encontrou, Rodrigo estava ligeiramente inclinado para Sofia com os lábios beijando-lhe a testa. Por suposto, não tinha corrido assim tão mal como prevíramos anteriormente. Despedindo-se, assim, de Sofia, Rodrigo acelerou o passo e entrou no interior da escola. Nós, rapidamente, fomos ao encontro de Sofia. Um sorriso enorme iluminava-lhe o rosto, mas o som do toque de entrada estragou-nos a alegria.

 «Só espero que o professor não venha mal disposto.»

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