Não, não
acreditava nem um pouco no que estava a dizer, mas, talvez, se o dissesse em
voz alta e repetidas vezes, chegasse, um dia, a acreditar no que dizia.
- Foi o melhor.
– Insisti.
- Não vou
insistir mais, mas sei que te vais arrepender, Madalena, disso tenho a certeza.
***
Os dias
passaram e nunca mais voltei a ver Ruben. Janeiro já ia a meio e as aulas
tinham recomeçado a todo o vapor, uma vez que estávamos na reta final do
semestre. Continuava, todas as manhãs, a comprar o habitual jornal desportivo,
onde se apilhava, ao final do dia, juntamente com os dos dias anteriores em
cima da mesa centrada entre a televisão e o sofá na minha sala de estar. As
notícias sobre a saída de Ruben eram cada vez menos, os pequenos destaques nas
capas desapareceram com o decorrer dos dias, nenhuma decisão havia sido tomada.
Estava cansada desta espera, embora não fosse meu direito, uma vez que tinha
corrido com ele. Não gostava de ter incertezas, mesmo que tudo o que viesse a
saber dissesse que Ruben jamais faria parte do meu futuro.
Com o jornal
guardado por entre as folhas do dossiê apoiado no braço, esperava por Maria,
Joana e Sofia, junto à entrada da faculdade, para mais um dia de aulas.
Separadas, chegavam uma a uma, primeiro Joana, depois Maria e, por fim Sofia.
Eu já tivera dias melhores, no entanto tentava ser eu mesma com elas, apenas
com uma condição, Ruben era assunto proibido nas nossas conversas, uma vez que
todas elas já sabiam da história que não passara disso mesmo, uma história com
início e fim, mas sem meio.
Faltava cerca
de meia hora para a primeira aula do dia começar, ainda havia tempo de ir beber
um café. O estabelecimento onde íamos antes das aulas estava um pouco vazio ainda,
fizemos o pedido ao empregado de mesa e iniciámos mais uma conversa. Sofia,
para além de não ter pedido nada, estava calada, o que era muito estranho visto
que de nós as quatro era a segunda que falava mais, perdendo o primeiro lugar
para Maria. Saí também eu da conversa para começar uma nova com Sofia que
ocupava o lugar ao meu lado, sabia que se estava a passar qualquer coisa.
- O que se
passa, Sofia? – Perguntei-lhe num tom de voz pouco audível.
- Nada, não se
passa nada.
No instante em
que me respondeu, as primeiras lágrimas surgiram nos olhos de Sofia, para dar
início a um choro compulsivo. Coloquei um braço nos seus ombros, gesto que ela
correspondeu com um abraço apertado. Embora com esforço por parte de Sofia, o
seu choro foi audível para Maria e Joana que se encontravam ao nosso lado,
rapidamente abandonaram a conversa que estavam a ter e insistiram com Sofia
para partilhar connosco o que passava. Mas antes, era altura de sair dali. O
estacionamento da escola ainda estava um pouco vazio em relação aos bancos
exteriores ou à entrada, e foi mesmo para lá que fomos a pedido de Sofia.
Estávamos
encostadas ao seu carro enquanto os minutos passavam, ela permanecia calada e
com o choro controlado.
- Querida,
conta-nos. Sabes que não podemos faltar às aulas nesta altura…
- Eu… Eu não
quero isto. – Dizia com esforço.
- Se não nos
contares não pudemos ajudar.
- Vocês não
podem ajudar. Isto não tem solução.
- Tudo tem
solução…
- Isto não.
- E o que é o
‘isto’?
- Eu estou… Grávida.
– Abraçou-me de novo apertadamente e o choro voltou a aumentar.
- Tu estás…
Grávida? Quando é que…? Quem é o…?
- Foi na noite
da passagem de ano…
- Com quem
estiveste nessa noite?
- Foi com o
Rodrigo…
As restantes
certamente sabiam quem era o Rodrigo, mas eu não.
- Quem é esse?
Antes de a
resposta sair da boca de Sofia, as cabeças das três meninas rodaram na direção dos
carros que tinha acabado de entrar no parque. Percebi que o Rodrigo seria um
daqueles uma vez que o olhar delas as denunciara. Reconhecia um deles. Sim, era
aquele. Loiro, alto, porte atlético, vira os dois juntos quando já estava junto
a Ruben na Doca dos Olivais, pouco depois da meia-noite, e também pouco depois
de Ruben me ter pedido em namoro.
- Ele sabe? –
Interrompi o silêncio e afastei os pensamentos que me invadiam a mente ao
relembrar aquela noite.
- Não. Fiz o
teste hoje de manhã.
- Então vais
ter de lhe contar…
- Não, isso
não. Ainda não sei o que fazer…
- Estás a
pensar em… abortar? – Sofia não me respondeu, mas era certo que já tinha
pensado nisso. – A escolha é tua…
- Eu vou ficar
com a vida estragada e ainda sou tão nova. Eu não quero ser… mãe, não agora,
não nos próximos anos. – Acho que todas nós nos metemos no lugar de Sofia.
Todas tínhamos a mesma idade e nenhuma tinha, nos seus planos para um futuro
próximo, um filho.
- Um filho não
estraga a vida, muda-a. Mas vais ter de procurar ajuda junto da tua família,
dos teus amigos e dele.
- Eu tenho medo
que ele saiba. Tu sabes que tenho aquela grande pancada por ele e se ele souber
nunca mais olha para a minha cara.
- Ele tem de
saber e tem de te ajudar, a culpa do que aconteceu não é só tua…
- É, e ele
também vai achar isso.
- O que ele
acha é problema dele. Tens de pensar primeiro em ti e nessa criança que,
coitada, não tem culpa dos vossos erros. – Ponderou, por momentos, em tudo o
que lhe disse e, voltei a reconhecer a Sofia que conhecera há dois anos.
- Tens razão. –
Inspirou e expirou profundamente.
Todas soubemos
que era o momento certo para ambos terem aquela conversa, quando o seu olhar,
ao longe, foi de encontro ao dela. Rodrigo, aluno do 3º ano de Radiologia, fez
sinal para que os seus colegas seguissem caminho e assim o fizeram. Agora
sozinho, Sofia foi ao seu encontro. Mal sabia o que lhe esperava.
De onde nos
encontrávamos, a distância até eles era demasiado longa para que pudéssemos
ouvir o que quer que fosse, aparentemente estavam calmos.
- Sabes que
importa o que os outros pensam. – Maria utilizara o meu diálogo com Sofia para
puxar um outro assunto.
- Neste caso
não importa. Não importa o que ele pense dela ou que pense de quem é a culpa.
Os dois são culpados e agora só têm de atinar porque um ser humano vem a
caminho.
- No caso teu
importa.
- Importava – Corrigi.
Nunca mais voltaria a ver Ruben ou, na melhor das hipóteses, voltaria a vê-lo quando
ele regressasse a Portugal, isto se ainda se lembrasse de mim, mas nessa altura
já para mim nada significava, esperava eu, e eu para ele, não passaria de
alguém que um dia conheceu, como todos nós conhecemos pessoas que depois
esquecemos porque não tiveram importância suficiente na nossa vida para
permanecerem.
- A vossa
história não acabou…
- Como é que
pode acabar uma coisa que nunca começou?
- Começou. Não
no dia em que o viste pela primeira vez no salão de Bowling ou no dia em que
fomos fazer as compras de Natal… Começou no dia em que aceitaste jantar com
ele, em que puseste o teu cérebro de lado e agiste com o coração. No dia em que
o começaste a admirar não pelo seu trabalho mas pela pessoa que tiveste a honra
em conhecer.
- Talvez, mas
acabou. – Voltei a insistir.
- Só acaba se
tu quiseres…
- Não sou eu
que me vou embora.
- Tu é que
sabes. Se tu não queres deixar-te dessas declarações casmurras, quem sou eu
para te abrir os olhos?
- Medo.
- O quê?
- Medo.
Chama-se medo.
- Medo de quê?
- De sofrer…
- Madalena, se
tu quiseres, não acabou. O Ruben ainda está à tua espera…
- Não devia,
sabes? Não sou eu que… – Olhei para Sofia, o olhar de Maria e Joana seguiram o
meu. – Mas que raio se passa ali?
No momento em
que o nosso olhar os encontrou, Rodrigo estava ligeiramente inclinado para
Sofia com os lábios beijando-lhe a testa. Por suposto, não tinha corrido assim
tão mal como prevíramos anteriormente. Despedindo-se, assim, de Sofia, Rodrigo
acelerou o passo e entrou no interior da escola. Nós, rapidamente, fomos ao
encontro de Sofia. Um sorriso enorme iluminava-lhe o rosto, mas o som do toque
de entrada estragou-nos a alegria.
«Só espero que
o professor não venha mal disposto.»
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