Os dias
passavam a correr, seria isso um bom sinal? Maria sabia que agora tudo o que
tinha de fazer era esperar pela confirmação tão desejada, ela e eu. Mas, pelo
menos, nestes últimos dias não me tinha chateado com artimanhas nem planos
meticulosamente preparados para que eu e Rúben nos encontrássemos. Eu chegara
ao ponto de comprar todos os jornais que mencionassem o nome do clube encarnado
ou de Rúben, todos os dias colocava as mesmas palavras-chave no motor de busca
da internet para me atualizar sobre as notícias que era lançadas ao minuto.
Tudo isto para quê? A maldita notícia de que Rúben iria jogar para outro país
chegaria a seu tempo. Com toda a certeza, Rúben estaria muito melhor informado
através do presidente do clube ou do seu empresário, do que os jornais
estariam, muita coisa era mantida no segredo dos deuses, mas também, como é óbvio,
não lhe ia perguntar.
Estávamos a
entrar na reta final do semestre que terminava no final de Janeiro para nos dar
uma semana de descanso, isto também queria dizer que estávamos no final de
Janeiro, o mercado de transferências estava prestes a fechar e nada estava
decidido. Confesso que me tinha passado pela cabeça a ideia de pedir Erasmus
para Itália, ideia que depressa coloquei de parte mesmo que eu tivesse notas e
independência suficientes para o fazer. Adoraria fazer Erasmus, é verdade, mas
não seria em Itália, não tenho nada contra o país, apenas não é um dos meus
destinos de eleição para o fazer, e também não iria só porque Rúben poderia ir
para lá.
***
Seria este o
último toque de saída que ouviria este mês. Decidira, para desilusão da minha família,
não passar esta única semana de férias no Alentejo, com a desculpa de ter
imensos trabalhos da faculdade para acabar. O meu pai ainda engoliu a história,
já a minha mãe era demasiado inteligente para isso.
Se o tempo até
aqui passara demasiado depressa desde o meu último encontro com Rúben,
proporcionado por Maria, agora estava a passar demasiado devagar. Faltava pouco
mais de um dia para o ‘apito final’, para que o mercado de inverno fechasse, aí
poderia suspirar de alívio, ou não.
Era habitual o Gonçalo,
um dos membros da minha turma, organizar um jantar em sua casa, onde convidava
todos os membros da turma, para celebrar o término de mais um semestre, mais
uma meta conquistada. As aulas hoje tinham acabado tarde, apenas teria tempo de
passar em casa, tomar um duche rápido, conduzir em hora de ponta por Lisboa, e
claro, rezar para que chegasse a horas, ou Gonçalo, o sempre pontual,
matava-me.
A roupa tinha
ficado escolhida logo de manhã, cobria grande parte da minha cama. Havia dias
em que era necessário trocar os demorosos e relaxantes banhos pelos rápidos
duches, este era um desses dias. Enquanto o creme que me ajudava a domar os
meus cabelos atuava, a água quente do chuveiro batia na minha pele e, eu
cantava, não que cantasse especialmente bem, mas também não estava ali ninguém
para ouvir.
Enrolei-me um
toalhão, já com o creme corporal aplicado, estiquei o cabelo num liso perfeito.
Vesti-me de
forma simples, não seria nada formal, porque se fosse, e perfecionista como
Gonçalo era teria avisado, aliás ordenado, a todos os convidados que deveriam
vestir-se de acordo com a paleta de cores estipulada por ele.
***
Com os pais
fora de casa, Gonçalo e o seu irmão gémeo, Bernardo, recebiam os convidados que
começavam a chegar. Embora gémeos, Gonçalo e Bernardo eram opostos. Na verdade,
quanto mais longe estivessem, um do outro, melhor. Gonçalo era um rapaz
simples, simples isto é, nunca dispensava o melhor, chegava a ser um pouco
fútil, mas era bom rapaz. Era aquela espécie rara que todas as raparigas desejariam
ter como amigo. Sim, só amigo, porque Gonçalo preferia um outro tipo de género
para as suas relações, o que o tornava ainda mais especial. Bernardo era o
típico ‘cabrãozinho’, aproveitava-se da sua estrutura e da sua carinha bonita
para aumentar a sua lista. Não jogava só com o físico, aquele rapaz tinha um
jeito para as palavras que deixava qualquer coração de gelo em água.
Entrámos na
grande casa, na sala de estar as entradas estavam servidas e, distribuídos
pelos sofás e cadeiras esperávamos que o jantar também fosse servido. Enquanto
isso, conversa prolongava-se entre todos, excluindo, claramente, Bernardo e o
seu grupo de amigos que, na minha opinião, não tinham o mínimo de respeito pelo
sexo oposto.
Sentados à
mesa, a cozinheira da família ia servindo o jantar. A ocupar um canto da enorme
mesa estava eu, Maria, Joana e Sofia, e precisamente na minha frente, no canto
oposto, Bernardo e o pequeno batalhão de otários.
- Ali o playboy
ainda te rouba um bocado. – Senti-a olhos posados em mim e Joana apenas
confirmou.
- Tenho cara de
coelho?
- Olha que até
serve para dar umas voltinhas… - O meu olhar transformou-se num grande “o quê?”
– Não, não dava. Tava a brincar. – Disfarçou.
- Madalena, tu
nunca mais estiveste com o Rúben, tu própria admites que não acreditas que ele
fique. Por que não aproveitar? – Estava claro que Maria cumprira o acordo,
Joana e Sofia não sabiam nada a mais do que aquilo que lhe tinha contado.
- Porque
estamos a falar do Bernardo. Para vossa informação o Rúben ainda não se foi
embora, ou sabem algo que eu não sei?
- Sabemos tanto
ou menos do que tu.
- Ótimo. –
Maria mantinha-se calada.
Gonçalo tivera
cuidado e técnica ao distribuir os lugares na mesa, num extremo, raparigas, no
centro os casais e, no outro extremo, os rapazes. O som da televisão, de
repente fez-se ouvir. O tema “futebol” ocupava, ultimamente, grande parte dos
noticiários noturnos. O mercado de inverno era um dos temas principais, embora que
por esta altura só os casos mais complicados ainda estivessem em negociações,
pois grande parte das equipas já contava com as suas novas aquisições. Da
televisão para a mesa, todos acabaram por discutir futebol.
- Não foi,
Madalena?
- Ahn? O quê? –
Bernardo aparentemente fizera-me uma pergunta.
- Estava só a
comentar que o Sporting este ano comprou bons reforços.
- Sim, acho que
sim.
- E o Benfica
este ano também tem uma grande equipa, não achas? – Puxava uma conversa que
naquele momento e em nenhum momento ultimamente me queria envolvida.
- Respondo-te a
isso nas primeiras horas de Fevereiro.
- Pensas que
vai entrar mais algum jogador?
- Não.
- Sair?
- Talvez.
- Aquele Rúben
Amorim devia ir. Já que se acha tão bom e não respeita as decisões do treinador
vá mostrar o que vale para outro lado. – Obviamente nem mereceu resposta e dei
com aquela troca de palavras por terminada. Pedi licença e levantei-me da mesa
para ir à casa de banho antes que aquela conversa puxada e desinteressante
azedasse.
Apoiada no lavatório
em frente ao espelho vi Maria entrar, fechando a porta atrás de si.
- É incrível
como os teus olhos brilham quando se fala nele… - Olhei para o espelho para
confirmar. – Eu sei como isto te tem afectado também a ti. O primeiro homem a
quem tens coragem de te entregares está em risco de ir embora…
- E se ele for,
Maria?
- Espera pelo
dia de amanha, não vale a pena sofrer por antecipação. – Assenti positivamente.
– Tu estás apaixonada, não estás?
- Não.
- Estás. Eu sei
que sim…
- Então se
sabes não perguntes.
- Madalena. –
As suas mãos seguraram-me na cara, fazendo-a rodar, para que olhasse nos olhos
de Maria. – Vai tudo correr bem, além disso, eu vou estar sempre aqui.
- Se ele não
fosse embora já todos sabíamos.
- As coisas não
funcionam assim, tu sabes isso melhor do que eu. Estas negociações demoram o
seu tempo, mais ainda no caso de Rúben…
- Ele estragou
tudo, Maria. A culpa é dele!
Maria ia
ripostar quando Joana abriu a porta da casa de banho de repente.
- Madalena
anda. – Agarrou-me na mão e puxou-me para a sala de jantar. A notícia que
preenchia o grande televisor tinha um título curto e esclarecedor: “O futuro de
Rúben Amorim está decidido”. Ouvi, com toda a atenção, o que o jornalista
dizia, a verdade é que também ele não sabia de nada quanto ao futuro de Rúben.
A decisão só seria noticiada amanhã.
Maria, Joana e
Sofia olhavam-me e então fui forçada a colocar um sorriso nos lábios, que para
elas nada iria significar. Nada mais do que um disfarce. Aproveitei o facto de
os meus colegas já estarem nas sobremesas para ir até ao jardim das traseiras,
ainda vazio.
O número de
Rúben permanecia na minha lista telefónica e num simples clique a sequência de
‘pis’ indicou a chamada.
- Rúben, eu… -
Apressei-me a dizer quando o som característico silenciou, tudo indicava que
tinha atendido, mas depressa, voltei a ser interrompida.
- O número que
tentou contactar não se encontra disponível, por favor, deixe a sua mensagem
após o sinal.
Rúben não me
atendia a chamada, provavelmente já sabia o resultado do acordo entre os dois
clubes. Resultado esse que parecia não me agradar. Sentei-me num dos puffs
dispostos à beira da piscina.
- O que estás
aqui a fazer sozinha? – Reconheci a voz cujo dono era a última pessoa que me
apetecia ver à frente.
- A tentar
apanhar ar, mas ele está, constantemente, a ser poluído.
- Acho que
podemos resolver isso… - Bernardo deu mais uns passos em frente e sentou-se num
puff ao lado daquele que eu ocupava. – Talvez assim comece a melhorar… - Dizia
cada palavra pausadamente, aproximando-se de mim, lentamente, para me beijar.
Deixei-o aproximar mais um pouco, até ficarmos a escassos centímetros de
distância para depois a minha mão voar, brutalmente, até à sua cara,
esbofeteando-o.
- Nunca mais
tentes! – Ameacei ao levantar-me. Bernardo levantou-se também, ficando de
frente para mim.
- Isto não fica
por aqui. Ainda me hás-de procurar. – Gargalhei perante enorme barbaridade,
virei-lhe costas e fui de encontro aos meus restantes colegas.
- Já vais? –
Perguntou Gonçalo quando anunciei que ia regressar a casa. – Estávamos a
combinar em ir até ao Bairro Alto…
- Fica para a
próxima. – Bernardo entrou na sala e olhou-me sorridente. Respondi-lhe com um
olhar de soslaio.
- O que é que o
meu irmão te fez?
- Nada que
mereça atenção… Tens sorte em ser diferente dele. – Gonçalo sorriu-me
agradecido. Ao canto da sala, Maria, Joana e Sofia conversavam animadas, fui
ter com elas.
- Meus amores,
vou embora.
- Já? –
Perguntou Sofia olhando para o relógio.
- Já. Quero
dormir e só acordar daqui a uns dias.
- O que quer
que tenha ficado decidido, tenho a certeza que foi o melhor.
- Vamos ver,
Sofia, vamos ver.
- Já falaste
com ele?
- Não, ainda
não, Maria. Tentei ligar-lhe há pouco mas ele não atendeu. – Certamente teriam
chegado à mesma conclusão do que eu: Rúben ia mesmo para outro país.
- E foi por
isso que ficaste tanto tempo lá fora?
- O Bernardo
decidiu fazer-me companhia…
- O quê?
- Tentou
beijar-me.
- Tentou?
- Tentou.
- E tu…?
- E eu nada. Eu
gosto do Rúben, independentemente do que irá acontecer. – Esta era a
confirmação que Maria queria ouvir sair da minha boca. Sorriu-me. Despedi-me e
segui caminho até casa, onde uma longa noite me esperava.
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