quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

24º Capítulo: Meia decisão


 Os dias passavam a correr, seria isso um bom sinal? Maria sabia que agora tudo o que tinha de fazer era esperar pela confirmação tão desejada, ela e eu. Mas, pelo menos, nestes últimos dias não me tinha chateado com artimanhas nem planos meticulosamente preparados para que eu e Rúben nos encontrássemos. Eu chegara ao ponto de comprar todos os jornais que mencionassem o nome do clube encarnado ou de Rúben, todos os dias colocava as mesmas palavras-chave no motor de busca da internet para me atualizar sobre as notícias que era lançadas ao minuto. Tudo isto para quê? A maldita notícia de que Rúben iria jogar para outro país chegaria a seu tempo. Com toda a certeza, Rúben estaria muito melhor informado através do presidente do clube ou do seu empresário, do que os jornais estariam, muita coisa era mantida no segredo dos deuses, mas também, como é óbvio, não lhe ia perguntar.

 Estávamos a entrar na reta final do semestre que terminava no final de Janeiro para nos dar uma semana de descanso, isto também queria dizer que estávamos no final de Janeiro, o mercado de transferências estava prestes a fechar e nada estava decidido. Confesso que me tinha passado pela cabeça a ideia de pedir Erasmus para Itália, ideia que depressa coloquei de parte mesmo que eu tivesse notas e independência suficientes para o fazer. Adoraria fazer Erasmus, é verdade, mas não seria em Itália, não tenho nada contra o país, apenas não é um dos meus destinos de eleição para o fazer, e também não iria só porque Rúben poderia ir para lá.



***



 Seria este o último toque de saída que ouviria este mês. Decidira, para desilusão da minha família, não passar esta única semana de férias no Alentejo, com a desculpa de ter imensos trabalhos da faculdade para acabar. O meu pai ainda engoliu a história, já a minha mãe era demasiado inteligente para isso.

 Se o tempo até aqui passara demasiado depressa desde o meu último encontro com Rúben, proporcionado por Maria, agora estava a passar demasiado devagar. Faltava pouco mais de um dia para o ‘apito final’, para que o mercado de inverno fechasse, aí poderia suspirar de alívio, ou não.

 Era habitual o Gonçalo, um dos membros da minha turma, organizar um jantar em sua casa, onde convidava todos os membros da turma, para celebrar o término de mais um semestre, mais uma meta conquistada. As aulas hoje tinham acabado tarde, apenas teria tempo de passar em casa, tomar um duche rápido, conduzir em hora de ponta por Lisboa, e claro, rezar para que chegasse a horas, ou Gonçalo, o sempre pontual, matava-me.

 A roupa tinha ficado escolhida logo de manhã, cobria grande parte da minha cama. Havia dias em que era necessário trocar os demorosos e relaxantes banhos pelos rápidos duches, este era um desses dias. Enquanto o creme que me ajudava a domar os meus cabelos atuava, a água quente do chuveiro batia na minha pele e, eu cantava, não que cantasse especialmente bem, mas também não estava ali ninguém para ouvir.

 Enrolei-me um toalhão, já com o creme corporal aplicado, estiquei o cabelo num liso perfeito.


 Vesti-me de forma simples, não seria nada formal, porque se fosse, e perfecionista como Gonçalo era teria avisado, aliás ordenado, a todos os convidados que deveriam vestir-se de acordo com a paleta de cores estipulada por ele.



***



 Com os pais fora de casa, Gonçalo e o seu irmão gémeo, Bernardo, recebiam os convidados que começavam a chegar. Embora gémeos, Gonçalo e Bernardo eram opostos. Na verdade, quanto mais longe estivessem, um do outro, melhor. Gonçalo era um rapaz simples, simples isto é, nunca dispensava o melhor, chegava a ser um pouco fútil, mas era bom rapaz. Era aquela espécie rara que todas as raparigas desejariam ter como amigo. Sim, só amigo, porque Gonçalo preferia um outro tipo de género para as suas relações, o que o tornava ainda mais especial. Bernardo era o típico ‘cabrãozinho’, aproveitava-se da sua estrutura e da sua carinha bonita para aumentar a sua lista. Não jogava só com o físico, aquele rapaz tinha um jeito para as palavras que deixava qualquer coração de gelo em água.

 Entrámos na grande casa, na sala de estar as entradas estavam servidas e, distribuídos pelos sofás e cadeiras esperávamos que o jantar também fosse servido. Enquanto isso, conversa prolongava-se entre todos, excluindo, claramente, Bernardo e o seu grupo de amigos que, na minha opinião, não tinham o mínimo de respeito pelo sexo oposto.

 Sentados à mesa, a cozinheira da família ia servindo o jantar. A ocupar um canto da enorme mesa estava eu, Maria, Joana e Sofia, e precisamente na minha frente, no canto oposto, Bernardo e o pequeno batalhão de otários.

 - Ali o playboy ainda te rouba um bocado. – Senti-a olhos posados em mim e Joana apenas confirmou.

 - Tenho cara de coelho?

 - Olha que até serve para dar umas voltinhas… - O meu olhar transformou-se num grande “o quê?” – Não, não dava. Tava a brincar. – Disfarçou.

 - Madalena, tu nunca mais estiveste com o Rúben, tu própria admites que não acreditas que ele fique. Por que não aproveitar? – Estava claro que Maria cumprira o acordo, Joana e Sofia não sabiam nada a mais do que aquilo que lhe tinha contado.

 - Porque estamos a falar do Bernardo. Para vossa informação o Rúben ainda não se foi embora, ou sabem algo que eu não sei?

 - Sabemos tanto ou menos do que tu.

 - Ótimo. – Maria mantinha-se calada.

 Gonçalo tivera cuidado e técnica ao distribuir os lugares na mesa, num extremo, raparigas, no centro os casais e, no outro extremo, os rapazes. O som da televisão, de repente fez-se ouvir. O tema “futebol” ocupava, ultimamente, grande parte dos noticiários noturnos. O mercado de inverno era um dos temas principais, embora que por esta altura só os casos mais complicados ainda estivessem em negociações, pois grande parte das equipas já contava com as suas novas aquisições. Da televisão para a mesa, todos acabaram por discutir futebol.

 - Não foi, Madalena?

 - Ahn? O quê? – Bernardo aparentemente fizera-me uma pergunta.

 - Estava só a comentar que o Sporting este ano comprou bons reforços.

 - Sim, acho que sim.

 - E o Benfica este ano também tem uma grande equipa, não achas? – Puxava uma conversa que naquele momento e em nenhum momento ultimamente me queria envolvida.

 - Respondo-te a isso nas primeiras horas de Fevereiro.

 - Pensas que vai entrar mais algum jogador?

 - Não.

 - Sair?

 - Talvez.

 - Aquele Rúben Amorim devia ir. Já que se acha tão bom e não respeita as decisões do treinador vá mostrar o que vale para outro lado. – Obviamente nem mereceu resposta e dei com aquela troca de palavras por terminada. Pedi licença e levantei-me da mesa para ir à casa de banho antes que aquela conversa puxada e desinteressante azedasse.

 Apoiada no lavatório em frente ao espelho vi Maria entrar, fechando a porta atrás de si.

 - É incrível como os teus olhos brilham quando se fala nele… - Olhei para o espelho para confirmar. – Eu sei como isto te tem afectado também a ti. O primeiro homem a quem tens coragem de te entregares está em risco de ir embora…

 - E se ele for, Maria?

 - Espera pelo dia de amanha, não vale a pena sofrer por antecipação. – Assenti positivamente. – Tu estás apaixonada, não estás?

 - Não.

 - Estás. Eu sei que sim…

 - Então se sabes não perguntes.

 - Madalena. – As suas mãos seguraram-me na cara, fazendo-a rodar, para que olhasse nos olhos de Maria. – Vai tudo correr bem, além disso, eu vou estar sempre aqui.

 - Se ele não fosse embora já todos sabíamos.

 - As coisas não funcionam assim, tu sabes isso melhor do que eu. Estas negociações demoram o seu tempo, mais ainda no caso de Rúben…

 - Ele estragou tudo, Maria. A culpa é dele!

 Maria ia ripostar quando Joana abriu a porta da casa de banho de repente.

 - Madalena anda. – Agarrou-me na mão e puxou-me para a sala de jantar. A notícia que preenchia o grande televisor tinha um título curto e esclarecedor: “O futuro de Rúben Amorim está decidido”. Ouvi, com toda a atenção, o que o jornalista dizia, a verdade é que também ele não sabia de nada quanto ao futuro de Rúben. A decisão só seria noticiada amanhã.

 Maria, Joana e Sofia olhavam-me e então fui forçada a colocar um sorriso nos lábios, que para elas nada iria significar. Nada mais do que um disfarce. Aproveitei o facto de os meus colegas já estarem nas sobremesas para ir até ao jardim das traseiras, ainda vazio.

 O número de Rúben permanecia na minha lista telefónica e num simples clique a sequência de ‘pis’ indicou a chamada.

 - Rúben, eu… - Apressei-me a dizer quando o som característico silenciou, tudo indicava que tinha atendido, mas depressa, voltei a ser interrompida.

 - O número que tentou contactar não se encontra disponível, por favor, deixe a sua mensagem após o sinal.

 Rúben não me atendia a chamada, provavelmente já sabia o resultado do acordo entre os dois clubes. Resultado esse que parecia não me agradar. Sentei-me num dos puffs dispostos à beira da piscina.

 - O que estás aqui a fazer sozinha? – Reconheci a voz cujo dono era a última pessoa que me apetecia ver à frente.

 - A tentar apanhar ar, mas ele está, constantemente, a ser poluído.

 - Acho que podemos resolver isso… - Bernardo deu mais uns passos em frente e sentou-se num puff ao lado daquele que eu ocupava. – Talvez assim comece a melhorar… - Dizia cada palavra pausadamente, aproximando-se de mim, lentamente, para me beijar. Deixei-o aproximar mais um pouco, até ficarmos a escassos centímetros de distância para depois a minha mão voar, brutalmente, até à sua cara, esbofeteando-o.

 - Nunca mais tentes! – Ameacei ao levantar-me. Bernardo levantou-se também, ficando de frente para mim.

 - Isto não fica por aqui. Ainda me hás-de procurar. – Gargalhei perante enorme barbaridade, virei-lhe costas e fui de encontro aos meus restantes colegas.

 - Já vais? – Perguntou Gonçalo quando anunciei que ia regressar a casa. – Estávamos a combinar em ir até ao Bairro Alto…

 - Fica para a próxima. – Bernardo entrou na sala e olhou-me sorridente. Respondi-lhe com um olhar de soslaio.

 - O que é que o meu irmão te fez?

 - Nada que mereça atenção… Tens sorte em ser diferente dele. – Gonçalo sorriu-me agradecido. Ao canto da sala, Maria, Joana e Sofia conversavam animadas, fui ter com elas.

 - Meus amores, vou embora.

 - Já? – Perguntou Sofia olhando para o relógio.

 - Já. Quero dormir e só acordar daqui a uns dias.

 - O que quer que tenha ficado decidido, tenho a certeza que foi o melhor.

 - Vamos ver, Sofia, vamos ver.

 - Já falaste com ele?

 - Não, ainda não, Maria. Tentei ligar-lhe há pouco mas ele não atendeu. – Certamente teriam chegado à mesma conclusão do que eu: Rúben ia mesmo para outro país.

 - E foi por isso que ficaste tanto tempo lá fora?

 - O Bernardo decidiu fazer-me companhia…

 - O quê?

 - Tentou beijar-me.

 - Tentou?

 - Tentou.

 - E tu…?

 - E eu nada. Eu gosto do Rúben, independentemente do que irá acontecer. – Esta era a confirmação que Maria queria ouvir sair da minha boca. Sorriu-me. Despedi-me e segui caminho até casa, onde uma longa noite me esperava.


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