segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

29º Capítulo: Conversa a meio

 Maria estava sentada no sofá, com a televisão ligada, embora não lhe prestasse a mínima atenção. De pernas cruzadas, os cotovelos estavam apoiados no joelho, e as mãos, erguidas, seguravam-lhe a cara. O seu olhar, opaco, atravessava os vidros da porta de acesso à varanda, olhava para o nada. Era uma posição pouco característica de Maria. Provavelmente ouviu-me entrar em casa, mas não fez questão de me olhar. Sentei-me ao seu lado, ligeiramente virada para si.

 - Estive com o Ruben… Nós… Eu queria agradecer-te por tudo. – Tinha a certeza de que naquele momento os meus olhos brilhavam como dois faróis na noite escura e, em parte, graças a Maria.

 - Ai sim? Que bom. – Mostrou-me um sorriso forçado. Não, alguma coisa não estava bem. Esta não era a Maria que no último mês me tinha apoiado e também aberto os olhos em relação a Ruben.

 - Não estás feliz?

 - Devia estar?

 - Maria… - Mas o que se passava com ela? A sua atitude estava a magoar-me. – Pensei que ias ficar contente…

 - Estaria, se fosse há minutos atrás.

 - O que é que aconteceu? Hum? Diz-me!

 - Madalena, tu gostas do Ruben ou só estás com ele por… - Pressão? Dinheiro? Fama? Seria nisso que Maria estava a pensar? Que eu estava com ele para receber algo em troca?

 - Por…? – Incentivei-a a concluir a pergunta. Quem me dera que, da boca dela, as palavras que saíssem não seriam aquelas que eu estava a pensar.

 - Tu sabes, por ele ser um jogador de futebol… e tudo o que isso implica. – Abanei a cabeça para a esquerda e para a direita, repetidamente, na esperança de sacudir os pensamentos. Como era possível? Até à data, Maria confiara em mim incondicionalmente. Como é que lhe poderia passar pela cabeça o facto de eu estar com Ruben por interesse. Sim, porque se fosse mesmo por interesse de certeza que não o teria feito esperar, a ele e a mim. Precisamente 26 dias ansiosa por uma resposta definitiva acerca do futuro de Ruben, e ela tinha presenciado tudo…

 - Pensava que me conhecias! Achas mesmo que…?

 - Não, não acho. – Interrompeu-me. –  Mas, e se eu forcei duas pessoas a ficarem juntas para nada?

 - Forçaste? Para nada? – A minha voz elevara-se alguns tons. Como é que Maria podia pensar estas coisas a meu respeito? Ela conhecia-me, não era suposto ser assim. Olhou-me, esta conversa estava a ser difícil para ambas. – Maria, por favor, meias palavras agora não… Onde é que foste buscar essas ideias?

 - E se tu e o Ruben não devessem ficar juntos? A culpa seria minha, certo? Pois fui eu que te andei a dar na cabeça semanas seguidas para que isto acontecesse… Provavelmente se eu te tivesse incentivado a desistir, ele também acabaria de desistir de ti, não é?

 - O que é que te fez mudar de ideias? – Maria não me respondeu, limitou-se, apenas, a fazer-me outra pergunta.

 - O que é que se passou na noite anterior entre o Bernardo e tu?

 - Nada, não se passou nada, já te tinha dito.

 - Nada? – Procurou uma confirmação, desconfiada.

 - Ele tentou beijar-me, só isso. Mas o que é que o Bernardo tem a ver com o Ruben?

 - Só isso? É bom que não me estejas a mentir, Madalena, porque ele acabou de sair daqui.

 - O quê? O Bernardo esteve aqui? Mas como? Ele nem sabe onde eu moro… - Não sabe… Pensava eu que não sabia, mas ao que parece sabia perfeitamente.

 - Saiu há poucos minutos, por sorte não se cruzaram.

 - O que veio aqui fazer?

 - Veio à tua procura. Parece que deixaram uma conversa a meio… - Agora estava irritada! Mas quem é que ele pensa que é para vir à minha própria casa com insinuações? – Ah, e deixou-te isto. – Agarrou numa rosa vermelha estava em cima do sofá, que por sinal me tinha passado despercebida, e deu-me a.

 - Isto não é o que parece… - Apressei-me a esclarecer, apesar de tudo, a opinião da Maria, para mim, era importante.

 - Isso já não sei. Só te peço uma coisa, não magoes o Ruben. Eu não o conheço mas parece-me uma excelente pessoa.

 - Maria, eu gosto do Ruben. – Declarei, olhos nos olhos, o mais sincera possível.

 - Vou acreditar em ti, mas não cometas nenhum erro… - Assenti. Despediu-se de mim com um beijo na testa e foi embora.

 Possivelmente, o Bernardo tinha-lhe dito mais do que aquilo que ela me tinha transmitido. Ninguém melhor do que Maria para testemunhar o que sentia por Ruben, ela mesma podia provar que os sentimentos que nutria por ele cresciam de dia para dia, e como este último mês tinha sido bastante difícil para mim. O que quer que o Bernardo lhe tenha dito pôs em causa tudo o que ela tinha acreditado e lutado até hoje. Só gostava de saber o que era…

 Há dois anos atrás, nos primeiros dias de estudante universitária, olhar para os alunos da faculdade que iria frequentar era um ato tipicamente humano. De entre todos, caloiros e veteranos, Bernardo, certamente, foi o que mais me chamou à atenção. Nessa altura, posso dizer que o meu coração estava ferido, pois o meu último relacionamento, que durara um ano, vira o seu fim. Mas, com o passar do tempo, as feridas foram sarando e Bernardo foi-se revelando. Mesmo integrando a mesma turma desde o início nunca tivemos uma relação para além de colegas. Na verdade, já tinha doutoramento na espécie humana que Bernardo representava e a experiência dizia-me que quanto mais longe dele melhor. E assim foi… até há pouco tempo.

 Os professores defendiam que o bom relacionamento entre os colegas de turma faria de nós melhores pessoas, pois aprenderíamos a respeitar o outro, a compreendê-lo e, acima de tudo, a conviver com ele. Até aqui tudo bem. No entanto, no meio das boas intenções dos professores, existia uma má ideia: Um dos pontos de avaliação de uma das cadeiras do semestre que acabara no dia anterior, baseava-se numa investigação de grupo, grupos escolhidos pelo professor que lecionava, tal como me lembro de fazer no ensino básico. A princípio a ideia não era má, mas tornou-se horrível quando eu e Bernardo fomos obrigados a passar duas semanas juntos para elaborar o trabalho. Sempre o ignorara, a ele e às suas boquinhas foleiras e, desde que conheci pessoalmente Ruben, tudo tinha melhorado. Ruben tinha aparecido como um escape, onde poderia ser simplesmente eu sem me preocupar com escola, o trabalho e, acima de tudo, com Bernardo, que cada vez mais expressava o seu desejo por mim, não emocional, mas fisicamente. Depois do trabalho de investigação ser entregue ao professor tudo voltou à normalidade, pelo menos para mim, pois voltei a ignorar diariamente Bernardo, para mim não passava de mais um colega. Sinceramente, pensava que o mesmo se sucedia com Bernardo… pensava, até ontem.


2 comentários:

  1. A sério? Esse Bernardo já vai estragar tudo?

    Gostei do cap. Beijinho

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  2. fantastico...

    quero mais... tou super curiosa para ver o proximo...

    continua...

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