Maria
estava sentada no sofá, com a televisão ligada, embora não lhe prestasse a
mínima atenção. De pernas cruzadas, os cotovelos estavam apoiados no joelho, e
as mãos, erguidas, seguravam-lhe a cara. O seu olhar, opaco, atravessava os
vidros da porta de acesso à varanda, olhava para o nada. Era uma posição pouco
característica de Maria. Provavelmente ouviu-me entrar em casa, mas não fez
questão de me olhar. Sentei-me ao seu lado, ligeiramente virada para si.
- Estive
com o Ruben… Nós… Eu queria agradecer-te por tudo. – Tinha a certeza de que
naquele momento os meus olhos brilhavam como dois faróis na noite escura e, em
parte, graças a Maria.
- Ai sim?
Que bom. – Mostrou-me um sorriso forçado. Não, alguma coisa não estava bem.
Esta não era a Maria que no último mês me tinha apoiado e também aberto os
olhos em relação a Ruben.
- Não
estás feliz?
- Devia
estar?
- Maria… -
Mas o que se passava com ela? A sua atitude estava a magoar-me. – Pensei que
ias ficar contente…
- Estaria,
se fosse há minutos atrás.
- O que é
que aconteceu? Hum? Diz-me!
-
Madalena, tu gostas do Ruben ou só estás com ele por… - Pressão? Dinheiro?
Fama? Seria nisso que Maria estava a pensar? Que eu estava com ele para receber
algo em troca?
- Por…? –
Incentivei-a a concluir a pergunta. Quem me dera que, da boca dela, as palavras
que saíssem não seriam aquelas que eu estava a pensar.
- Tu
sabes, por ele ser um jogador de futebol… e tudo o que isso implica. – Abanei a
cabeça para a esquerda e para a direita, repetidamente, na esperança de sacudir
os pensamentos. Como era possível? Até à data, Maria confiara em mim
incondicionalmente. Como é que lhe poderia passar pela cabeça o facto de eu
estar com Ruben por interesse. Sim, porque se fosse mesmo por interesse de
certeza que não o teria feito esperar, a ele e a mim. Precisamente 26 dias
ansiosa por uma resposta definitiva acerca do futuro de Ruben, e ela tinha
presenciado tudo…
- Pensava
que me conhecias! Achas mesmo que…?
- Não, não
acho. – Interrompeu-me. – Mas, e se eu
forcei duas pessoas a ficarem juntas para nada?
- Forçaste?
Para nada? – A minha voz elevara-se alguns tons. Como é que Maria podia pensar
estas coisas a meu respeito? Ela conhecia-me, não era suposto ser assim.
Olhou-me, esta conversa estava a ser difícil para ambas. – Maria, por favor,
meias palavras agora não… Onde é que foste buscar essas ideias?
- E se tu
e o Ruben não devessem ficar juntos? A culpa seria minha, certo? Pois fui eu
que te andei a dar na cabeça semanas seguidas para que isto acontecesse…
Provavelmente se eu te tivesse incentivado a desistir, ele também acabaria de
desistir de ti, não é?
- O que é
que te fez mudar de ideias? – Maria não me respondeu, limitou-se, apenas, a
fazer-me outra pergunta.
- O que é
que se passou na noite anterior entre o Bernardo e tu?
- Nada, não
se passou nada, já te tinha dito.
- Nada? –
Procurou uma confirmação, desconfiada.
- Ele
tentou beijar-me, só isso. Mas o que é que o Bernardo tem a ver com o Ruben?
- Só isso?
É bom que não me estejas a mentir, Madalena, porque ele acabou de sair daqui.
- O quê? O
Bernardo esteve aqui? Mas como? Ele nem sabe onde eu moro… - Não sabe… Pensava
eu que não sabia, mas ao que parece sabia perfeitamente.
- Saiu há
poucos minutos, por sorte não se cruzaram.
- O que
veio aqui fazer?
- Veio à
tua procura. Parece que deixaram uma conversa a meio… - Agora estava irritada!
Mas quem é que ele pensa que é para vir à minha própria casa com insinuações? –
Ah, e deixou-te isto. – Agarrou numa rosa vermelha estava em cima do sofá, que
por sinal me tinha passado despercebida, e deu-me a.
- Isto não
é o que parece… - Apressei-me a esclarecer, apesar de tudo, a opinião da Maria,
para mim, era importante.
- Isso já
não sei. Só te peço uma coisa, não magoes o Ruben. Eu não o conheço mas
parece-me uma excelente pessoa.
- Maria,
eu gosto do Ruben. – Declarei, olhos nos olhos, o mais sincera possível.
- Vou
acreditar em ti, mas não cometas nenhum erro… - Assenti. Despediu-se de mim com
um beijo na testa e foi embora.
Possivelmente,
o Bernardo tinha-lhe dito mais do que aquilo que ela me tinha transmitido.
Ninguém melhor do que Maria para testemunhar o que sentia por Ruben, ela mesma
podia provar que os sentimentos que nutria por ele cresciam de dia para dia, e
como este último mês tinha sido bastante difícil para mim. O que quer que o
Bernardo lhe tenha dito pôs em causa tudo o que ela tinha acreditado e lutado
até hoje. Só gostava de saber o que era…
Há dois
anos atrás, nos primeiros dias de estudante universitária, olhar para os alunos
da faculdade que iria frequentar era um ato tipicamente humano. De entre todos,
caloiros e veteranos, Bernardo, certamente, foi o que mais me chamou à atenção.
Nessa altura, posso dizer que o meu coração estava ferido, pois o meu último
relacionamento, que durara um ano, vira o seu fim. Mas, com o passar do tempo,
as feridas foram sarando e Bernardo foi-se revelando. Mesmo integrando a mesma
turma desde o início nunca tivemos uma relação para além de colegas. Na verdade,
já tinha doutoramento na espécie humana que Bernardo representava e a
experiência dizia-me que quanto mais longe dele melhor. E assim foi… até há
pouco tempo.
Os
professores defendiam que o bom relacionamento entre os colegas de turma faria
de nós melhores pessoas, pois aprenderíamos a respeitar o outro, a
compreendê-lo e, acima de tudo, a conviver com ele. Até aqui tudo bem. No
entanto, no meio das boas intenções dos professores, existia uma má ideia: Um
dos pontos de avaliação de uma das cadeiras do semestre que acabara no dia
anterior, baseava-se numa investigação de grupo, grupos escolhidos pelo
professor que lecionava, tal como me lembro de fazer no ensino básico. A
princípio a ideia não era má, mas tornou-se horrível quando eu e Bernardo fomos
obrigados a passar duas semanas juntos para elaborar o trabalho. Sempre o
ignorara, a ele e às suas boquinhas foleiras e, desde que conheci pessoalmente
Ruben, tudo tinha melhorado. Ruben tinha aparecido como um escape, onde poderia
ser simplesmente eu sem me preocupar com escola, o trabalho e, acima de tudo,
com Bernardo, que cada vez mais expressava o seu desejo por mim, não emocional,
mas fisicamente. Depois do trabalho de investigação ser entregue ao professor
tudo voltou à normalidade, pelo menos para mim, pois voltei a ignorar
diariamente Bernardo, para mim não passava de mais um colega. Sinceramente,
pensava que o mesmo se sucedia com Bernardo… pensava, até ontem.
A sério? Esse Bernardo já vai estragar tudo?
ResponderEliminarGostei do cap. Beijinho
fantastico...
ResponderEliminarquero mais... tou super curiosa para ver o proximo...
continua...