sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

16º Capítulo: Tarde demais

 Voltei a olhá-lo nos olhos, conhecia vagamente a expressão, expressão que me tinha feito correr atrás de Ruben e pedir-lhe para ficar quando pensei que tinha saído da minha vida para sempre. Os seus olhos imploravam por uma resposta. Uma resposta rápida. Eu não queria dizer não, aliás não queria nem podia, mas também não queria sofrer mais do que me estava destinado, ao entregar-me ao homem que mais queria neste momento. Provavelmente Ruben não aceitaria esperar, o pouco que conhecia da sua personalidade dizia-me que corria atrás dos seus sonhos, por isso chegou onde chegou. Uma pessoa assim luta pelos sonhos, sobe cada degrau merecido com um sorriso no rosto, e acima de tudo, deixa para trás aquilo que não importa. Será que eu não importava minimamente? Teria de arriscar, teria de pedir-lhe para esperar, a decisão estava nas suas mãos.

 - Ruben, posso-te dar a resposta quando tiver a certeza que não vais embora? – Senti os seus braços afastarem-se da minha cintura, onde tinham permanecido até então. Um estranho desespero possuiu-me, coloquei as minhas mãos no seu rosto e obriguei-o a olhar para mim. – Por favor, entende. Eu tenho medo, eu não quero criar, acreditar e fazer crescer algo que depois terá de acabar com um simples adeus. Não quero. Eu tenho um pavor enorme ao sofrimento. Por favor, entende Ruben. – As palavras haviam-me saído demasiado depressa, a pressão que as minhas mãos exerciam na sua cara tinha aumentado significativamente.

 - Madalena, eu entendo, nem ia deixar isso acontecer. Quando pediste para ficar as minhas prioridades mudaram, uma delas é fazer-te feliz, eu não te ia magoar assim, não a ti! – Rodou-o meu corpo sobre si, fiquei cara a cara com Ruben. Abraçou-me. Senti-me pequenina, protegida.

 - Mas os teus sonhos, as tuas ambições…

 - Os sonhos mudam. Eu sou o que sempre quis, jogo no Benfica, já fui chamado para jogar na seleção, tenho a minha família por perto… Os meus sonhos estão aqui.

 - O que não exclui a hipótese de…

 - Madalena, olha para mim. A última palavra será sempre a minha. É óbvio que penso no futuro, o futebol são 10 ou 12 anos, também é verdade que se fosse jogar para o estrageiro ganharia, certamente, mais do que ganho no Benfica. Mas achas que era capaz de deixar a minha família, os meus amigos, a minha vida, tu, tudo isso cá? – Um sorriso cresceu-lhe e numa gargalhada disse: - Eu sou um menino.

 - Eu acredito em ti, mas…

 - Mas preferes esperar, certo?

 - Eu entendo se não o quiseres fazer, tens esse direito. – Disse tristemente.

 - Acho que agora é um pouco tarde para mudar o que quer que seja…

 - Isso quer dizer que…

 - Espero por ti até ter certezas de que não vou a lado nenhum. Vou continuar aqui até tu me mandares embora.

 Felicidade. Este sentimento era como a lua que nos iluminava naquela noite, tinha várias faces. Conhecia algumas da sua totalidade, mas neste momento a felicidade que sentia era diferente. Uma felicidade pequena, não que fosse pequena por não estar totalmente feliz, mas uma felicidade que sentia que iria crescer mais e mais, que me iria mostrar o verdadeiro significado das coisas mais simples.

 Suspirei.

 - Tu vais continuar aqui até que queiras, eu não te posso mandar embora.

 - Não podes?

 - É tarde demais.

 Tarde demais, essa era a verdade. Como era possível? Conhecia pessoalmente o Ruben há cerca de um mês e meio. Era possível a química, a compatibilidade, o que lhe quiserem chamar, crescer tanto em tão pouco tempo? Possivelmente esse crescimento ia contra todas as leis possíveis e imaginárias da física, mas nada me garantia que era impossível.

 Continuávamos sentados no chão, de frente um para o outro, as nossas pernas entrelaçavam-se para que a distância diminuísse. A, até agora, deserta doca começava a encher, principalmente de casais. Aquela sensação de inveja já não se fazia sentir, pelo menos não na sua totalidade. Tinha quase tudo o que eles tinham, e para alguns até tinha mais. Tudo o que sentia baseava-se em sentimentos verdadeiros, puros, não tinham segundas intenções, não estava com Ruben pela fama, pelo dinheiro, aliás isso assustava-me. Podia dizer que estava com Ruben, não oficialmente, mas os amigos normais não se beijam como nós, não nutrem sentimentos tão fortes como nós.

 - Madalena, de uma coisa eu tenho a certeza. – Não fiz qualquer pergunta, sabia que Ruben iria continuar o seu discurso, embora tivesse incluído esta longa pausa para unir as nossas mãos e prender fortemente o meu olhar no seu. – Adoro-te.

 Senti-me corar. Não ouvia esta expressão de grande significado há demasiado tempo, soube demasiado bem. O meu coração acelerou exponencialmente, tudo o que definira como certo e errado deixara de fazer sentido, esta era a mais fraca força, embora devastadora em mim, dos mais simples sentimentos.

 - Eu também te adoro. – Disse no sussurro envergonhado, entregando-me aos seus braços que me esperavam.



***



 Esta não era a noite que tinha planeado, de todo, mas não me podia queixar. Avistei, ao longe, Sofia. Fazia-se acompanhar por um homem que julgo ter visto no grupo que se juntou a elas na discoteca, era alto, loiro, musculado, embora me parecesse que cérebro e sentido de responsabilidade não existissem. Um rasto de preocupação percorreu-me, elas sabiam o que estavam a fazer, mas será que eles também sabiam?

 - Vem comigo. – Pediu Ruben. A doca estava com demasiadas pessoas, estava na altura de sairmos dali.

 Passámos por entre a multidão com dificuldade, ligeiramente afastados, até chegar ao carro de Ruben que se encontrava um pouco longe. Por sorte não tinha sido o meu carro a transportar-nos até ali ao início da noite.

 Sentados nos respetivos lugares do carro de Ruben, este pensava em alguma coisa.

 - Onde vamos?

 - Vamos sair daqui.

 - Pois, isso já tinha percebido, mas onde?

 - Não sei… - Sorriu-me. Era algo que tinha aprendido a apreciar em Ruben, comigo não se preocupava em ser outra pessoa, nem comigo nem com ninguém, era sempre ele mesmo, embora me fizesse sentir especial.

 - Isso parece-me… Romântico. – Gracejei. – Hum… Por ali. – Ordenei apontando com o dedo indicador para a saída do estacionamento.

 Assentiu. Ao percorrer as estradas da capital, dava-lhe instruções sobre o caminho que teria de seguir. Ainda era cedo para regressar a casa, como tal o trânsito estava calmo e o tempo de viagem foi reduzido.

 - Podes estacionar aí. – Indiquei.

 - Boa escolha.

 A praia estendia-se mesmo à nossa frente. Deixei os sapatos no carro e, descalça, caminhei até ao longo troço de areia branca, mesmo fria, adorava senti-la nos pés.

 - O que é que estás a fazer? A água deve estar gelada. – Ruben encontrava-se no passeio atrás de mim.

 - Quem é que te disse que eu ia entrar na água? – Puxei-o agarrando-lhe a mão.

 Enquanto caminhávamos, devagar, o seu braço agora na minha cintura, impediu-me de avançar. As minhas costas tocaram no seu peito. Vacilei automaticamente. Ruben estava colado a mim, demasiado, certamente teria sentido os pequenos espasmos que percorriam o meu corpo. Quando pensei que não podia estar mais colada a Ruben, puxou-me um pouco mais para si. A sua mão livre, afastava delicadamente o casaco que tinha vestido da pele dos meus ombros. Os seus lábios beijavam docemente, deixando um leve caminho de saliva da língua que os acompanhava, o caminho percorrido pelos seus dedos, o ombro, o pescoço terminando a viagem com uma pequena dentada no lóbulo da orelha. As minhas barreiras de segurança que asseguravam o funcionamento da minha sanidade mental estavam a cair, era tempo de explodir, de dar asas ao desejo. Bruscamente, rodei sobre mim mesma, e uni os nossos lábios num beijo louco, ao qual Ruben correspondeu.

 A intensidade aumentava, agarrava levemente os cabelos acima da nuca de Ruben, as suas mãos viajavam, sem rumo, pelo meu corpo. O frio da noite era substituído por um calor corporal que aumentava. E as mãos de Ruben não paravam. Senti os seus dedos pressionarem o fecho do meu vestido, larguei-lhe o pescoço, tentei afastar-me um pouco dele, mas os seus braços fortes não me permitiram.

 - Ruben, para, não vamos…

 - Tu não…?

 - Não. – Podia parecer esquisito, mas eu ainda não o tinha feito com ninguém e era óbvio que não seria hoje e muito menos fora de uma relação estável. – Desculpa.

 - Estás a pedir desculpa? Não, quem tem de te pedir desculpa sou eu. Eu não estava a pensar. Eu não queria…

 - Não tem problema, vamos apenas… Ficar.

 Senti novamente o seu corpo contra o meu. Os beijos agora um pouco mais calmos, as suas mãos acariciavam-me apenas as faces, as minhas pousaram no seu peito, bem junto do coração que batia descompassado.


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