sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

7º Capítulo: "Seguir o coração" (Parte II)

(Ruben)

 Havia, neste momento, coisas e pessoas das quais eu não queria abdicar em troca de jogar num clube estrangeiro. O mercado de transferência abria dentro de um ou no máximo dois meses. Faltava pouco e tinha decisões a tomar sobre a minha vida.

 - Posso-te pedir uma coisa?

 - O quê? – Perguntei curioso.

 - Segue o teu coração. Não te vais arrepender.

 O que a Madalena tinha acabado de me dizer levaram-me a pensar: «Como é que ela sabe o que o meu coração quer?», «Não me vou arrepender».

 - Seguir o meu coração. Então… será que… posso… - dizia enquanto me aproximava dela. Neste momento era o que o meu coração queria. Beijá-la. A própria tinha-me dito para o seguir.

 Fixei os seus lábios, estava nervoso. Ela estava imóvel, não me ia afastar nem esbofetear, pelo menos por agora. Uni os nossos lábios, ainda não tinha dado início ao beijo, esperava uma reação dela. Até um simples encosto de lábios gritava o seu nome. Ela era única, vestia-se de maneira única, falava como mais ninguém, o próprio conteúdo das conversas era característico dela. O meu gesto foi correspondido. As nossas bocas movimentavam-se aumentando o desejo. Senti a sua mão pousar na minha nuca, entendi isso como um sinal de correspondência e intensifiquei o beijo.

 - Ruben. – Chamou-me. Eu não podia permitir que este momento acabasse já, ainda era demasiado cedo. – Ruben… pára!

 Afastei-me dela e olhei-a nos olhos.

 - Mas… porquê?

 - Porque isto é um erro. – Estava arrependida, não percebi porquê. Eu seguira o meu coração tal como ela me aconselhou, mas provavelmente o seu coração não tinha os mesmos desejos do meu.

 - Tu queres tanto quanto eu!

 - O problema é mesmo esse. Tu vais-te embora, não podemos ter nada mais para além de uma amizade.

 - Madalena… - Tentei beijá-la. Queria mostrar-lhe que o que dizia não fazia sentido. Eu podia não ir para fora, a última palavra seria sempre a minha.

 - Por favor, pára. – Pediu-me. Desisti.

 - Tu não queres porque eu posso ir embora?

 - Sim. Quer dizer, mais ou menos.

 - Em que ficamos?

 - Eu não quero sofrer quando te fores embora. Eu não quero aproximar-me demasiado de ti para depois nunca mais te ver. – Compreendia-a. Tal como ela queria deixar-me viver o meu sonho, eu não lhe podia pedir para que esperasse por mim ou para vir comigo. Também eu a deixaria viver a sua vida.

 - Eu posso não ir a lado algum…

 - Mas até ao último minuto do mercado de transferências eu não quero ser uma das razões pela qual não realizes o teu sonho. – Madalena saiu do carro. Será que ela nunca mais voltaria a querer estar comigo?

 - Madalena. – Gritei-lhe, pois já estava um pouco longe para que num tom normal fosse totalmente audível. – E até lá, podemos ser… amigos?

 - Amigos.

 Claro, amigos.



***


 Cheguei a casa no instante em que o telefone fixo começou a tocar.

 - Manz, onde meteu seu celular?

 - Acho que… - Procurei nos bolsos das calças e do casaco, nada. – Acho que o deixei no carro…

 - Tentei ligar a cê montes de vezes e nada. Quer ir ao Bowling?

 - David, hoje não.

 - Não? E um joguinho de PES em sua casa?

 - Não mano, hoje não.

 - Ué? Como não? Cê tá bem?

 - Sim, estou bem.

 - Não minta aqui pró Davi’.

 - Eu não estou a mentir.

 - Cê hoje não é mais o Ruben. Eu vou aí agora, tô querendo saber tudo.

 «Tô querendo saber tudo», que chato!

 David não demorou muito a chegar. Convidei-o a entrar e sentámo-nos no sofá da sala. Não sabia por onde começar, aliás, nem sabia ao certo o que se tinha passado. As palavras da Madalena não saiam da minha cabeça: “Segue o teu coração”.

 Relatei tudo o que se tinha passado naquela tarde, desde a nossa conversa sobre o meu possível futuro fora dos limites nacionais, até ao beijo. David era um bom amigo, ouviu-me até ao fim, com toda a atenção e interesse, sem nunca me interromper.

 - Essa menina bateu forte, né?

 - É. E percebi que seguir o coração é má ideia…

 - Não é não cara. Seguir sempre o coração. A menina só não quer sofrer se cê for embora. Olhe eu e a Carolina, com a distância não deu mais.

 - Eu sei David, mas eu ainda não sei se vou. O mercado ainda não abriu e o meu contrato só acaba em Junho de 2013.

 - Cê já não tem a certeza se quer ir?

 - Eu gostava de ir, mas não quero deixar tudo para trás, a família, os amigos…

 - A menina. Cê escolheu uma profissão que não escolhe cidade.

 - E agora?

 - E agora? Cê não sabe o que fazer?

 - Não.

 - Ruben segue seu coração.




(Madalena)

 Vi o carro de Ruben desaparecer ao fundo da rua. Tarde demais para arrependimentos, Joana não tardaria a chegar e ainda não tinha começado a preparar o jantar. Subi as escadas, entrei em casa e dirigi-me à cozinha. O jantar seria a famosa ‘Massa do Estudante’, um prato rápido e delicioso. Quando Joana chegou já o jantar estava no forno.

 «Mesmo a tempo»

 Abri-lhe a porta, e enquanto acabava de preparar o jantar Joana arrumou a mesa. Nenhuma de nós tinha coragem de ser a primeira a falar do assunto que nos tinha juntado nesta noite.

 - Desculpa. – Disse Joana a meio do jantar. – Desculpa, não devia ter-te dito aquelas coisas.

 - Não peças desculpa, tiveste as tuas razões para fazê-lo, só não entendo o porquê.

 - És demasiado boa pessoa. Tive medo por ti, tive medo que ele te fizesse alguma coisa e que tu saísses magoada.

 - Foi só isso?

 - Não. – Suspirou. - Sabes, há algum tempo, antes de vires para cá, eu tive um namorado, estivemos juntos cerca de seis meses. Era jogador de futebol, não de nenhuma equipa grande, nunca foi suficientemente bom para ser contratado por clube algum. Naquela altura jogava nos juniores da União Desportiva Alta de Lisboa. A intenção dele comigo era igual à de muitos, comer e deitar fora. Quando ele acabou comigo teve a coragem de dizer que só tinha estado todo aquele tempo comigo pelo sexo. Acho que sempre pensei que seriam todos iguais.

 - Mas…

 - Deixa-me acabar, eu não conheço o Ruben, mas agora sei que nem todos os homens, independentemente da profissão, são iguais ao Rafael.

 Por instantes permanecemos em silêncio. Todos julgamos as pessoas demasiado cedo, ou mesmo antes de as conhecermos.

 - Que carinha é essa?

 - Hoje o Ruben beijou-me.

 - O quê? Beijou-te?

 - Estávamos a falar da possível saída dele do Benfica no próximo mês. Disse-lhe que as grandes decisões são tomadas com o coração, e beijou-me.

 - Tu bateste no rapaz?

 - Não, estás louca?

 - Não? Então… saíste disparada sem dares tempo de ele se explicar?

 - Nada disso…

 - Só encontro uma explicação, ficaste apanhada. A Madalena que eu conheço é inatingível à maioria dos homens.

 - À maioria… - Eu não era inatingível como Joana acabara de dizer, apenas não andava à procura. Desde que aqui chegara nenhum homem me tinha despertado atenção, isso era o suficiente para me dedicar a outras coisas importantes. - Eu não quero sair magoada quando ele for embora.

 - Então ficaram…

 - Amigos. – Rematei. – Acho que é isso.

 - Amigos. – Confirmou. – Até quando? – Sussurrou para si, embora alto o suficiente para que eu pudesse, com dificuldade, ouvir.

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